quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Registro 297: O ovo da serpente


O debate é interessante e vale a pena ler os textos que retirei do jornal Folha de S. Paulo, edição de 18 de fevereiro, 2010. Quando o controle é demasiado o pensamento se estreita ou vice-versa. Viver sob a censura é cair nas trevas. Sem essa de Grande Irmão! A qualidade da programação da produção artística e sua veiculação não passa pelo controle. Sem essa de pensamento único. Os dois articulistas levantam a lebre e é preciso que o debate se dê democraticamente. Dá arrepios pensar que o Sr. Marco Aurélio Garcia faz parte da equipe da ministra presidenciável Dilma Roussef.

Esterco, go home!
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

Não há dúvida de que a indústria cultural desempenhou seu papel na ascensão dos Estados Unidos a potência mundial durante o século 20. Cinema, música, história em quadrinhos, pipoca e hambúrguer também foram artífices da "hegemonia" norte-americana.
Mas, se é tolice tentar negar a existência de laços entre cultura e poder, aproxima-se da burrice traduzir essa relação nos termos estreitos e datados do esquerdismo latino-americano, esquemático e antiamericanista, ainda professado, ao que parece, pelo assessor presidencial Marco Aurélio Garcia.
No discurso do sábio palaciano não há lugar para dialética e sutilezas. Tudo se move segundo o maniqueísmo pueril e ao mesmo tempo brutal do marxismo vulgar.
O culpado pelo atraso histórico do continente é o êxito dos americanos. O mal é o imperialismo ianque, que exerce sobre nós seu "processo de dominação". Algo assim: Rambo enfia o cano de sua metralhadora na orelha do Jeca Tatu e o obriga a dançar um rock.
O que emerge da conversa de Garcia é uma concepção estanque de culturas nacionais, que deveriam ser protegidas por muralhas para não se deixarem conspurcar pelo esterco alheio. Esterco, go home!
Parece não ocorrer ao nosso Policarpo Quaresma do Planalto que a cultura norte-americana, aliás de maneira análoga à brasileira, é em grande medida caudatária da europeia e forjou-se num complexo e rico processo de interação e entrechoques de nacionalidades e etnias -no qual, aliás, teve relevância a contribuição africana.
Sem os negros não haveria o jazz, aquela música perigosa que Hollywood adotou e ajudou a difundir pelo mundo.
E o que fez o jazz em seu "processo de dominação" sobre a cultura brasileira? Acabou com o nosso glorioso samba? Ora, Pixinguinha já era jazz. E a bossa nova, que terminou virando marca e orgulho nacional, não existiria sem a dialética do samba com o esterco jazzístico ianque. Oswald de Andrade, que também teve seu sarampo stalinista, já havia apontado: não precisamos ter medo, não somos indefesos, somos antropófagos.
Mas talvez Garcia, lembrando Sebá, o último exilado brasileiro (tipo criado em outros tempos por Jô Soares), ainda considere Tom Jobim e João Gilberto agentes infiltrados da CIA que queriam sabotar nossa autêntica música popular.
O problema das ideias expostas pelo professor é que, estando ele no poder e raciocinando como homem de Estado, indicam a hipótese sombria do autoritarismo. Não apenas ao modo tragicômico de Hugo Chávez, mas ainda pior. Ou como deveríamos entender a saudosa menção aos valores do finado socialismo real?
Concordaria o ilustre conselheiro, por exemplo, com o governo chinês, que exerce censura até sobre a internet? Aliás, por que Garcia está tão preocupado com a restrita TV a cabo?

Com medo da liberdade
LUIZ FERNANDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao ler as declarações de Marco Aurélio Garcia, lembrei da anedota que circulava na falecida República Democrática Alemã. Sabendo que toda correspondência seria lida por censores, um operário que conseguiu emprego na Sibéria combina com os amigos: "Vamos criar um código. Se uma carta estiver escrita em tinta azul, o que ela diz é verdade; se estiver escrita em vermelho, tudo é mentira".

Um mês depois, os amigos recebem uma carta escrita em azul, que diz: "Tudo aqui é maravilhoso, o comércio vive cheio, a comida é abundante, os lares aquecidos, os cinemas exibem filmes do Ocidente, há uma atmosfera de liberdade e justiça social por toda parte. O único senão é que não se consegue encontrar tinta vermelha".

