terça-feira, 31 de março de 2009

Registro 255: Insensibilidade

Transcrevo a notícia tal qual está na Folha de S.Paulo edição de 31 de março de 2009, motivado pelo fato de não encontrar resposta para tanta estupidez. Não há explicação que consiga dar conta da miséria humana. Ao acabar de ler o relato fui tomado por uma forte tremor emotivo. Você leitor poderá perguntar os motivos dessa reação, se tantos crimes estúpidos acontecem diariamente. Isso é certo, mas não tenho explicação para lhe dar. Só quero registrar o fato e pensar na doença que cada um carrega dentro de si. Com isso não quero justificar o ato como fruto da insanidade. Não. É fácil encontrar a resposta ao dizer: - É um louco. Isso não basta. Eu queria compreender, somente isso. O que passou pela cabeça desse humano-monstro? O que levou-o a levantar a arma depois de ter consumado o assalto? Em que ferida Karla Reis tocou, para fazer o rapaz gritar? Pois o gesto dele só pode ser um grito... Eu queria sentir comoção por ele da mesma forma como senti essa jovem que não conheço, abatida assim sem mais. Meu coração é demasiadamente humano e por isso endurecido em algum lugar que desconheço. Ou melhor que não admito, já que choro diante da desdita da moça...

Conversando com um amigo sobre o acontecido, ele falou do estado de barbárie em que vivemos. Eu continuo perplexo diante do caso.

Jovem é morta após pedir que ladrão devolvesse Bíblia

A estudante Karla Reis, 25, foi assassinada com um tiro na nuca diante dos pais, no Rio. Filha única, a moça voltava de um culto da Assembleia de Deus com os pais quando ocorreu o assalto; família afirma que ela não reagiu
ITALO NOGUEIRA, ANDRÉ ZAHARDA
A estudante Karla Leal dos Reis sairia ontem com os pais para comprar o presente de seu 25º aniversário, completados no sábado. Mas um assalto na noite de domingo interrompeu os planos e, em vez de comemorar mais um ano de vida da filha única, o porteiro Carlos Antônio dos Reis e a vendedora Iolete Fátima dos Reis tiveram que enterrá-la no cemitério do Catumbi, no centro do Rio.A jovem foi morta diante dos pais, a poucos metros da sede da Prefeitura do Rio, por um homem que acabara de roubar sua bolsa. A família voltava de um culto da igreja Assembleia de Deus quando, por volta das 20h, foi abordada por três homens -um deles armado.De acordo com o depoimento dos pais, a família tinha descido de um ônibus. Após serem abordados pelos assaltantes, Karla entregou a bolsa, mas pediu a um deles que devolvesse a Bíblia e seu crachá da Caixa Econômica Federal, onde estagiava no setor de análise de contratos habitacionais desde julho de 2008.O assaltante devolveu a Bíblia e a jovem e os pais se viraram para sair do local. Sem motivo aparente, segundo os pais, o ladrão atirou na nuca de Karla. Ele jogou a bolsa no chão alguns metros adiante. Mesmo abalada, Iolete incluiu em uma prece, durante o enterro, o assassino da filha."Fico feliz porque ela agora está nos seus braços, mas, Deus, me dê forças e consolo. Eu não merecia uma filha tão maravilhosa, com uma passagem tão bonita pela vida. Acalme o Rio de Janeiro e o rapaz que fez isso, este coração aflito", afirmou ela a cerca de 80 pessoas que foram ao cemitério do Catumbi acompanhar o funeral."O que mais nos choca é o requinte de crueldade do bandido. Ele já havia praticado o assalto e atirou. Ele não tinha motivo nenhum, nem mesmo o assalto, porque ninguém reagiu", disse o pastor Fábio Borges, amigo da família. Karla é descrita como uma jovem reservada e dedicada.Falava pouco e saía de casa apenas para a igreja, faculdade ou estágio. Durante a infância, morou na Vila Cruzeiro, uma das favelas mais violentas do Rio. Segundo um primo dela, Davi Reis, ela se formaria em administração em julho.Considerada um "ponto de equilíbrio" na família, foi a responsável por converter os pais à religião. No velório, o pai segurava a Bíblia que Karla havia lhe dado. A jovem ajudava a família a pagar as contas com o que ganhava no estágio. "Ela estava sempre sorridente, gostava de ajudar os outros. É triste ver uma covardia dessas e não ter como agir", disse Davi.De acordo com o pastor, ela nasceu prematura e "batalhou para sobreviver". "Ela era uma menina ótima, exemplar. Nasceu com complicações terríveis e batalhou para sobreviver. Venceu ao nascer e venceu na vida", afirmou ele.
Suspeitos. Ainda na noite de anteontem, a polícia deteve dois rapazes suspeitos de envolvimento no crime. Os pais de Karla afirmaram que não tinham certeza se eles participaram da ação. A polícia suspeita que os criminosos sejam do morro São Carlos, próximo ao local. Os latrocínios -roubos seguidos de morte- aumentaram 22% de 2007 para 2008 (subiram de 192 casos para 235), segundo o Instituto de Segurança Pública. Para especialistas, o aumento se deve ao acesso fácil de ladrões a armas.
Colaborou FÁBIO GRELLET.

