terça-feira, 24 de março de 2009

Registro 252: Pequenas Porandubas (Notícias)

Fui ver Gran Torino, mais um filme de Clint Eastwood e cada vez gosto mais do jeitão dele filmar. Se o cinema também é uma arte de contar histórias isso se mostra grande no ator-cineasta. Habilmente ele conta sobre um homem cheio de certezas, endurecido pela vida e pelos recalques, ranzinza e preconceituoso. Trancando em si mesmo e em sua casa de viúvo recente. o personagem amarga a solidão sem dar o braço a torcer. Habitante de um bairro de Detroit, cuja população em sua maioria é de imigrantes asiáticos e negros, Walt Kowalski destila sua rejeição manifestando abertamente contra eles e também contra os judeus, sem levar em conta que ele também é filho de imigrantes, visto que seu nome revela tal origem. Americano médio, aposentado da Ford, o personagem defende os valores da "valorosa" América que para ele anda conspurcada pela presença de gente que para ele é indesejável. O filme começa com o funeral de sua mulher e desenrola-se no ambiente do bairro e sua adjacências, centrando sua trama na relação que vai se estabelecendo entre Kowalski e os vizinhos vietnamitas os adolescentes Sue Loar e seu irmão mais jovem Thao Vanhg Loar.

Filme de culpa e redenção.

Filme onde o diretor descontrói o mito criado por ele, personagens durões que encarnou durante parte de sua vida, homens que tomam para si a tarefa de fazer justiça com as próprias mãos. Filme de auto-conhecimento e de auto-avaliação, que nos pega de surpresa, visto que a solução que o personagem dá para si e para a situação em que se encontra e os outros personagens, nos deixa sem fôlego, embora concordemos com ele.
Vale a pena dar um pulo no cinema para ver bom cinema. E Gran Torino, que também é o carro ícone que Kolwaski tem na garagem, é imenso nas sua proposições. Diante delas nos rendemos. Saímos do cinema confortados e emocionados não só por tudo que vimos, mas também pelo achado final, quando ouve-se a canção cantada pela voz rouca de Clint Eastwood-Kolwaski.

Depois fui ver O Visitante. Nas suas diversidades, os filmes parecem encontrar um ponto de convergência. Que ator deslumbrante é Richard Jenkins; que economia de gestos, de expressões revelando os desvãos da alma. Que atriz deslumbrante é Haaz Sleiaman. Os dois dão um banho de interpretação. E tudo isso com a delicadeza de quem sabe o que faz e sabe que faz bem. Filme de atores. Ganhei meu fim de semana.
Álbum de Família de Nelson Rodrigues, inspirada encenação de Paulo Henrique Alcântara com os alunos da terceira turma de concluintes do curso de Artes Cênicas da Faculdade Social foi ao Fringe (Festival de Teatro de Curitiba) e voltou com ótimas críticas. Quando de sua estréia em Salvador escrevi um comentário apreciativo. tenho certeza de que acertei no meu julgamento. Beth Néspoli que faz crítica teatral no jornal O Estado de S. Paulo escreveu em seu blog:

"Também ontem, à tarde, vi no Fringe uma montagem de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, do grupo Minotauro, de Salvador, dirigida por Paulo Henrique Alcântara. Destaca-se da média dos espetáculos dessa mostra não por um resultado excepcional, mas por ser uma realização de quem claramente domina a linguagem teatral, a construção de uma poética cênica. Não é um mero levantamento do texto. Há um pensamento por trás, um motivo para fazer, um desejo de sublinhar aspectos. Nelson dizia, não lembro exatamente com que palavras, que basta um sopro para o homem cair de quatro. Essa é a ideia sobre a qual a encenação se baseia, dessa família que vive na fronteira entre selva e civilização. Pode parecer óbvio, é a primeira leitura, mas foi compreendida e recriada cenicamente. O cenário não é mera decoração, baús e paredes que remetem a ossários 'guardam' memórias familiares, e ancestrais. Assim como os figurinos buscam significar e não apenas vestir. Mas qualidade e problema vêm juntos, na ênfase excessiva, na falta de sutileza. A relação incestuosa - comum na natureza, interdita pela civilização - é reforçada in extremis. Nonô, nu, nessa encenação é o que Nelson chamaria do selvagem absoluto, sujo, cabelos longos e desgrenhados, urrando como animal durante um tempo excessivo. A favor do espetáculo não estar impregnado do amadorismo, no sentido da precariedade, que aparece em tantas, tantas e tantas peças do Fringe.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Registro 251: Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

Ontem foi o lançamento da Revista, com a reedição de artigos de Manuel Querino, acompanhados de textos comentando a produção do santamarense, escritor, jornalista, historiador, pintor, desenhista, um dos primeiros pesquisadores dos estudos sobre a contribuição africana para formação da sociedade baiano-brasileira. Como um dos articulista, estive presente e faço o registro para marcar a importância do trabalho de Querino. Em meu texto, comento o artigo do autor Theatros da Bahia, publicado por volta de 1910. A iniciativa do professor Jaime Nascimento comemora o 86 anos da morte de Querino, escritor, historiador, jornalista, desenhista, pintor, nascido a 28 de julho de 1851 e falecido em 14 de fevereiro de 1923.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Registro 250: Duas ou três coisas sobre Lispector

Clarice Lispector e seu cachorro Ulisses, s.d., sem crédito autoral
Não sou um conhecedor da obra de Clarice Lispcetor. Fiz leituras dispersas de alguns de seus livros, mas fui irremediavelmente tocado por A Hora da Estrela. Dizem os doutos ser o livro mais fácil da escritora. Paciência. Eu gosto muito de A Hora da Estrela. Fiz até uma adaptação para o teatro, lida por Fauzi Arap, amigo da escritora e amante de seus escritos. A adaptação se perdeu. Deve ter caído do caminhão de mudança e se espalhado pelas ruas que nem cachorro que ninguém quer. Fiz tantas mudanças e nem sei quando perdi os papéis amarelados cujo texto datilografado já estava desaparecendo.
Fauzi levou para o palco Perto do Coração Selvagem (1965), e adaptou A Paixão Segundo G.H. encenada por Henrique Diaz (2002) e incluiu trechos de Clarice Lispector nos shows que dirigiu para Maria Bethânia, fã confessa da escritora nascida na Ucrânia, mas tão pernambucana quanto Bandeira, Suassuna, Cabral de Melo Neto e outros tantos de boa cepa recifense.
Acompanhei de perto a montagem de Um Sopro de Vida (1979), a bela encenação que José Possi Neto fez para Marilena Ansaldi. Logo depois fui convidado pelos dois para fazer Geni. Por essa época conheci Olga Borelli, amiga de Clarice Lispector, companheira nos seus últimos momentos entre nós. A fota que ilustra esse registro foi um presente que recebi dela.
Hoje, encontrei-me com Meran Vargens que retoma a sua encenação de A Hora da Estrela, um espetáculo que vi em Salvador em 2003. Encenação inventiva, com um achado cenográfico encantador. Por aqui vi também Clarices de Deborah Moreira, reunião de textos claricianos. Coincidentemente, leio Clarice em Cena: as relações entre Clarice Lispector e o teatro, de André Luís Gomes (Unb - Finatec, 2007), resultado da pesquisa que fez sobre a escritora e o teatro.
Clarice Lispector traduziu textos teatrais . Gomes apresenta quase todos eles, tece comentários sobre cada um e estabelece relações entre o conteúdo das obras e alguns livros de Lispector. Entre os textos traduzidos encontra-se Sotoba Komachi de Yukio Mishima, encenado por Herbert Machiz, diretor norte-americano (com ou sem hífen?) , com passagem pela Escola de Teatro da então Universidade da Bahia, em 1961. O espetáculo, cujo título Três Peças Modernas Japonesas, reunia além de Sotoba Komachi, O Tambor de Damasco outro texto de Mishima e o Crime de Han de Shiga Naoya, ambas traduzidas do inglês por Clarice Lispector. Coube a Martim Gonçalves criar os figurinos, seu último trabalho em Salvador antes de deixar a direção da Escola de Teatro, espaço criado por ele sob os auspícios do reitor Edgard Santos.
Pra encerrar: participo de uma pequena cena no filme de Suzana Amaral, A Hora da Estrela (1986)... Marcélia Cartaxo, inesquecível e dolorida Macabéa.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Registro 249: Acordo e levo um susto