A menção à inexistência da tinta mostra que a carta deveria ter sido escrita em vermelho. Isso produz o efeito da verdade: era a única forma de transmitir a mensagem verdadeira naquela condição de censura.

Pegando carona na anedota, podemos dizer que a "tinta" usada nas declarações do professor -"processo de dominação"- são termos que maquiam nossa percepção da situação em vez de nos permitir pensá-la, servem para mascarar e manter nossa precariedade audiovisual mais profunda.

A libertação evocada por Garcia transforma-se na melhor de todas as salvaguardas contra a liberdade: "A esquerda precisa reagir à difusão de valores capitalistas", diz. Em que a TV a cabo incomoda este governo? Assiste quem paga, e o assinante tem o livre-arbítrio de cancelar sua assinatura. Questões mais urgentes nas telecomunicações, como os desdobramentos dos canais digitais das TVs, seguem esquecidas em alguma gaveta do Planalto.

A TV a cabo representa uma elite de cerca de 5%, enquanto a maioria da população é arrastada pelos conteúdos [alguns até mais nocivos que os estrangeiros] das TVs abertas, que se abstêm de abraçar uma função maior: a formação de cidadãos, e não só de fiéis consumidores.

Mas isto pouco importa ao assessor, seu negócio é o controle do imaginário brasileiro via TVs a cabo, quem diria. É preciso olhar o mundo. Proibir, não. Nossa TV por assinatura nasceu sob influência de um modelo monopolista da TV aberta e da importação de produtos culturais dos grandes "players" do cenário internacional. Para alterar a restrição dos 49% no máximo de participação estrangeira nas concessões de TV, é necessário mudar a lei que as regula.

A não ser que Garcia considere que, diante da crescente monopolização das TVs pagas, monopólio por monopólio, o de Estado seja melhor. Mas o assessor escolheu virar suas baterias contra os ideais democráticos, tentando restringir o livre fluxo da informação, como acontece nos regimes totalitários, onde o primeiro inimigo passa a ser a imprensa livre.

Essa mesma imprensa foi quem revelou ao país seus verdadeiros pensamentos ao flagrar seu gesto obsceno [o top-top do Fradinho, do Henfil], captado por uma câmera "indiscreta", espalhando sua chocante reação debochada às primeiras investigações sobre o trágico acidente com o avião da TAM. Em vez de trabalhar para o aprimoramento da indústria cultural brasileira, Garcia opta pelo mais fácil: o cerceamento.

Ataca uma indústria ainda em formação, que nasceu tardiamente no Brasil nos anos 70 e se constituiu como mercado efetivo somente a partir dos 90. Hoje, as TVs por assinatura, que estão se revigorando através de leis de incentivo à produção nacional, deixaram de ser meras repetidoras de conteúdo estrangeiro e começam a gerar empregos para profissionais do audiovisual, trazendo inovação de fora e de dentro.

Debulhando todo o seu conteúdo, é evidente, avista-se muita produção duvidosa, mas se colhe também o que de melhor está sendo produzido no mundo da TV.

Comparar a influência em termos de dominação cultural da TV a cabo à ameaça militar da 4ª Frota americana é no mínimo uma piada [e velha], uma atitude anacrônica de uma esquerda já tão antiquada e sectária que nos faz lembrar os métodos do general Quandt de Oliveira, ministro das Comunicações [1974-79] do governo ditatorial do general Geisel, que preconizava a estatização das TVs e o cerceamento da exibição de produção estrangeira, num momento em que a Europa se preparava para privatizar suas TVs e McLuhan já tinha formulado o conceito de "aldeia global".

Ideias obtusas como as proclamadas por Garcia e a insistência em manter o isolamento eletrônico para melhor manipular e dominar -como em Cuba, Venezuela e China- é o mesmo que proibir a publicação de autores estrangeiros. Como diz o filósofo Slavoj Zizek: com esta esquerda, quem precisa de direita?

Caberá ao governo decretar o que é "esterco cultural"? Cercear a exibição de conteúdos, numa era de transmídia, é uma medida isolacionista, que não gera troca de ideias nem de ideais. É estar na contramão da cultura e do que acontece no mundo. Fico com Bernard Shaw: "Liberdade significa responsabilidade, é por isso que tanta gente tem medo dela".