Registro 254: Lakshmi

Dai-nos abundância, prosperidade e fortuna!
Que a chuva regue a terra
Que o leite e o mel não nos falte
e que seja para um e para todos.

domingo, 29 de março de 2009

Registro 253: Anotações atrasadas

Maria não mora mais aqui, pintura, 2008
Marlene Chicora Stamm
"A parede e o prego simulam um espaço que acolhe e rompe. É uma aus~encia tão presente que se afirma como uma imagem capaz de martelar por entre buracos" (texto do catálogo).
Estou com três catálogos de exposições no emaranhado de papéis sobre a mesa de trabalho. Pretendia comentá-las em Cenadiária logo após as visitas que fiz ao Solar do Unhão, aquele belo espaço banhado pelas águas do Atlântico, marco da história da Bahia, marco de uma projeto bem sucedido de restauro, obra de Dona Lina Bardi, realizado lá pelos fins da década de cinquenta, quando tudo prometia...

A primeira exposição, 15. Salão da Bahia mostrou trabalhos entre 19 de dezembro a 1 de março e reuniu artistas selecionados de diversos estados brasileiros. A primeira impressão dessa mostra foi o equilibrio entre as diferentes manifestações das artes visuais, embora predomine a fotografia e a vídeo-instalação. Nada contra, mas um viés tendencioso, fruto de uma orientação unidimensional. Essa tendência revela um olhar que ser quer marcadamente contemporâneo, como se o desenho, a pintura, o objeto tridimensional não pudesse manifestar-se como formas expressivas na pós-modernidade. Isso demanda uma discussão que pode começar pela indagação do que é o suporte hoje, mas na verdade não estou muito interessado nela, pelo menos aqui e agora. Para mim, as configurações da arte podem se revelar nos diversos suportes e por isso não vejo desenho, a pintura e a escultura (termo considerado datado) como limitadores. De qualquer maneira, o Salão da Bahia, em sua última versão, trouxe obras que despertaram a minha atenção e levaram-me a ficar diante delas um bom tempo, o necessário para que a obra se instalassem em mim, fazendo com que a apreciação se desse de maneira satisfatória.

Chamou a atenção a preocupação com as ações educativas, cujo projeto Inter-Mediações proporcionou "mesas redondas, ciclo de palestras, oficinas e encontro com artistas", conforme texto do catálogo. Participei do programa e espero que ele continuem e envolva não só profissionais da Arte e da Educação, mas tenha uma efetiva rede de atividades para crianças, jovens e adultos, tendo como objetivo a educação estética.

Por mais que tenhamos alguns caminhos para decifrar os "códigos" da arte, uma apreciação vem carregada de subjetividade. Portanto, destaco aquilo que me tocou de fato, aquilo que antes de tudo me deslumbrou, me inquietou, me lançou no espaço da indagação e por fim me trouxe emoções; emoções provocadas pelo estético, pelos elementos contidos em cada trabalho.

Tomando como guia o catálogo, destaco as manifestações de Ana Elisa Egreja (SP), Natureza morta com três patos sobre tartan verde, André Hauck (BH) Sem títuo I, II, e II, fotografia que incendeia os olhos. Da fotógrafa Angella Conte (SP), aponto Parede sobre parede. Invólucro, I II e II de Fábio Magalhães (BA) provoca reflexões visto que embaralha a nossa percepção. Fernanda Eva (SP), com o trabalho de vídeo e pintura Por que o artista contemporâneo ainda pinta? outras indagações.