Acordo e levo um susto. A matéria de capa dos jornais: "Chávez ocupa portos e ameaça dois governadores". Em nome da segurança nacional. Já vi esse filme, aqui bem perto, no nosso quintal. É certo que cada povo tem o governo que merece. Eles estão aí nos assombrando. Os venezuelanos que se cuidem. Não dá pra ficar sem refletir sobre o que vai acontecendo para lá das nossas fronteiras no momento em que a América do Sul parece querer ditaduras travestidas em democracias. É certo que os governantes foram eleitos pelo voto, mas até aí morreu Neves. No caso do vocábulo ditadura não ser apropriado para caracterizar o que ronda a América Latina, visto sua radicalidade, podemos ver por aí uma certa tendência para o autoritarismo. Eufemismo! Por certo...
Não dá pra avalizar ditaduras, sejam elas de direita, de esquerda ou amparada em fundamentos religiosos.
Espero que o leitor não não intreprete de forma errada o texto. Não estou aqui me filiando àqueles que pensam que ditaduras são "ditabrandas". Repudio totalmente essa visão. Sofri na pele os horrores da ditadura civil-militar brasileira. Sei muito bem o que é viver trinta dias confinado em uma cela do DEOPS - SP, debaixo de ameaças constantes.
As feridas estão curadas, mas as lembranças são vivas. Por isso mesmo, não quero viver sob nenhuma ditadura.
No sábado fui ver Entre os Muros da Escola, filme de Laurent Cantet, baseado no livro do professor François Bégaudeau, que protagoniza ele mesmo. O título em francês, Entre Les Murs, é melhor que a nossa tradução. Alías, as traduções de títulos para o português tem sido um desastre. É melhor porque diz muito mais, amplia a questão ou as questões discutidas pelo cineastas e pelo professor, embora tudo se passe no interior escolar. tento não cai no pessimismo, mas ao ver o filme reafirma em mim a visão de que a escola faliu e que as teorias não dão conta de explicar nem de resolver o que a realidade nos apresenta. Sou também professor e sai do filme com uma sensação estranha, pensando na realidade da escola francesa e mais ainda sobre as nossas escolas. Longe daqui aqui mesmo. O filme deve ser visto por todos os professores e alunos. Por falar nisso, Vamos à Folha de S. Paulo, coluna de Mônica Bérgamo (Ilustrada, 15.03.09):
Professores da rede pública que trabalham em escolas de risco no Rio contam alguns de seus conflitos diários que vão além do giz, como tirar revólver de aluno e ter a bolsa furtada dentro da classe"Professora, tem dois alunos armados e um diz que vai matar o outro no recreio." Foi assim que começou mais um dos centenas de dias de trabalho da professora de artes Vera Cruz, 66. "Tremi toda. Não sabia o que fazer. Respirei fundo e entrei no meio da briga. Era uma discussão por racismo. Um negro, outro branco. O alemão dizia que o negro não prestava, trocaram ofensas e colocaram a família no meio. Daí sentei com os dois, conversei e consegui fazê-los me entregar as armas: uma lâmina de sapateiro e uma adaga." Eles tinham dez anos.

A exposição à violência relatada por Vera foi o tema do filme "Verônica", sobre uma professora que dá aulas em uma escola que fica na favela, vivida por Andréa Beltrão. Depois de uma sessão do longa, no Rio, Vera, a atriz e mais uma dezena de outros professores da rede pública se reuniram para uma conversa com a coluna.

A psicóloga Simone de Carvalho, 45, trabalhou com uma sala de supletivo na região da praça Mauá, frequentada por prostitutas. Ela conta um episódio envolvendo um jovem de 20 anos. "Um dia, no meio da aula, me falaram que tinha um aluno com revólver dentro da classe. Fui até ele e expliquei que não poderia ficar com uma arma lá dentro, que poderia acabar machucando alguém. E ele me respondeu: "Professora, eu sei disso, mas eu tô jurado de morte, tenho que me defender"." Simone diz que viveu um "intenso conflito". "Eu deveria tirar a arma dele? E se o menino morresse, o que eu faria? Fiz um pacto de confiança para que ele não usasse aquela arma dentro da escola de modo algum." Ninguém saiu ferido.

As histórias se sucedem. Os docentes conseguem surpreender um ao outro, mesmo já tendo vivido tantas situações-limite. Há uma comoção, por exemplo, quando a professora primária Izabel Nobuko da Costa, 41, conta que foi furtada dentro da sala de aula. "Levaram minha carteira com meus cheques e cartões. Na bagunça entre as crianças, nem vi quando tiraram as coisas de dentro da minha bolsa." Andréa Beltrão interrompe: "Alunos de qual série?". "Da quarta, tinham mais ou menos uns dez anos", responde a professora.
A atriz surpreende os presentes quando revela uma atitude rara entre famílias de classe média: "Meus três filhos estudam em escola pública [o colégio Pedro 2º]". Ela diz confiar no padrão de ensino. Sua mãe foi diretora do estabelecimento. "A convivência plural faz muito bem para eles", diz ela.
Pluralismo que Luiz Elesbão Maciel, 43, professor de educação física e de filosofia, conhece bem. Ele já deu aulas em mais de 40 colégios e é o único do grupo que trabalhou em escolas dentro de presídios. "No meu primeiro dia, já teve confusão entre os presos. Um alarme tocou e eu só pedia para sair. "Sou professor, pelo amor de Deus, me deixa sair daqui!"Eu tentando sair e os guardas de preto, com balas de borracha, entrando com aqueles escudos, sabe?" Com o tempo, Elesbão diz que se acostumou e que aprendeu as regras: cuidado para não levar nem trazer recados para presos; evitar assuntos que inflamem o ânimo dos alunos. Exemplo: "Jamais tocar em discussões de direitos e deveres básicos de cidadania, porque eles deveriam, por exemplo, receber a visita de defensores públicos, mas ninguém ia. Eu ficava revoltado".

Há alguns anos, em uma escola estadual na Tijuca, uma aluna grávida pediu socorro. ""Me ajuda, pelo amor de Deus, professora, me ajuda!" A menina estava desesperada porque o namorado queria espancá-la dentro da escola, conta Viviane Grace Costa, 38, professora de história. "Entrei na frente dele e disse: "Aqui dentro você não bate nela". E ele me perguntou: "Quer morrer?"." Viviane chamou a polícia, mas "os policiais não eram treinados para tratar dos direitos da mulher e falaram que não iam se meter. Assumi o risco sozinha."

Hoje, Viviane leciona na Rocinha. "Minha mãe morre de medo, mas há uma inversão de valores. Trabalho para o supletivo e são, na grande maioria, trabalhadores, que nos respeitam mais do que muito aluno de colégio particular."

Vera Cruz concorda. "Numa escola de alto padrão de Botafogo, os alunos jogavam papel, sentavam em cima das carteiras, gritavam, faziam de tudo para me agredir. Um dia foi tanta agressão que me deu na telha um novo método. Fui para o fundo da sala -aquilo era um horror!- e comecei a gritar igualzinho a eles."Aaaaaaahhhh!!!" Aí eles se olhavam: "Nossa, o que houve que a professora tá gritando?" E assim foram se aquietando.Quando estava todo mundo quieto, parei de gritar. Fui para o quadro e comecei a aula."

Além do mau comportamento dos alunos, a discussão entre os professores engrena para "o nível e a qualidade do ensino", que, segundo Simone, "está caindo! Gente, a minha empregada doméstica tem diploma de professora. Uma vez, voltei da Europa e ela me perguntou: "Dona Simone, a França fica perto dos EUA?". Os professores no cinema riem com tristeza. E Simone engata uma história sobre rejeição.

"Foi com um aluno de 15 anos, negro, bem mais alto do que eu. Fui dar aula depois de ter tomado uma vacina bem doída. Daí ele chegou para falar comigo e botou a mão bem em cima do lugar dolorido. Eu dei um grito e o empurrei. Ele me olhou e disse: "Eu pensei que a senhora fosse diferente dos outros". Ele achou que minha reação tinha sido porque ele havia tocado em mim. E não adiantava eu me explicar. Ele me olhou com uma decepção, uma tristeza. Mais uma vez se sentiu rejeitado." O encontro termina em lágrimas.

O verde colorindo o texto é intencional.

Para completar, segue a entrevista da atriz Andréa Beltrão (Folha de S. Paulo (16.03.09). Beleza!

A atriz Andréa Beltrão diz que a imagem de escola pública em sua vida está associada à qualidade de ensino.


FOLHA - O que a levou a matricular seus filhos na rede pública?

ANDRÉA BELTRÃO - A vida inteira fui aluna de escola pública, e isso está associado para mim a uma coisa boa. Estudei no Pedro 2º e minha mãe foi professora lá por muitos anos. Tenho uma situação financeira confortável e poderia matriculá-los num colégio caro, mas queria uma escola de qualidade onde o critério de entrada não fosse o dinheiro. Meus filhos estudam com filhos de médico, de porteiro, de servente. Todos vestem o mesmo uniforme. Isso não é bravata ou bandeira. Fui criada dessa maneira.


FOLHA - Há quem possa olhar e dizer que você está roubando a vaga de um aluno pobre.

ANDRÉA - É uma visão reacionária. Meus filhos conseguiram a vaga porque são netos de funcionário, e eu me beneficio disso sem nenhum pudor porque pago meus impostos e penso que a escola pública de qualidade é um direito de todos. Mas procuro também ajudar bastante a escola, e fico muito feliz ao perceber que vários pais fazem o mesmo, de acordo com suas possibilidades.