LUIZ FERNANDO CARVALHO, 49, é cineasta e diretor de TV. Dirigiu "Lavoura Arcaica", "Hoje É Dia de Maria" e "Capitu", entre outros.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Registro 296:Dança em meio ao xixi... Ano que vem tem mais

Quem é obrigado a sair para fazer outra coisa que não seja se arrastar atrás de trios-elétricos turbinados deveria sair com máscara, não de carnaval que caiu em desuso, mas aquela para proteger o nariz, tal o fedor de mijo que se espalha pelo ar e por todos os cantos. Um horror!
E o povão, cultivando sua imensa ignorância, segue satisfeito no maior regozijo, com suas besteiras e vulgaridades. Mas isso não é mérito do povão. No topo da pirâmide e na espremida classe média esse é o comportamento cultivado. O Carnaval é uma vitrine para a exibição da vulgaridade. A loira da UNIBAN taí pra não deixar ninguém mentir.
Estamos muito mal musicalmente: a música considerada como a melhor do Carnaval baiano é Rebolation. Um indigência musical!
Deu no maior jornal da cidade que Ivete Sangalo se reinventa a cada ano. Só na cabeça de jornalista puxa saco! Ivete pode ser considerada uma animadora em cima do trio e boa cantora, mas é a mesmice ambulante. Todo ano a mesma coisa, muda só a fantasia, mas dentro do mesmo padrão.
O modelo do Carnaval tá fazendo água, só não vê quem não quer! Os cantores passam o tempo todo fazendo discurso de frase feita, comandando o bloco com palavras de ordem repetitivas e gastas, babando o ovo da imprensa e dos colegas de profissão atrasando o ritmo do desfile.
Durval Lélis já sinalizou a solução para o Carnaval. Que tal um axezódromo para o desfile e a cidade aberta para quem quiser sair e brincar?! O Rio de Janeiro está mostrando a saída.
As cenas de violência vistas pela TV são de assustar.
A beleza dos blocos negros a gente não vê. A televisão não tem interesse em mostrá-los.
Foi (é) bacana ter Moraes Moreira retornando. Mas gostaria de saber: ele e os trios independentes conseguiram desfilar num bom horário, conseguiram tocar em entre dois trios que se atropelam impedindo que se curta os sons de cada uma um?
Ah, quem vai no bloco só se anima diante das câmeras de TV. De resto se arrastam. Atrás dos trios-independes não vai ninguém. Fica uma vazio. Por que? A música é ótima, o repertório animado, mas o folião não se anima... Triste Carnaval.
A ti tocou-te a máquina mercante [...]
Tanto négocio e tanto negociante...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Registro 295: Revista Cena

Caso tenha interesse, segue o endereço eletrônico da Revista Cena, do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - Instituto de Artes - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tenho uma artigo publicado na revista: A Casa de Eros e Dionísio: um projeto de ensino e encenação

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Registro 294: É carnaval no gueto