Marlene Chiora Stamm (SP) traz para sua obra a questão da memória contida nos espaços vazios, ou melhor nos deixados para trás. Com seus pregos e buracos na parede da obra Maria não mora mais aqui, ela capta o olhar e desperta sensações e sentimentos. Sutil e delicado trabalho, minimalista, mas denso. Pequenas chagas na pele-parede. Essas marcas que deixamos nos imóveis que habitamos dizem muito de nós de uma forma não explícita. As marcas criadas por Marlene Chiora Stamm despertam lembranças e seu trabalho dialoga com o de Angella Conte.

O vídeo de Roberto Bellini (BH), Jardim Invisível discute o tempo. É poesia visual latente. Zé da Rocha (BA), com Risco nos mostra as possibilidades do desenho.


Outra exposição. Essa é mais recente; abriu no dia 16 de março e estende-se até 12 de abril. Geometria Impura reúne sete artistas mineiros. Vale uma olhada atenta. Mostra concisa, traduz os seus conceitos ordenadores de forma clara e objetiva, sem perder a qualidade. Coerente, potencializa a individualidade de cada artista e a coesão na heterogeneidade. Belo momento.

Por fim, a intervenção de Mário Cravo Neto, Bo No MAM 1959_1964, que ele denomina de site specific. Utilizando-se de fotos do baiano Voltaire Fraga (1912-2006), que documentam o estado em que se encontrava o Solar do Unhão quando Dona Lina começou a recuperação do espaço, a intervenção do artista é fortemente impressionante nas suas constituintes. Embora uma plotagem, suas dimensões e recortes, recolocam as fotos de Fraga noutro patamar: um olhar visto por outro olhar. Da mesma forma que na inesquecível Somewhere Over the Rainbow que ele mostrou em 2005 na Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, Bo No MAM é prova de que os recursos técnicos ampliam e sustentam a inquietação do artista. Surpreendentes trabalhos, como são surpreendentes os encontros e as coisas da vida e da natureza.

terça-feira, 24 de março de 2009

Registro 252: Pequenas Porandubas (Notícias)

Fui ver Gran Torino, mais um filme de Clint Eastwood e cada vez gosto mais do jeitão dele filmar. Se o cinema também é uma arte de contar histórias isso se mostra grande no ator-cineasta. Habilmente ele conta sobre um homem cheio de certezas, endurecido pela vida e pelos recalques, ranzinza e preconceituoso. Trancando em si mesmo e em sua casa de viúvo recente. o personagem amarga a solidão sem dar o braço a torcer. Habitante de um bairro de Detroit, cuja população em sua maioria é de imigrantes asiáticos e negros, Walt Kowalski destila sua rejeição manifestando abertamente contra eles e também contra os judeus, sem levar em conta que ele também é filho de imigrantes, visto que seu nome revela tal origem. Americano médio, aposentado da Ford, o personagem defende os valores da "valorosa" América que para ele anda conspurcada pela presença de gente que para ele é indesejável. O filme começa com o funeral de sua mulher e desenrola-se no ambiente do bairro e sua adjacências, centrando sua trama na relação que vai se estabelecendo entre Kowalski e os vizinhos vietnamitas os adolescentes Sue Loar e seu irmão mais jovem Thao Vanhg Loar.

Filme de culpa e redenção.

Filme onde o diretor descontrói o mito criado por ele, personagens durões que encarnou durante parte de sua vida, homens que tomam para si a tarefa de fazer justiça com as próprias mãos. Filme de auto-conhecimento e de auto-avaliação, que nos pega de surpresa, visto que a solução que o personagem dá para si e para a situação em que se encontra e os outros personagens, nos deixa sem fôlego, embora concordemos com ele.
Vale a pena dar um pulo no cinema para ver bom cinema. E Gran Torino, que também é o carro ícone que Kolwaski tem na garagem, é imenso nas sua proposições. Diante delas nos rendemos. Saímos do cinema confortados e emocionados não só por tudo que vimos, mas também pelo achado final, quando ouve-se a canção cantada pela voz rouca de Clint Eastwood-Kolwaski.