FOLHA - O fato de seus filhos poderem ter um nível de consumo maior que o dos colegas não dificulta a convivência?

ANDRÉA - De jeito nenhum. Aliás, rola um constrangimento maravilhoso se um aluno quiser ostentar dentro da escola. É um mico fazer isso num lugar onde a filosofia é: "Não risque o seu caderno porque no ano que vem outras crianças vão usar". Isso muda o comportamento em relação ao ter.Eles, por exemplo, ganharam Ipod [tocador de MP3 da Apple] logo que foi lançado, mas só passaram a levar para a escola quando os demais colegas começaram a ter esses aparelhos de MP3. Lá, se destaca quem tirar notas mais altas, e não quem tem mais para ostentar.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Registro 248: Um filme mal lançado

Mãe e avó, Juno (Catherine Deneuve), casada com um homem mais velho descobre que está com uma doença degenerativa e precisa de transplante de medula. Os filhos e um dos netos submetem-se aos testes para possíveis doação. A ação se passa em Paris antes e durante o Natal. Esse filme deslumbrantemente sensível, irônico, mordaz e direto, fala sobre afetos, ressentimentos e compreensão entre pais e filhos, entre irmãos. Nada que lembre a melosidade e o bom mocismo quando se trata da maioria dos filmes sobre a família. Exceções existem.

Presumo que o filme de Arnaud Desplechin foi visto por poucos. Logo saiu de cartaz, mesmo estando no circuito Sala de Arte em Salvador, um lugar onde se respira e se bebe do bom cinema. O título Um Conto de Natal pode ter afastado os desavisados. Lamentável.

Essa família que se reúne para as festas de fim de ano deve se enfrentar. E esse enfrentamento se dá através de pequenos gestos, das tensões provocadas pelo não resolvido. Entre os filhos, destaca-se aquele que é o "filho ruin", Henri (Mathieu Amalric). Ele vem a ser o doador. Ele, o rejeitado pela mãe e pela irmã, Elizabeth (Ane Consigny). O filme começa com cenas rememorativas da infância de cada filho e de suas relações com a morte de um irmão. Em seu blog Luiz Carlos Merten informa que o diretor inspirou-se no texto do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson. No livro, o filósofo conta de que forma superou a tristeza e buscou um sentimento positivo para enterrar o filho.

Os personagens de Desplechin não escondem o que sentem. Não falam meias palavras. Dizem o que pensam e durante a festa, tempo do filme, eles se repelem e se atraem e nós entramos no jogo despido de pieguismo. Nenhuma sombra maniqueísta perpassa o filme. Diante da situação, os personagens devem tomar decisões e isso implica em ajustes, em encarar de frente as marcas do passado. Não se faz drama, mas o drama perpassa o filme. para nós, acostumados ao derramamentos, que gritamos, choramos e nos descabelamos diante das vicissitudes da vida, tanto as pequenas quanto as grandes, a relação entre os familiares diante dos problemas de cda um parece dura. Se olharmos por esse prisma deixamos de perceber as camadas de afeto entre eles.
O final é uma epifania, compreendida como a manifestação ou percepção da natureza ou do significado essencial de uma coisa.

Uma pena ter ficado ofuscado pela ressaca do carnaval, pelo lançamentos dos filmes indicados para o Oscar ou por uma programa inoportuna. Na sessão em que vi o filme, estavam na sala seis gatos pingados. Gatos privilegiados.


Ficha Técnica Título Original: Un Conte de Noël Gênero: Drama. Tempo de Duração: 150 minutos. Ano de Lançamento (França): 2008Site Oficial: http://www.bacfilms.com/site/conte/ Estúdio: Why Not Productions Distribuição: IFC Films / Imovision Direção: Arnaud Desplechin. Roteiro: Emmanuel Bourdieu e Arnaud Desplechin. Produção: Pascal Caucheteux. Música: Grégoire Hetzel. Fotografia: Eric Gautier. Desenho de Produção: Dan Bevan. Edição: Laurence Briaud
Elenco
Catherine Deneuve (Junon), Jean-Paul Roussillon (Abel), Anne Consigny (Elizabeth), Mathieu Amalric (Henri), Melvil Poupaud (Ivan), Hippolyte Girardot (Claude), Emmanuelle Devos (Faunia), Chiara Mastroianni (Sylvia), Laurent Capelluto (Simon), Emile Berling (Paul), Thomas Obled (Basile), Clément Obled (Baptiste), Françoise Bertin (Rosaimée), Samir Guesmi (Spatafora), Azize Kabouche (Dr. Zraïdi).

quarta-feira, 11 de março de 2009

Registro 247: Instantâneos

Fotografia informal, batida sem tripé e com um tempo de abertura do diafragma extremamente breve; snapshot (Houaiss).
Os instantâneos foram batidos durante caminhadas pela ruas da cidade, num dia qualquer de um verão o qualquer
Hotel São Bento - Largo de São Bento - Salvador

Fonte - Praça da Piedade - Salvador

Grade - Praça Dois de Julho - Salvador

Tronco - Museu de Arte Moderna - MAM - Bahia

domingo, 8 de março de 2009

Registro 246: Lucidez contra o fanatismo

Não pedi permissão para Eliana Cantanhêde autora do texto Em Nome do Pai (Folha de S. Paulo, 08.03.09), mas resolvi publicá-lo por sua coerência e lucidez. Não podemos aceitar que atitudes como a do arcebispo de Olinda - que falta Dom Hélder faz - torne-se uma conduta aceita como algo natural. Aliás, no Brasil de hoje, atitudes absurdas tem sido aceitas, tanto na esfera privada quanto na pública.

Aberração como essa só comparada com as aberrações em Catanduva e outras paragens que são notícias todos os dias.

Condenando-se a mãe e os médicos e aceita-se o ação do estuprador. Basta.

Faço um reparo, o problema não é o deslocamento de católicos para outros credos, como se neles não houvesse fanatismo e atitudes irracionais. Entre evangélicos, espíritas, umbandistas e membros de outras religiões, existem fanáticos que não vacilariam em avalizar a condenação em nome da vida. Hipocrisia. Entre ateus é possível, até, que exista também alguém concordando. Não esqueçamos: vivemos num sociedade machista.

O humano é tão espantoso!

Leia o texto e pense. Quem sabe você tome uma atitude, pequena que seja, contra pais e padrastos que violentam filhas e contra um líder religioso que não compreende o humano pois está agarrado fanaticamente ao dogma. Quando falo em atitude não estou aqui pregando a violência. Longe de mim. Não acho que a violência é a saída.
Para mim, o texto é uma homenagem as mulheres.
EM NOME DO PAI
Eliane Cantanhêde

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quero fazer um agradecimento público ao arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho.Ele calou sobre o crime hediondo de um padrasto que estuprava a enteada desde os 6 anos de idade e a engravidou de gêmeos aos 9. Mas excomungou a mãe da menina e a equipe médica pelo aborto que tenta salvar sua vida, sua essência de criança, sua capacidade de ser feliz. Essa inversão produziu excelentes resultados, no melhor momento: mobilizou a imprensa local e nacional e indignou milhões de pessoas na semana que antecedeu o Dia da Mulher, expondo o quanto o fundamentalismo religioso pode ser não apenas retrógrado mas cruel, desumano e, em certa dose, também ridículo, em casos que envolvem de fato vida e futuro. Os assim, particulares. Ou os coletivos, como a pesquisa de células tronco.Foi uma verdadeira aula, contra o arcebispo, a favor da menina, para mulheres, homens, jovens, velhos, todos os que olharam para a grande vítima horrorizados, chocados, com uma piedade que faltou justamente ao "homem de Deus".Até a CNBB teve dificuldade para respaldar sua atitude. Numa nota visivelmente constrangida, condena antes o estuprador (que dom José nem sequer citara), reitera a posição contrária ao aborto e não faz uma só defesa da excomunhão.Para dom José, estuprar crianças é pecado, mas não muito. O que não pode é tentar corrigir as sequelas do estupro, acolher aquela menina, salvar-lhe o corpo, talvez a mente, garantir-lhe o futuro. Para ele, portanto, aborto é mais grave do que estupro. Os médicos que o realizaram são piores do que o suspeito de pedofilia em Catanduva (SP).Trata-se do típico caso em que a igreja anda para um lado, enquanto o mundo e as pessoas, para o outro, em sentido contrário. É assim que seus pastores perdem seus rebanhos para as evangélicas, as espíritas, as umbandistas. Ou para o ateísmo, puro e simples.
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Na mesma edição do jornal, Clóvis Rossi escreve sobre o assunto, trazendo-nos um fato que se deu na Mauritânia, no interior de uma família de fé islâmica. Longe daqui, aqui mesmo.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Registro 245: Depoimento IV

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se.