Aqui em Salvador já é Carnaval. Amplia-se o caos já instalado desde janeiro quando começaram os trabalhos para a montagem do megalómano gueto. Sim, um gueto. A cidade que em décadas passadas, bem lá pra trás se enfeitava e se abria convidativa para todos, agora divide e demarca sues espaços só para alguns. O folião mesmo fica na beiradas, come por fora as sobras que caem da festa negócio. E como negócio sempre houve em qualquer festa e no Carnaval mais ainda, é melhor esclarecer meu ponto de vista. Na festa carnavalesca, desde o entrudo, o negócio sempre esteve presente, mas havia nos carnavais passados algo inegociável. Nesse espaço transitava o cidadão/folião que não precisava comprar a alegria nem o espaço para brincar na festa da carne, das parte baixas, do desregramento, da desmedida, do descontrole. Agora, tudo é controlado. E quem não tem grana, fica a ver navios, chupa o dedo e conforma-se, visto que as leis do mercado tomaram conta da folia baiana. E são essas leis que mandam, controlam, organizam, delimitam.
Comecemos pela decoração. As ruas viraram uma grande mostruário de marcas, a dos patrocinadores. Essa é a decoração. A iluminação é aquela para aumentar a vigilância, ainda bem. Com tanto dinheiro, o amigo do alheio vai pra rua com a finalidade de ganhar o seu na marra. Não há mais os enfeites de luzes coloridas no trajeto dos brincantes. Os delicados arabescos nos transportavam para fora do cotidiano da luz branca e o colorido da luzes enchiam os olhos de cores. Agora temos a iluminação vigiar e punir ou a iluminação para favorecer à maquinaria da televisão.
Da mesma forma, relegou-se ao passado a decoração temática, obra de artistas (não de marqueteiros), que por concurso ganhavam o direito de enfeitar as ruas. Ruas que se abriam para qualquer folião que quisesse enfrentar os três dias de folia. Agora são sete. Os empresários do Carnaval decidiram nos escritórios em conluio com o poder público essa mudança, esticando a festa para ganhar mais uns trocados.
A cidade parece uma praça de guerra. Imensos e contínuos tapumes enfeiam tudo em nome da proteção. Antes, a cidade se abria para os anônimos e para os famosos. Os últimos vinham por querer conhecer a festa ou para revivê-la, e não para faturar um cachê. A participação de famosos, emergentes e estabelecidos, tornou-se um vício na festa do Carnaval da Bahia. Eles chegam com seu contrato debaixo do braço, circulam, sorriem, dizem frase óbvias e como a maior partes deles é peixe fora d'água, soltam barbaridades em frente as câmeras. E tome palavras de ordem amplificadas em decibéis. Num tempo não tão distante, os famosos vinham para cair na gandaia e se esbaldavam sem a preocupação com o visual, nem com os sorrisos de ocasião.
É esse Carnaval de ponta-cabeça que nos enfiam goela abaixo, com seus shows pasteurizados em cima dos atuais trios-elétricos, que de trios só tem o nome. Quem deveria cantar e animar, passa a maior parte do tempo numa arenga feito político de segunda, que fala muito e não diz nada. É esse o Carnaval "guetificado", dividido, excludente. O Carnaval do camarote. O Carnaval bacana dos sorrisos para as câmeras, e somente para elas. A festa da obviedade, discoteca vertical. Alguns poderão argumentar que o povo gosta. Eu contraponho: nem tudo o que o povo gosta é bom. Além disso, não há outra opção. Se houver me diga. A indústria do carnaval martela sua propaganda e nos vemos todos levados por esse canto de sereia. Fugir dele é difícil. Vão-se os dias de um trio elétrico que arrastava gente pobre e gente rica.
Ao perguntar aos mais próximos se estavam preparados para o carnaval, ouvia sempre a mesma resposta: "Como, se um abadá custa os olhos da cara?!" Eu argumentava: e por que não pular sem abadá? Silêncio. Daí, eu concluir: comprar um abadá dá destaque, você deixa de ser massa. passa a ser diferenciado. Estar sem abadá significa que você pode ser confundido com povão e ninguém quer ser comparado aos miseráveis.
Esse texto parece escrito por um antifolião. Engana-se o leitor. Trago na alma o folião que é filho de Rei Momo, que desde criança fez a festa vendo o pai se transformar em Rei Momo numa pequena cidade do interior. Mas como não há mais espaço para esse folião, festejarei meu Carnaval de outro modo. Tenho por certo que tudo se transforma, para pior ou para melhor, esse é o ritmo da vida. Então, vamos esperar a transformação, sabendo que ele será artificial, porque gestada por uma minoria que vai impor outro modelo de Carnaval, quando o atual não render o que os empresários desejam lucrar. É só dar tempo ao tempo.
Durante a folia, eu vou mergulhar nos livros, cozinhar, ler os blogs que estão registrados no Cenadiária, ver filmes, dormir e sonhar com outros carnavais. Como estou prisioneiro em minha casa, já que parte do dia não posso sair de carro, tentarei abstrair. Na hora em que der vontade, irei ver o que acontece. Assim, poderei tomar pé do reinado do Momo Pepeu Gomes, mais rei da guitarra que nobre de folia, embora tenha nos embalado com sua música durante outras festas.
Por falar em ler, ontem, por extrema necessidade, procurei Introdução Filosofia da Arte, de Benedito Nunes e outro título que gostaria de ler durante essa semana atípica, Vão-se os Dias e Eu Fico,de Edson Nery da Fonseca. Não encontrei nenhum deles. O de Nery é lançamento recente, o de Nunes é uma velho conhecido perdido entre mudanças e doações de livros. Nas quatro grandes livrarias da cidade, poucas para uma capital do porte de Salvador, o leitor (pesquisador ou não) depara-se com um cenário de baixa oferta. Tem uma livraria que se denomina Mega Store, mega somente no nome. Mas vamos deixar prá lá. Até quarta-feira de cinzas...