Depois fui ver O Visitante. Nas suas diversidades, os filmes parecem encontrar um ponto de convergência. Que ator deslumbrante é Richard Jenkins; que economia de gestos, de expressões revelando os desvãos da alma. Que atriz deslumbrante é Haaz Sleiaman. Os dois dão um banho de interpretação. E tudo isso com a delicadeza de quem sabe o que faz e sabe que faz bem. Filme de atores. Ganhei meu fim de semana.
Álbum de Família de Nelson Rodrigues, inspirada encenação de Paulo Henrique Alcântara com os alunos da terceira turma de concluintes do curso de Artes Cênicas da Faculdade Social foi ao Fringe (Festival de Teatro de Curitiba) e voltou com ótimas críticas. Quando de sua estréia em Salvador escrevi um comentário apreciativo. tenho certeza de que acertei no meu julgamento. Beth Néspoli que faz crítica teatral no jornal O Estado de S. Paulo escreveu em seu blog:

"Também ontem, à tarde, vi no Fringe uma montagem de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, do grupo Minotauro, de Salvador, dirigida por Paulo Henrique Alcântara. Destaca-se da média dos espetáculos dessa mostra não por um resultado excepcional, mas por ser uma realização de quem claramente domina a linguagem teatral, a construção de uma poética cênica. Não é um mero levantamento do texto. Há um pensamento por trás, um motivo para fazer, um desejo de sublinhar aspectos. Nelson dizia, não lembro exatamente com que palavras, que basta um sopro para o homem cair de quatro. Essa é a ideia sobre a qual a encenação se baseia, dessa família que vive na fronteira entre selva e civilização. Pode parecer óbvio, é a primeira leitura, mas foi compreendida e recriada cenicamente. O cenário não é mera decoração, baús e paredes que remetem a ossários 'guardam' memórias familiares, e ancestrais. Assim como os figurinos buscam significar e não apenas vestir. Mas qualidade e problema vêm juntos, na ênfase excessiva, na falta de sutileza. A relação incestuosa - comum na natureza, interdita pela civilização - é reforçada in extremis. Nonô, nu, nessa encenação é o que Nelson chamaria do selvagem absoluto, sujo, cabelos longos e desgrenhados, urrando como animal durante um tempo excessivo. A favor do espetáculo não estar impregnado do amadorismo, no sentido da precariedade, que aparece em tantas, tantas e tantas peças do Fringe.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Registro 251: Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

Ontem foi o lançamento da Revista, com a reedição de artigos de Manuel Querino, acompanhados de textos comentando a produção do santamarense, escritor, jornalista, historiador, pintor, desenhista, um dos primeiros pesquisadores dos estudos sobre a contribuição africana para formação da sociedade baiano-brasileira. Como um dos articulista, estive presente e faço o registro para marcar a importância do trabalho de Querino. Em meu texto, comento o artigo do autor Theatros da Bahia, publicado por volta de 1910. A iniciativa do professor Jaime Nascimento comemora o 86 anos da morte de Querino, escritor, historiador, jornalista, desenhista, pintor, nascido a 28 de julho de 1851 e falecido em 14 de fevereiro de 1923.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Registro 250: Duas ou três coisas sobre Lispector