JORGE ALENCAR

Criador em teatro e dança. Diretor artístico do grupo Dimenti (Salvador - Bahia - Brasil) desde 1998. Comunicólogo pela Universidade Católica do Salvador, Licenciado em Dança e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia.

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Além dos artistas com os quais eu trabalho há quase onze anos no Dimenti, há atores e atrizes baianos que constam em minha bibliografia: Rita Assemany, Cristiane Mendonça, Marcelo Prado, Lúcio Tranchesi, Evelin Buchegger, entre outros que a memória e o espaço injustamente omitiram.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Vamos ao Olimpo nacional: Marília Pêra, Fernanda – mãe e filha, José Dumont, Marcélia Cartaxo...

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
Focarei nos que atuaram na Bahia: Harald Weiss, Fernando Guerreiro, Hebe Alves, Carmem Paternostro, José Possi Neto, João Falcão, Luiz Marfuz – são alguns dos que grudaram em mim desde tenra idade quando comecei nos tablados.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
(Risos). Será que eu sou bom? Sei que, mesmo com uma produção ininterrupta há bons anos, nunca recebi uma indicação sequer no prêmio local de teatro. Ai de mim!!

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
Lembro de Barba Azul de Márcio Meireles. Mesmo sabendo da competência de Márcio, na época fui desmontado assisti apenas a um espetáculo feito na sala João Augusto (uma sala de ensaio!) com um elenco com muitos jovens atores. A peça tinha soluções bem inteligentes. Houve também uma peça despretensiosa que voltei para assistir: Pelo Telefone com Cristiane Mendonça e Ricardo Castro – leve e agradável como uma brisa da praia da Barra - bairro onde o trabalho era apresentado.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
Posso indicar obras dos diretores que citei acima: Ade Até, A Bofetada, O Homem Nu: suas viagens, Merlin ou A Terra Deserta, A Casa de Eros, A Ver Estrelas, O Casamento do Pequeno Burguês.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
Da safra recente: Ensaio. Hamlet da Cia. dos Atores. Perturbadora e me fez muito bem.

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
Não sou corajoso o suficiente para eleger um espetáculo apenas. A lista acima dá pistas.

9 – Comédia é um gênero de segunda?
De primeira. Estudei sobre comicidade em meu mestrado e produzo peças com humor. É um gênero que sofre muitos preconceitos, já que é quase sempre visto como algo frívolo, pueril e pouco profundo pelas “vozes oficiais” e mal humoradas.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
Adoro algumas “peças difíceis”, sobretudo em relação à maneira como produz significados na cena, que solicitam a co-autoria do público. Tenho um pouco de preguiça com peça que se preocupa em passar “uma mensagem”, teatro não é SMS.

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
The Flash and Crash Days de Gerald Thomas. Assisti a fragmentos em vídeo.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
Ade Até foi considerada difícil.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
Fiquei aflito em criar esse novo cânone!!! Passo.

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
Nelson Rodrigues merece visitas periódicas.

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Não me ocorre. Adoro lidar com os cânones nem que seja para re-configurar suas intenções e lugares de legitimidade.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
Passo.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
Pago.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode escolher três.
Fazer Nijinski no teatro é o fetiche mais próximo.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
Que seja passível de ser sempre reformulado, tanto na estrutura da própria encenação como na leitura de quem frui. “Obra definitiva” é cansativa.

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
Comodismo, excesso de reverências a certos paradigmas canônicos, falta de estudo e de relações propositivas com as fontes de criação – seja um texto ou um assunto.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Registro 244: Depoimento III

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se.

DEBORAH MOREIRA
Atriz, mímica e dramaturga. Diplomada em Mímica Corporal Dramática pelos artistas mímicos George Mascarenhas e Nadja Turenko. Bacharel em Interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia em 2000. Mestranda em Artes Cênicas (Programa de Pós Gradução da UFBA). Atriz em diversos espetáculos teatrais, destacando-se: A Casa de Eros e Ensina-me a Viver (direção de José Possi Neto), Os Dois Manecos e Acrobatas (direção Ewald Hackler), Clarices (direção de Nadja Turenko), O Bloco dos Infames (direção de Filinto Coelho),A Princesa e o Unicórnio (direção de George Mascarenhas). Textos encenados: Clarices (1998), Francisco (1999), Joana D’Arc Quando a cotovia voa – uma fábula libertária, (2001), A Princesa e o Unicórnio (2004), Na Fila (2005). Coordenadora do Grupo de Teatro da Cultura Inglesa (2005 a 2009). Professora de Mímica Corporal Dramática do projeto Retrate Interior desenvolvido pelo SATED – Ba (2008), co-realizadora do Projeto Mimus – Oficinas Gratuitas de Mímica e Teatro Físico (2009).

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Vi muitos trabalhos de Paulo Autran, Marco Nanini e na Bahia, Marcelo Praddo, Iami Rebouças, George Mascarenhas, etc.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Grande Otelo, Marieta Severo, Chaplin, Meryl Streep, Kevin Spacey, Kate Winslet, Ewan Mcgregor e muitos outros.

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
José Possi Neto.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
Lembro de alguns criadores teatrais muito bons, mas que se encontram em situações difíceis ou bem diferentes do esperavam ou desejam. Não acho, contudo, que isso se deva simplesmente ao fato de terem sido injustiçados mas sim a uma série de fatores, incluindo as escolhas e condutas de cada um como ser humano. Acredito que somos também responsáveis pelo desenvolvimento dos acontecimentos em nossas vidas.

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
O Púcaro Búlgaro.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
Os espetáculos A Casa de Eros, comemorativo dos 40 anos da Escola de Teatro da UFBA e Ensina-me a Viver, comemorativo dos 45 anos de teatro de Nilda Spencer. Destaco também a encenação de O Menor quer ser Tutor de Peter Handke, com direção de Edwald Hackler, O Casamento do Pequeno Burguês de Brecht, com direção de Luiz Marfuz.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
Roberto Zucco (direção de Nehle Frank).

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
Recentemente, o espetáculo Ensaio.Hamlet com direção de Henrique Dias.

9 – Comédia é um gênero de segunda?
Comédia é genial e extremamente necessária.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
Os Negros, de Jean Genet

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
O Rei da Vela.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
Orpheus Complex, de Steven Wasson com o Théâtre de L’Ange Fou.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
Apocalipse 1,11 de Fernando Bonassi

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
O Santo Inquérito, de Dias Gomes.

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Quero deixar meus aplausos sempre para Cleise Mendes, embora como membro da Academia Baiana de Letras ela esteja presente nos cânones.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
O Avarento com direção de Felipe Hirsch.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
Sinceramente, não me lembro de nenhum.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode escolher três.
Nina de A Gaivota, de Tchekov, Branca Dias do Santo Inquérito, de Dias Gomes, e Winnie de Dias Felizes, de Samuel Beckett.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
A pesquisa.

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
A superficialidade
.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Registro 243: Livros e crianças

Nasce uma Criança Leitora

Toda vez que nasce uma criança na maternidade de Sinhá Castelo, localizada na cidade de Caxias, no Maranhão, a mamãe recebe um livro de literatura infantil, doado à criança. O ato simbólico do projeto Nasce uma Criança Leitora, que integra o Programa Nacional do Livro e Leitura (PNLL), busca conscientizar os pais da importância do livro para a formação cultural de seus filhos, bem como da leitura no desenvolvimento dos jovens. Assim, ao mesmo tempo em que facilita o acesso às obras literárias, conscientiza a população carente, além de também oferecer oficinas de narração e leitura de histórias para as mães.O projeto é desenvolvido pelo Comitê do Programa Nacional de Incentivo a Leitura (Proler), por meio do departamento de Letras da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com a colaboração de professores e alunos, coordenados pela professora Joseane Maia Santos Silva.De acordo com a professora, foram entregues 602 livros, de abril de 2008 até agora. "Estamos em plena campanha para darmos continuidade ao projeto, por isso será ótima a divulgação", diz Joseane.
Recebi essa auspiciosa notícia por e-mail. Quem me enviou foi a querida amiga Fanny Abramovich. Tanto ela quanto eu vibramos com essa ação sensível, civilizadora, bacana mesmo. Alguns poderão argumentar que antes de livros deve se dar alimentação, remédio e bom atendimento para as parturientes e seus rebentos. A defesa é inquestionável. Mas não passa pela minha tola consciência que essas ações não estejam sendo priorizadas na maternidade de Sinhá Castelo. É um direito das mães e de seus filhos e um dever do poder público. Se o Estado não faz, estamos perdidos. É isso mesmo, estamos perdidos.
Não acredito naquela posição que defende farinha primeiro e só depois de conseguir o pão pra todos é que devemos pleitear outros direitos, outros quereres. O direito de sonhar, de imaginar. Tal pensamento, sabemos onde nos levou. Por esse motivo é que vejo nos ideais da contracultura um posicionamento verdadeiramente saudável, pra frente mesmo.
Livros nas mãos de recém-nascidos maranhenses podem aumentar o índice de Desenvolvimento - IDH, que é muito baixo no Maranhão. Assim espero. Que esses bebês bebam das letras desde cedo e que elas iluminem seus caminhos.
A notícia remete a uma imagem de João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina: cobrindo-se de assim de letras / um dia vai ser doutor. O poeta referia-se ao jornal que era oferecido ao menino que acabara de nascer, o filho de Seu José, mestre carpina. Então, que as crianças de todo esse imenso território, pátria amada Brasil, possam receber livros como as crianças de Caxias, localidade do Maranhão, terra natal dos Azevedos, Artur e Aloísio, de Ferreira Gullar e João do Vale e de Catulo da Paixão Cearense, que apesar do nome é maranhense.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Registro 242: Sobre "MILK"

