domingo, 8 de março de 2009

Registro 246: Lucidez contra o fanatismo

Não pedi permissão para Eliana Cantanhêde autora do texto Em Nome do Pai (Folha de S. Paulo, 08.03.09), mas resolvi publicá-lo por sua coerência e lucidez. Não podemos aceitar que atitudes como a do arcebispo de Olinda - que falta Dom Hélder faz - torne-se uma conduta aceita como algo natural. Aliás, no Brasil de hoje, atitudes absurdas tem sido aceitas, tanto na esfera privada quanto na pública.

Aberração como essa só comparada com as aberrações em Catanduva e outras paragens que são notícias todos os dias.

Condenando-se a mãe e os médicos e aceita-se o ação do estuprador. Basta.

Faço um reparo, o problema não é o deslocamento de católicos para outros credos, como se neles não houvesse fanatismo e atitudes irracionais. Entre evangélicos, espíritas, umbandistas e membros de outras religiões, existem fanáticos que não vacilariam em avalizar a condenação em nome da vida. Hipocrisia. Entre ateus é possível, até, que exista também alguém concordando. Não esqueçamos: vivemos num sociedade machista.

O humano é tão espantoso!

Leia o texto e pense. Quem sabe você tome uma atitude, pequena que seja, contra pais e padrastos que violentam filhas e contra um líder religioso que não compreende o humano pois está agarrado fanaticamente ao dogma. Quando falo em atitude não estou aqui pregando a violência. Longe de mim. Não acho que a violência é a saída.
Para mim, o texto é uma homenagem as mulheres.
EM NOME DO PAI
Eliane Cantanhêde

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quero fazer um agradecimento público ao arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho.Ele calou sobre o crime hediondo de um padrasto que estuprava a enteada desde os 6 anos de idade e a engravidou de gêmeos aos 9. Mas excomungou a mãe da menina e a equipe médica pelo aborto que tenta salvar sua vida, sua essência de criança, sua capacidade de ser feliz. Essa inversão produziu excelentes resultados, no melhor momento: mobilizou a imprensa local e nacional e indignou milhões de pessoas na semana que antecedeu o Dia da Mulher, expondo o quanto o fundamentalismo religioso pode ser não apenas retrógrado mas cruel, desumano e, em certa dose, também ridículo, em casos que envolvem de fato vida e futuro. Os assim, particulares. Ou os coletivos, como a pesquisa de células tronco.Foi uma verdadeira aula, contra o arcebispo, a favor da menina, para mulheres, homens, jovens, velhos, todos os que olharam para a grande vítima horrorizados, chocados, com uma piedade que faltou justamente ao "homem de Deus".Até a CNBB teve dificuldade para respaldar sua atitude. Numa nota visivelmente constrangida, condena antes o estuprador (que dom José nem sequer citara), reitera a posição contrária ao aborto e não faz uma só defesa da excomunhão.Para dom José, estuprar crianças é pecado, mas não muito. O que não pode é tentar corrigir as sequelas do estupro, acolher aquela menina, salvar-lhe o corpo, talvez a mente, garantir-lhe o futuro. Para ele, portanto, aborto é mais grave do que estupro. Os médicos que o realizaram são piores do que o suspeito de pedofilia em Catanduva (SP).Trata-se do típico caso em que a igreja anda para um lado, enquanto o mundo e as pessoas, para o outro, em sentido contrário. É assim que seus pastores perdem seus rebanhos para as evangélicas, as espíritas, as umbandistas. Ou para o ateísmo, puro e simples.
______________________________________
Na mesma edição do jornal, Clóvis Rossi escreve sobre o assunto, trazendo-nos um fato que se deu na Mauritânia, no interior de uma família de fé islâmica. Longe daqui, aqui mesmo.