Clarice Lispector e seu cachorro Ulisses, s.d., sem crédito autoral
Não sou um conhecedor da obra de Clarice Lispcetor. Fiz leituras dispersas de alguns de seus livros, mas fui irremediavelmente tocado por A Hora da Estrela. Dizem os doutos ser o livro mais fácil da escritora. Paciência. Eu gosto muito de A Hora da Estrela. Fiz até uma adaptação para o teatro, lida por Fauzi Arap, amigo da escritora e amante de seus escritos. A adaptação se perdeu. Deve ter caído do caminhão de mudança e se espalhado pelas ruas que nem cachorro que ninguém quer. Fiz tantas mudanças e nem sei quando perdi os papéis amarelados cujo texto datilografado já estava desaparecendo.
Fauzi levou para o palco Perto do Coração Selvagem (1965), e adaptou A Paixão Segundo G.H. encenada por Henrique Diaz (2002) e incluiu trechos de Clarice Lispector nos shows que dirigiu para Maria Bethânia, fã confessa da escritora nascida na Ucrânia, mas tão pernambucana quanto Bandeira, Suassuna, Cabral de Melo Neto e outros tantos de boa cepa recifense.
Acompanhei de perto a montagem de Um Sopro de Vida (1979), a bela encenação que José Possi Neto fez para Marilena Ansaldi. Logo depois fui convidado pelos dois para fazer Geni. Por essa época conheci Olga Borelli, amiga de Clarice Lispector, companheira nos seus últimos momentos entre nós. A fota que ilustra esse registro foi um presente que recebi dela.
Hoje, encontrei-me com Meran Vargens que retoma a sua encenação de A Hora da Estrela, um espetáculo que vi em Salvador em 2003. Encenação inventiva, com um achado cenográfico encantador. Por aqui vi também Clarices de Deborah Moreira, reunião de textos claricianos. Coincidentemente, leio Clarice em Cena: as relações entre Clarice Lispector e o teatro, de André Luís Gomes (Unb - Finatec, 2007), resultado da pesquisa que fez sobre a escritora e o teatro.
Clarice Lispector traduziu textos teatrais . Gomes apresenta quase todos eles, tece comentários sobre cada um e estabelece relações entre o conteúdo das obras e alguns livros de Lispector. Entre os textos traduzidos encontra-se Sotoba Komachi de Yukio Mishima, encenado por Herbert Machiz, diretor norte-americano (com ou sem hífen?) , com passagem pela Escola de Teatro da então Universidade da Bahia, em 1961. O espetáculo, cujo título Três Peças Modernas Japonesas, reunia além de Sotoba Komachi, O Tambor de Damasco outro texto de Mishima e o Crime de Han de Shiga Naoya, ambas traduzidas do inglês por Clarice Lispector. Coube a Martim Gonçalves criar os figurinos, seu último trabalho em Salvador antes de deixar a direção da Escola de Teatro, espaço criado por ele sob os auspícios do reitor Edgard Santos.
Pra encerrar: participo de uma pequena cena no filme de Suzana Amaral, A Hora da Estrela (1986)... Marcélia Cartaxo, inesquecível e dolorida Macabéa.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Registro 249: Acordo e levo um susto

Acordo e levo um susto. A matéria de capa dos jornais: "Chávez ocupa portos e ameaça dois governadores". Em nome da segurança nacional. Já vi esse filme, aqui bem perto, no nosso quintal. É certo que cada povo tem o governo que merece. Eles estão aí nos assombrando. Os venezuelanos que se cuidem. Não dá pra ficar sem refletir sobre o que vai acontecendo para lá das nossas fronteiras no momento em que a América do Sul parece querer ditaduras travestidas em democracias. É certo que os governantes foram eleitos pelo voto, mas até aí morreu Neves. No caso do vocábulo ditadura não ser apropriado para caracterizar o que ronda a América Latina, visto sua radicalidade, podemos ver por aí uma certa tendência para o autoritarismo. Eufemismo! Por certo...
Não dá pra avalizar ditaduras, sejam elas de direita, de esquerda ou amparada em fundamentos religiosos.
Espero que o leitor não não intreprete de forma errada o texto. Não estou aqui me filiando àqueles que pensam que ditaduras são "ditabrandas". Repudio totalmente essa visão. Sofri na pele os horrores da ditadura civil-militar brasileira. Sei muito bem o que é viver trinta dias confinado em uma cela do DEOPS - SP, debaixo de ameaças constantes.
As feridas estão curadas, mas as lembranças são vivas. Por isso mesmo, não quero viver sob nenhuma ditadura.
No sábado fui ver Entre os Muros da Escola, filme de Laurent Cantet, baseado no livro do professor François Bégaudeau, que protagoniza ele mesmo. O título em francês, Entre Les Murs, é melhor que a nossa tradução. Alías, as traduções de títulos para o português tem sido um desastre. É melhor porque diz muito mais, amplia a questão ou as questões discutidas pelo cineastas e pelo professor, embora tudo se passe no interior escolar. tento não cai no pessimismo, mas ao ver o filme reafirma em mim a visão de que a escola faliu e que as teorias não dão conta de explicar nem de resolver o que a realidade nos apresenta. Sou também professor e sai do filme com uma sensação estranha, pensando na realidade da escola francesa e mais ainda sobre as nossas escolas. Longe daqui aqui mesmo. O filme deve ser visto por todos os professores e alunos. Por falar nisso, Vamos à Folha de S. Paulo, coluna de Mônica Bérgamo (Ilustrada, 15.03.09):
Professores da rede pública que trabalham em escolas de risco no Rio contam alguns de seus conflitos diários que vão além do giz, como tirar revólver de aluno e ter a bolsa furtada dentro da classe"Professora, tem dois alunos armados e um diz que vai matar o outro no recreio." Foi assim que começou mais um dos centenas de dias de trabalho da professora de artes Vera Cruz, 66. "Tremi toda. Não sabia o que fazer. Respirei fundo e entrei no meio da briga. Era uma discussão por racismo. Um negro, outro branco. O alemão dizia que o negro não prestava, trocaram ofensas e colocaram a família no meio. Daí sentei com os dois, conversei e consegui fazê-los me entregar as armas: uma lâmina de sapateiro e uma adaga." Eles tinham dez anos.