Vibrei com texto Milk, o preço da liberdade. Prontamente, solicitei do autor a permissão para transcrevê-lo aqui. Vale a pena ler o que diz Contardo Calligaris sobre Milk. O último parágrafo tem um sabor especial para mim. Gostaria de tê-lo incluído em Transas na Cena em Transe, Teatro e Contracultura na Bahia, mas não deu, visto que a tese foi concluída e apresentada publicamente em 2007. Poderia usá-lo como epígrafe no livro em processo de editoração, mas o trabalho está quase pronto e seria um transtorno para a editora. Mas acredito que não faltará oportunidade para citá-lo, já que ele é um pensamento afirmativo sobre a contracultura e seus efeitos. Para aqueles que acham que a contracultura no Brasil é circunstancial, fruto da repressão, o parágrafo tem muito a dizer, não como provocação, mas como estímulo para arejar o pensamento sobre o legado da contracultura histórica, aquela que balançou as estruturas do establishiment nos anos 60 e 70, lançando luzes sobre áreas sombrias da nossa existência e fornecendo pistas para o reencantamento do mundo.

"Milk", o preço da liberdade
CONTARDO CALLIGARIS

Para continuarmos livres, é preciso defender a liberdade do vizinho como se fosse a nossa.

Assistindo a "Milk - A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant (extraordinário Sean Penn no papel de Harvey Milk), lembrei-me de um e-mail que recebi em abril de 2008. Era uma circular de www.boxturtlebulletin.com (um site sobre os direitos das minorias sexuais), que "comemorava" os 55 anos de um evento sinistro: em 1953, Dwight Eisenhower, presidente dos EUA, assinou um decreto pelo qual seriam despedidos todos os funcionários federais que fossem culpados de "perversão sexual". Essa lei permaneceu em vigor durante mais de 20 anos: milhares de americanos perderam seus empregos por causa de sua orientação sexual. Fato frequentemente esquecido (um pouco como foi esquecida, durante décadas, a perseguição dos homossexuais pelo nazismo), nos anos 50, no discurso do senador McCarthy, a caça às bruxas "comunistas" se confundia com a caça às bruxas homossexuais. Por exemplo, uma carta do secretário nacional do Partido Republicano (citada na circular) dizia: "Talvez tão perigosos quanto os comunistas propriamente ditos são os pervertidos escusos que infiltraram nosso governo nos últimos anos". Essa não era uma posição extrema: na época, a revista "Time" defendeu o projeto de despedir todos os homossexuais que trabalhassem para o governo federal.

É nesse clima que, nos anos 70, em San Francisco, Milk se tornou o primeiro homossexual assumido a ser eleito para um cargo público.

Poderia escrever sobre as razões que, quase invariavelmente, levam alguém a querer esmagar a liberdade de seus semelhantes. O segredo (de polichinelo) é que muitos preferem odiar nos outros alguma coisa que eles não querem reconhecer e odiar neles mesmos. E poderia contar a história de Roy Cohn, braço direito de McCarthy, que morreu, em 1984, odiando e escondendo sua homossexualidade e gritando ao mundo que a causa de sua morte não era a Aids (ele foi imortalizado por Al Pacino na peça e no filme "Anjos na América", de Tony Kushner).

Mas, depois de assistir a "Milk", estou a fim de festejar o caminho percorrido em apenas meio século: o mundo é, hoje, um lugar mais habitável do que 50 anos atrás. Aconteceu graças a milhares de Harvey Milks e a milhões de outros que não precisaram ser nem homossexuais nem comunistas nem coisa que valesse: eles apenas descobriram que só é possível proteger a liberdade da gente se entendermos que, para isso, é necessário defender a liberdade de nosso vizinho como se fosse a nossa. Nos anos 70, quase decorei a carta aberta que James Baldwin (escritor, negro e homossexual) endereçou a Angela Davis (jovem filósofa, negra e militante), quando ela estava sendo processada por um assassinato que não cometera, e o risco era grande que o processo acabasse em uma condenação "exemplar". Baldwin lembrava as diferenças de história, engajamento e pensamento entre ele e Davis, para concluir: "Devemos lutar pela tua vida como se fosse a nossa - ela é a nossa, aliás - e obstruir com nossos corpos o corredor que leva à câmara de gás. Porque, se eles te pegarem de manhã, voltarão para nós naquela mesma noite".

Os direitos fundamentais não são direitos de grupo, eles valem para cada indivíduo singularmente, um a um. É óbvio que grupos particulares (constituídos por raça, orientação sexual, ideologia, etnia etc.) podem e devem militar coletivamente pelos direitos de seus membros, mas, em uma sociedade de indivíduos, a liberdade de cada um, por "diferente" que ele seja, é condição da liberdade de todos. Por quê?

Simples: se meu vizinho, sem violar as leis básicas da cidade, for impedido de ter a vida concreta que ele quer, então meu jeito de viver poderá ser tolerado ou até permitido, mas ele não será nunca mais propriamente meu direito. "Milk" é um filme sobre um momento crucial na história das liberdades, mas não é um filme "arqueológico". A gente sai do cinema com a sensação renovada de que a militância libertária ainda é a grande exigência do dia. Ótimo assim.

Um amigo me disse recentemente que eu dou uma importância excessiva à contracultura dos anos 60/70. Acho, de fato, que ela foi a única revolução do século 20 que deu certo e, ao dar certo, melhorou a vida concreta de muitos, se não de todos. Acho também que suas conquistas só se mantêm pelo esforço cotidiano de muitos. Afinal (quem viu o filme entenderá), surge uma Anita Bryant a cada dia.
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Publicado originalmente em A Folha de S. Paulo, Ilustrada, em 26 de fevereiro de 2009.

Registro 241: Impressões carnavalescas

  • Não quero ser pessimista, mas alguma coisa estranha acontece com o Carnaval de Salvador. Seu gigantismo vai levando a festa pro brejo e não vejo muita saída para ela. O esgotamento do modelo que aí está é visível. Sabemos que não é o seu fim, a coisa ainda vai longe, mas a autofagia vai contribuir para o fim do modelo vigente. Lamenta-se o esvaziamento do circuito Osmar - Campo Grande. Mas se não me engano, lamentou-se o esvaziamento do Carnaval na Praça Castro Alves. O que o poder público não quer ver é que o tal esvaziamento é produto da comercialização do Carnaval. E não me venham com essa conversa de emprego e renda, quando os cordeiros ganham R$, 27,00, uns quebrados e parco lanche.
  • Já não se tira dinheiro do circuito Osmar, portando não há investimento, já que tudo é transferido para o circuito Dodô - Barra-Ondina, o mega-chic-carnaval dos camarotes, das grandes estrelas e das regras do mercado. É aí que todo mundo quer star, sobretudo a mídia, os globais, os políticos, as personalidades, os emergentes e também aqueles que querem um lugar ao sol. E a força da grana, não tem que segure. Ao mesmo tempo possibilitadora de coisas novas e interessantes, ela traz em si o próprio vírus da destruição, pondo por terra o que ela mesmo concebeu. O cantor popular já falou sobre isso referindo-se à cidade de São Paulo. O Carnaval de Salvador vai na mesma direção.
  • Não sou fã de Ivete Sangalo, como não sou fã das estrelas baianas criadas e desenvolvidas no laboratório da música Axé, termo impróprio, mas já institucionalizado. Mas não posso desconhecer a habilidade, inteligência e carisma de Ivete Sangalo no Carnaval. Ela, talvez seja a única estrela que vai para a avenida sabendo em que lugar está. Durval Lélis também sabe o que é fazer a festa. Nada de conceito pra gerar discurso, nada de show pra intelectual, nada de proposta vanguardista que se torna risível visto que é pobre e mal realizada. O que Ivete Sangalo faz é encarar o Carnaval como uma grande brincadeira. E ela sustenta essa brincadeira com profissionalismo de mega-empresária que sabe fazer tilintar moedinhas no cofre, o que todos fazem na avenida, mas a cantora não perde de vista a brincadeira, o jogo de se saber participante da folia. Veste sua fantasia, nada conceitual, nada extravagante, canta sucessos que fazem o folião pular, diverte-se divertindo os que estão na rua e em casa vendo-a pela televisão. Brilhante essa menina. Muito esperta, cativa o mais sizudo dos mortais. Por vezes sua irreverência descamba para a grosseria deselegante, destoando. Mas se pensarmos que a mola propulsora do Carnaval é a desrepressão e a elevação das partes baixas (os instintos) em detrimento da racionalidade e da metafísica, fazemos vista grossa, mas não deixa de ser grosseiro alguns dos seus comentários. Talvez se falasse menos e cantasse mais, sanaria o problema.
  • Ridículo os shows apresentados por Daniela Mercury. Eles atrasam o desfile e enchem a paciência do folião. Canta-se pouco e fala-se muito. Um discurso de frases feitas que não termina nunca. Além disso, escolheu roupas horríveis para si, e pior para os bailarinos. Aquela roupa dourada sem brilho vestida por ela, mais os figurinos dos dançarinos, era de dar dó. Quem concebeu aquilo não saca nada de folia momesca, não tem humor, não tem sagacidade criativa. Aquelas tocas e saias como se fossem crinolinas nas dançarinas já eram um horror, nos dançarinos, um desastre. E ninguém fala nada e todo mudo engole aquilo como se fosse uma novidade, uma invenção. Ridículo. Uma coisa velha travestida de nova. As coreografias, nem dá pra falar. Qualquer grupo de dança amador faz melhor. Cadê a assessoria? Triste quem acha que mega-estrela ouve assessoria, embora tenha uma monte delas, gente que diz amém, amém, amém.
  • Gerônimo foi um escolha pertinente para Rei Momo, embora continue achando que a escolha deveria passar por outro processo. Ele disse coisas sérias irreverentemente, como cabe a um Rei Momo que se preze. Além disso, por ter feito a bela canção que diz que a cidade é de Oxum, ele merece o aplauso dos soteropolitanos. Só por isso não deve ser esquecido nem ignorado.
  • A campanha do alleitamento materno foi às ruas e rendeu $$$$ matéria televisiva, quase todas na Rede Globo. Que a tal promoção surta efeito positivo para as mamães récem paridas e para o seus filhos.
  • Ação consciente e responsável a distribuição de camisinhas aqui e na Marquês de Sapucaí. Espera-se que a Camisa de Vênus tenha sido usada e de forma correta.
  • No domingo de Carnaval aconteceu mais uma cerimônia de entrega do Oscar. Mudou alguma coisa, mas ainda é demorada demais. Haja paciência pra aguentar. Mas esse ano melhorou. O deslize foi o Oscar para o comediante Jerry Lewis, outorgado por benemerência, como se ele não tivesse dado uma contribuição significativa para a sétima arte. Mas o velho ator, oitenta e tantos anos, foi elegante. Ao agradecer, expressou o seu espanto sobre premiar-se atos de benemêrencia. Saiu por cima O Professor Aloprado, diversão garantida nas matinês das décadas de 50 e 60.
  • Não se justifica a ausência de Leonardo Di Caprio na lista dos indicados para melhor ator. Seu trabalho em Foi Apenas um Sonho é superior ao de Brad Pitt, que tem uma boa atuação em Benjamin Button, mas sem a densidade para entrar na lista dos indicados. Não entendi. A família Ledger, elegante e discreta em sua dor, emocionou a platéia ao agradecer o Oscar póstumo para Heath Ledger. Ainda não vi as interpretações de Sean Penn e de Mickey Rourke, mas os membros da Academia puxaram a orelha de Rourke. A fala de Penn foi direta, sem meias palavras. As câmeras não precisavam apontar o roteirista de Milk durante a fala de ator, afinal de contas ele, o roteirista, já tinha saído do armário. Merecida a premiação de Kate Winslet por sua atuação em O Leitor. Somando-se ao superlativo trabalho em Foi Apenas um Sonho, gosto muito mais, a atriz de qualidades inegáveis demosntra que tem muito a realizar no cinema. Um achado trazer atrizes e atores premiados anteriormente para homenagear os indicados nas categorias em que eles foram premiados. Hugh Jackman mostrou-se competente, dança, canta e encanta com seu charme de homem bonito e sexy, escolha das revistas a qual me rendo. Penélope Cruz, demais! Não vi o filme, mas ela merece. Seu agradecimento simpaticíssimo e tocante
  • A feiúra dos camarotes no circuito Osmar era perceptível para os que tem um pouco de sensibilidade estética. Além de feios, não tinham bom acabamento. O Camarote Salvador, com aquelas colunas e lustres, era risível. Os emergentes deve ter adorado. O Harém era de um mau gosto atroz, principalmente no interior, mas deixa pra lá, não devemos perder tempo com esse assunto. Nada vai mudar mesmo.
  • Ouvir a família Macedo é sempre bom. Mas ouvir falação de cantor em cima de Trio Elétrico é dose! E a babação em frente ao camarote da TV Bandeirante? É de arrepiar. Baba o artista no Trio, baba os apresentadores, com aquela conversa mole, cheia de chavões repetidos a cada ano, como se tudo fosse igual, igual. Talvez seja mesmo, eu é que fico implicando. Mas a secreção escorrega e ninguém reclama. Para-se a animação para a rasgação de seda. Urg!
  • Li contos de Tennesseee Williams, edição da Companhia das Letras. Ainda não terminei. São 49 contos

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Regsitro 240: Revisitando o passado

Da esquerda para a direita: Imprensa Oficial e Biblioteca Pública de Salvador. Fotógrafo desconhecido, reprodução por Lita Cerqueira. O conjunto arquitetônico situava-se na Praça Tomé de Souza ou Praça Municipal e foi destruído no início da década de 70, quando da gestão de Antônio Carlos Magalhães .

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Registro 239: Depoimento II

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se.

NELITO REIS


Bacharel em Artes Cênicas pele Universidade Federal da Bahia, atualmente está em cartaz com o espetáculo Dona Flor e Seus Dois Maridos em turnê pela região sudeste. Entre seus trabalhos recentes, destaque para o musical Raul Seixas, A Metamorfose Ambulante, onde interpretou o falecido músico baiano, trabalho pelo qual foi indicado ao Prêmio Braskem de Teatro como melhor ator em 2005. No cinema fez os filmes de longa-metragem Revoada, de José Umberto Dias; Estranhos, de Paulo Alcântara e Strovengah, de André Sampaio, ainda não lançados.

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Me chama atenção o ator criativo que dá à personagem traços que talvez surpreendam até mesmo seu autor. Gosto muito do trabalho de Wagner Moura, como ele constrói as personagens, dando-lhes traços peculiares que os tornam diferentes entre si, falo isso, por entender o quão difícil é se despir totalmente inclusive de si mesmo e conseguir dar à personagem essa imagem nova, quando o público já está habituado a ver o ator em tantos outros papéis. Admiro a força da interpretação de Gideon Rosa e a verdade que ele imprime em suas construções, assim também Luiz Melo, Othon Bastos, Harildo Déda. Estes atores ganham tamanha dimensão no palco muito por conta da simplicidade como interpretam, econômicos em suas partituras, muito precisos, mas que acima de tudo nos situa na verdade daquela personagem que estão dando vida, por vezes até nos mostram novas facetas de personagens clássicos.


2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Maryl Streep, Fernanda Montenegro, Kate Winslet e Irene Papas, esta última há muito sumida das telas, hoje, octogenária, dedica-se apenas ao teatro, e Ruth Gordon, que embora tenha visto em dois ou três outros filmes, admiro pela Maud do Ensina-me a Viver, de 1971. Sean Penn, De Niro, Dustin Hoffman, José Wilker, Matheus Nachtergaele.

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
Ewald Hackler

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
Injustiçado... não sei. Não sei.

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
Não exatamente que eu não desse nada, não sou tão severo em minhas expectativas, mas sem citar exemplos me recordo da Escola de Teatro, onde vi muitos experimentos de colegas, com resultados muito bons, com resoluções maravilhosas, sobretudo diante da grande dificuldade que era montar trabalhos ali por falta de estrutura às vezes, até mesmo falta de espaço e a criatividade tinha que correr solta e muitas vezes traziam diferenciais inusitados às encenações. Tive a oportunidade de acompanhar isso como público em alguns e como ator em outros, destes processos. Vi peças montadas nos escombros do velho Martim Gonçalves, outras no canteiro de obras de reconstrução do novo, vi encenações nas escadarias do sobrado, do prédio anexo, nos jardins, até mesmo nos banheiros.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
Nada Será Como Antes tem para mim a importância de ter sido o momento em que eu compreendi que queria fazer teatro; Ensina-me a Viver por ser minha única oportunidade de ver Nilda Spencer no palco, vi Nilda muitas vezes em televisão e cinema; Galileu, por ser um texto que me emociona muito (isso com certeza contrariaria Brecht) e pela atuação de Harildo; Recentemente O Que Eu Gostaria de Dizer, com Luiz Melo, quando curiosamente meus acompanhantes saíram comentando que a peça não dizia muito, quando estava eu com a voz embargada, emocionado, com tudo que sentia que a peça me falara diretamente.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
Me fez mal? Acho uma colocação muito pesada, acredito que não passei por essa experiência ainda. Ou talvez possa citar uma experiência de palco e não de platéia. Vejamos, durante quatro anos participei da Paixão de Cristo em Lauro de Freitas (Bahia). Trata-se de espetáculo ao ar livre, apresentado na praça central daquela cidade, com público anual estimado em cerca de cinco mil pessoas. No primeiro ano interpretei o Rei Herodes e nos três seguintes representei Jesus Cristo, quando então era comum ser abordado por pessoas me pedindo que as tocasse, ou tocasse em seus filhos, parentes doentes. Eram três dias de apresentações e, ao fim do primeiro, eu já apresentava sinais de febre e muito cansaço. Ao fim do terceiro dia, amiúde eu baixava hospital. Isso aconteceu somente nos três anos em que fiz Jesus. Todavia, trata-se de um trabalho que me orgulha ter feito, tamanho o envolvimento da comunidade para a realização do evento.

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
Graças a Deus foram vários, mas para responder a questão cito Material Fatzer, de Márcio Meireles, montada a partir da obra de Bertolt Brecht. Vale observar a curiosidade de que a cidade de Salvador passara naquele período por uma situação de insegurança sem precedentes por conta de uma greve dos policiais militares.

9 – Comédia é um gênero de segunda?
De forma alguma. Historicamente observamos na Grécia antiga a primazia da tragédia, sobretudo por sua relação com as Dionisíacas, que eram eventos de adoração divina e das quais só muito mais tarde as comédias passaram a fazer parte. Não há gênero de segunda, há trabalhos de segunda, terceira, quinta categoria, infelizmente, e por esse ponto de vista ha também dramas de segunda categoria. Acho que o público hoje em dia tem menos paciência com o drama (será?), mas mesmo esta preferência pela comédia, pelo besteirol muitas vezes fácil nos serve para reflexão, até porque dizem que a impaciência com o drama é pela pouca disposição à reflexão e que nas comédias essa reflexão fica mais diluída, facilmente digerível, não sei se é isso. Curto poder ir a um teatro e rir, loucamente, ver um besteirol bem comercial. Mas me sinto extremamente feliz quando vejo um bom espetáculo, drama ou comédia, que me faz refletir, questionar, discutir depois com alguém ou apenas pensar com meus botões.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
Acho que a dificuldade sugerida seria para fins de montagem, é isso? Acredito que O Menor Quer Ser Tutor, de Peter Handke, me parece um texto delicado, justamente por não ser uma peça falada, embora muito eloqüente (vai com trema mesmo). Nos anos 90 foi montada por Ewald Hackler na Escola de Teatro e recentemente ganhou uma adaptação maravilhosa que foi O Sapato do Meu Tio, com direção de João Lima.

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
A Casa de Eros, espetáculo dirigido por José Possi Neto, em 1996, por ocasião dos 40 anos da Escola de Teatro da UFBA. A encenação, que ocupou todo o espaço do velho solar Santo Antônio, sede da escola, bem como o teatro Martim Gonçalves, apresentou um esboço histórico e mítico da relação entre aquela instituição e seu fundador, Eros Martim Gonçalves.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
O Sapato do Meu Tio. Lúcio Tranchesi e Alexandre Casali me emocionaram muito. Uma das maravilhas dessa montagem era sua simplicidade.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
Cito, antes dos textos, três jovens dramaturgos, que pela força das imagens e profundidade de conteúdo que propõem em seus trabalhos já marcaram com certeza a história de nosso teatro: Cláudia Barral, autora de O Cego e o Louco, Cordel do Amor Sem Fim, O Que de Longe Parece Ser um Verso em Branco; Marcos Barbosa, autor de Auto de Angicos, Braseiro e Minha Irmã; Gil Vicente Tavares, autor de Os Javalis, Os Amantes II e Canto Seco.

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
Vereda da Salvação, de Jorge Andrade.

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Não saberia dizer, não costumo observar tais cânones.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
Não me recordo de nenhuma. Certamente não gostei de algumas coisas, mas não me lembro de haver críticas em contrário.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
Li uma crítica negativa à montagem de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de André Paes Leme, em cartaz no Teatro SESC Ginástico, Rio de Janeiro em 2007, condenando a opção do diretor em transportar para o universo nordestino a linguagem e o universo mineiro, próprio de Guimarães Rosa, autor da obra. Ora, ainda que não fossem regiões tão semelhantes e até geograficamente próximas, não vejo gravidade em desconstruir textos, mesmo clássicos, aliás, quão interessante é justamente desconstruir principalmente o clássico, não é? Adaptá-las em outras culturas, dar-lhe frescor. A encenação em questão era irretocável em qualidade cênica, as contracenas, cenário e iluminação primorosos, números musicais emocionantes.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode escolher três.
Jamie Tyrone, de Longa Jornada de Uma Noite Adentro, de Eugene O’Neill
Robespierre, de A Morte de Danton, de Georg Büchner
Joaquim, de Vereda da Salvação, de Jorge Andrade

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
A verdade cênica.

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
A superficialidade da contracena, muitas vezes fruto de indisciplina do(s) ator(es) ou ausência de direção
.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Registro 238: Tem Rosas No Canteiro

Tem rosas nesse canteiro.
Há também silêncios e pausas,
evocações do sertão.
Há música em repouso
Música calada...
se é que pode existir
o som sem sonoridade.
Há personas que se desdobram
em personagens
e cantos que se esparramam
pelo espaço

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Registro 237: Evoé Baco

Viva Zé Pereira
Viva quem gostar
Viva Zé Pereira
No dia do Carnaval!

Carnaval traz boas recordações...
Desde a mais tenra infância, gostei muito da festança, pois em casa o meu pai comemorava a folia com tudo que tinha direito. No interior da Bahia, a partir da metade do anos 50, esperávamos, eu e meus irmãos, os três dias, desde o fim de janeiro. Aprendíamos as marchinhas ouvidas pelo rádio ou então pelo serviço de auto-falante. Esperávamos o Carnaval como desejávamos o São João e o Natal, sabendo o significado de cada uma das festas e suas particularidades. Essas festas eram comemoradas pela família e cabia a meu pai dar o tom, o pique, a alegria.
No Carnaval...
Lembro-me do meu pai com o grupo de amigos, todos vestidos de mulher, a dançar pela rua junto com o bando de mascarados e bloco de sujos. Essa imagem de desregramento e de comportamento fora da ordem fascinava-me. Ao mesmo tempo deixava em nós, seus filhos, um sensação de estranhamento. Era como se perdêssemos o pai. E perdíamos.
Durante os desfiles dos cordões e batucadas, quando o sol amenizava e a brisa cortava a avenida principal, as famílias colocavam cadeiras em frente às suas casas e viam o movimento da calçada, o subir e descer dos cordões, a batucada e Corró evoluindo montado na mulinha. E lá íamos nós, irmãos, primos, amigos, cada um com seu saco de confetes e rolos de serpentina, que eu não conseguia jogar. E lança-perfume Rhodo Metálico. Quanta inocência!
Apesar dos objetos desejados e curtidos delirantemente, nunca estávamos fantasiados. Bastava uma máscara de nome Dominó e pronto. Então, seguíamos a orquestra, cantando a plenos pulmões, indo e rindo no ritmo brincante, esperar o Rei Momo. E ele chegava todo paramentado, calças bufantes de cetim vermelho, túnica dourada de mangas também bufantes e gola de filó enfeitada com guizos. Peruca, rosto empoado, coroa de areia prateada, a purpurina da época, e cetro encimado por balões coloridos. Esse rei fanfarrão era meu pai, mas nem eu nem meus irmãos tínhamos acesso a ele, porque ele era da multidão dançante em torno dele.
A partir dos sete anos, frequentei um dos bailes da cidade. Por conta da rivalidade político-partidária separando as famílias, os partidos organizavam cada um o seu baile. Quando as tensões não eram tão fortes, a rígida divisão não se sustentava. Mas houve Carnaval em que não pude seguir meus amigos por conta de brigas eleitorais. Como eu não aceitava essa divisão estúpida, logo tratei de romper com tal esquema, tornando-me mal visto por um dos lados ou pelos dois, já que eu instaurava um ruído ao me relacionar com meninos e meninas dos dois partidos. Às vezes, tive que controlar a minha rebeldia e aceitar a imposição familiar, fato que não impedia a minha alegria, finda apenas ao receber as cinzas na quarta-feira e ao ver meu pai sem a sua fantasia e assumido ar de seriedade.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Registro 236: Resenha

  • O semestre letivo começou e perdi o pé. São tantas coisas para providenciar que deixei de lado os registros em Cenadiária, embora tenha lançado uma seção denominada Depoimentos. Aguardo resposta dos convites que fiz aos artistas para que possa alimentar a divisão com novos depoimentos.
  • Como não recebo comentários no blog, imagino que são poucos os leitores. Ou os Registros não despertam interesse ou... Não sei. Isso não impede que expresse. Seguimos em frente. Divirto-me. Gostaria de escrever mais, mas tenho compromissos urgentes: dar conta da publicação de Transas na Cena em Transe, Teatro e Contracultura na Bahia e de Um Grilo no Pedaço, livro para o leitor jovem. A editoração está na fase final e quem cuida do primeiro é a Edufba. O outro está sob a responsabilidade das Paulinas. Ah, e terminar o livro, ainda sem título, que venho escrevendo, preparar aulas, cuidar da casa, das leituras, das caminhadas em meio à praça de guerra em processo de montagem na orla, da ida ao dentista, etc. e tal. Ufa! Mas escrever é compulsão e termino sempre encontrando um tempo para deixar registrado as ruminações.
  • Embora os críticos tenham dado três estrelas para Revolutonary Road, o filme de Sam Mendes, cujo título no Brasil - Foi Apenas Um Sonho - reduz o que há de significados no título em inglês, gostei muito, principalmente pela atuação deslumbrante dos protagonistas e coadjuvantes. Pode parecer exagero, mas para mim, as interpretações fazem lembrar aquela geração de intérpretes formados pelo "Método", a versão americanizada da proposta stanislavskiana de preparação do ator. Kate Winslet e Leonardo de Caprio dominam os personagens. Ela mais sutil, ele mais evidente, mas não menos interiorizado. Tanto um quanto outro constroem seus personagens a partir de dentro e vão revelando sentimentos que afloram no decorrer da ação, conduzida com segurança habilidade e sensibilidade pelo diretor. Dele, gostei de Beleza Americana e Estrada da Perdição. Não vi o filme sobre a guerra do Iraque. Dou **** para Revolutionary Road.
  • Completo a postagem feita ontem. Mais um filme inquietante, bem realizado, sem nenhum viés escapista e os críticos... Ah, os críticos e suas escolhas. Carimbaram três estrelas para O Leitor e deram quatro para O Curioso Caso de Benjamin Button outra realização de peso, mas que não supera nem Revolutionary Road nem O Leitor, mas está acima de A Troca, que não é um filme desprezível, como querem nos fazer crer as resenhas sobre ele. Stephen Daldry conduz com segurança um filme em que os personagens (Michel Berg) carregam sua culpa, escondem segredo (Hanna Schmitz) e se debatem diante de uma situação que não diz respeito somente a eles, mas a uma nação, no caso a Alemanha. A memória tece o filme, visto que é por ela que Michael adulto (o ator Ralph Fiennes) relembra o amor juvenil por uma mulher mais velha. Ainda jovem, quando estudante de Direito, ele se depara com seu julgamento de Hanna, acusada de crimes contra os judeus durante a barbárie hitlerista, que alguns tentam de todas as formas negar. Vejam o caso do bispo recetemente reabilitado por Bento XVI. Continuo mais tarde....

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Registro 235: Depoimento I

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.

Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se

INAUGURANDO A SEÇÃO,

CELSO JÚNIOR

Nasci há 40 anos uma cidade fria, feia e longe, no interior do Rio Grande do Sul. De lá, peregrinei com meus pais pelo Brasil, até chegar à Bahia, no carnaval de 1980. Em Salvador, conheci muita coisa, estudei arquitetura e teatro. Sou ator e diretor de espetáculos. Aos poucos virei professor.

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Nunca perco uma oportunidade de assistir Andréa Beltrão em cena. É sempre um alento. Aqui em Salvador, tá complicado, não tem mais teatro direito... Mas quando uma peça traz Marcelo Prado, eu vou assistir sempre. Me interessa saber o que ele tem a dizer, e como.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Edward Norton, Kevin Spacey, Fanny Ardant, Kate Winslet. São muitos.

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
Ewald Hackler, na Bahia. Gerald Thomas, no Brasil.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
Não sei responder a esta pergunta. Acho que a atriz Yumara Rodrigues não teve o destaque que o talento dela merecia. Mas tem um problema de ego ali. Não sei.

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
Ano passado eu fui assistir a uma peça em São Paulo, me fiando apenas no título, que eu tinha achado bonito e poético: “O céu 5 minutos antes da tempestade”. No fim das contas, era um espetáculo realmente surpreendente. Uma das atrizes, inclusive, está indicada ao prêmio Shell.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
No início dos anos 80, quando eu era adolescente e comecei a assistir as peças da Escola de Teatro, houve um momento antológico, numa mesma temporada, eu assisti “Em alto mar”, “A noite das tríbades”, “A caverna” e “Dias felizes”. Essa experiência modificou minha visão de mundo. Naquele momento, eu percebi que o teatro poderia ser um veículo para as coisas que eu pensava. Foi uma experiência ao mesmo tempo devastadora e epifânica. Destruiu muito do que eu acreditava e construiu novas coisas.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
“O livro de Jó”, de Antônio Araujo. Passei mal, chorei, sofri junto. Só um tempo depois, é que eu percebi que havia sido tragado por aquela manipulação emocional. É um espetáculo quase pornográfico, no sentido em que não permite ao espectador nenhum hiato de subjetividade. Tudo está explícito o tempo todo. Mas, naquele momento, eu caí feito um patinho.

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
“Entropia”, de Rodrigo Nogueira e direção de Marcelo Mello, que eu assisti no Rio. Perdi a noite, pensando sobre o espetáculo, depois de assistir. Saí do teatro com uma sensação de alívio: “Nossa, o teatro carioca não morreu!”

9 – Comédia é um gênero de segunda?
Eu comecei em teatro na Cia. Baiana de Patifaria, que fez um gênero muito especial de comédia, no final dos anos 80 e redefiniu a história do teatro em Salvador. A comédia é um gênero de primeira necessidade. Tanto fazer quanto assistir. Sem hierarquias. Tudo tem seu lugar.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
“Fim de partida”, de Samuel Beckett. Todas as vezes que eu li – devo ter lido umas quatro vezes, integralmente – foi uma leitura difícil. Mas é muito boa, apesar de tudo.

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
“A vida de Eduardo II”, de Christopher Marlowe, com direção de Harildo Déda. Não consigo entender por que eu não assisti a esta montagem, nos anos 80. Eu já era frequentador dos espetáculos da Escola de Teatro, não sei por que não fui. Pelas fotos e pelo que as pessoas dizem, foi uma montagem monumental.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
“Viva o povo brasileiro”, baseado na obra de João Ubaldo, sob direção de Wagner Salazar. O diretor veio a Salvador montar essa adaptação. Ele estava num momento muito especial da vida dele (ele tinha AIDS e morreu pouco depois da estréia) e conseguiu tingir a peça com esse momento dele. Foi um soco no estômago. Sem aviso, sem dó, na covardia. Saí do teatro devastado por aquilo tudo.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
“Nada será como antes”, de Claudio Simões, escrito há exatos 10 anos.
“Entropia”, de Rodrigo Nogueira, escrito já no século 21.

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
“O beijo no asfalto”, de Nelson Rodrigues. Essa peça deveria ser reencenada a cada – sei lá – 10 anos. Sempre encontro ali, cada vez que releio, novos caminhos a serem trilhados, novas possibilidades. É isso que faz de um clássico um clássico, não?

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Acho (e tenho esperanças) que Harvey Fierstein ainda será descoberto como um grande autor de peças. Atualmente, ele é visto apenas como um autor de comédias gays. Mas a visão de mundo dele – presente em suas peças – é de uma beleza e de uma poesia imensas.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
Gabriel Vilella. Nunca gostei muito das peças dele. E ele é incensado, festejado, premiado, endeusado. Acho o trabalho dele pretensioso, maquiado e sem tridimensionalidade.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
“Cartas abertas”, de Marcio Meirelles, uma pequena obra-prima delicada que foi – mais do que demolida – ignorada pela crítica, pelas premiações. Só não foi ignorada pelo público.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode citar três.
Gostaria de fazer um dos personagens de “Esperando Godot”, de Beckett, qualquer um.
Gostaria de interpretar Vânia ou Astrov, de “Tio Vânia”, de Tchékhov.
Gostaria de interpretar Henrique de Bolingbroke, da peça “Ricardo II”, de Shakespeare.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
Síntese e clareza. “Menos é mais.”

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
O excesso de signos desperdiçados e dispersos. O tempo perdido ali.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Registro 234: Uma frase

A luz de Deus ou nos ilumina ou nos cega.
Não sei quem é o autor da frase. Ela termina o filme de Alexandre Inárritu sobre o ataque ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. O curta faz parte do longa metragem sobre o ataque as Torres Gêmeas, reunindo trabalhos dos diretores Samira Makhamalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine (Egito), Danis Tanovic (Bósnia), Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Ken Loach (Reino Unido), Alejandro González Iñárritu (México), Amos Gitai (Israel), Mira Nair (Índia), Sean Penn (EUA) e Shohei Imamura (Japão).