A exposição à violência relatada por Vera foi o tema do filme "Verônica", sobre uma professora que dá aulas em uma escola que fica na favela, vivida por Andréa Beltrão. Depois de uma sessão do longa, no Rio, Vera, a atriz e mais uma dezena de outros professores da rede pública se reuniram para uma conversa com a coluna.

A psicóloga Simone de Carvalho, 45, trabalhou com uma sala de supletivo na região da praça Mauá, frequentada por prostitutas. Ela conta um episódio envolvendo um jovem de 20 anos. "Um dia, no meio da aula, me falaram que tinha um aluno com revólver dentro da classe. Fui até ele e expliquei que não poderia ficar com uma arma lá dentro, que poderia acabar machucando alguém. E ele me respondeu: "Professora, eu sei disso, mas eu tô jurado de morte, tenho que me defender"." Simone diz que viveu um "intenso conflito". "Eu deveria tirar a arma dele? E se o menino morresse, o que eu faria? Fiz um pacto de confiança para que ele não usasse aquela arma dentro da escola de modo algum." Ninguém saiu ferido.

As histórias se sucedem. Os docentes conseguem surpreender um ao outro, mesmo já tendo vivido tantas situações-limite. Há uma comoção, por exemplo, quando a professora primária Izabel Nobuko da Costa, 41, conta que foi furtada dentro da sala de aula. "Levaram minha carteira com meus cheques e cartões. Na bagunça entre as crianças, nem vi quando tiraram as coisas de dentro da minha bolsa." Andréa Beltrão interrompe: "Alunos de qual série?". "Da quarta, tinham mais ou menos uns dez anos", responde a professora.
A atriz surpreende os presentes quando revela uma atitude rara entre famílias de classe média: "Meus três filhos estudam em escola pública [o colégio Pedro 2º]". Ela diz confiar no padrão de ensino. Sua mãe foi diretora do estabelecimento. "A convivência plural faz muito bem para eles", diz ela.
Pluralismo que Luiz Elesbão Maciel, 43, professor de educação física e de filosofia, conhece bem. Ele já deu aulas em mais de 40 colégios e é o único do grupo que trabalhou em escolas dentro de presídios. "No meu primeiro dia, já teve confusão entre os presos. Um alarme tocou e eu só pedia para sair. "Sou professor, pelo amor de Deus, me deixa sair daqui!"Eu tentando sair e os guardas de preto, com balas de borracha, entrando com aqueles escudos, sabe?" Com o tempo, Elesbão diz que se acostumou e que aprendeu as regras: cuidado para não levar nem trazer recados para presos; evitar assuntos que inflamem o ânimo dos alunos. Exemplo: "Jamais tocar em discussões de direitos e deveres básicos de cidadania, porque eles deveriam, por exemplo, receber a visita de defensores públicos, mas ninguém ia. Eu ficava revoltado".

Há alguns anos, em uma escola estadual na Tijuca, uma aluna grávida pediu socorro. ""Me ajuda, pelo amor de Deus, professora, me ajuda!" A menina estava desesperada porque o namorado queria espancá-la dentro da escola, conta Viviane Grace Costa, 38, professora de história. "Entrei na frente dele e disse: "Aqui dentro você não bate nela". E ele me perguntou: "Quer morrer?"." Viviane chamou a polícia, mas "os policiais não eram treinados para tratar dos direitos da mulher e falaram que não iam se meter. Assumi o risco sozinha."

Hoje, Viviane leciona na Rocinha. "Minha mãe morre de medo, mas há uma inversão de valores. Trabalho para o supletivo e são, na grande maioria, trabalhadores, que nos respeitam mais do que muito aluno de colégio particular."

Vera Cruz concorda. "Numa escola de alto padrão de Botafogo, os alunos jogavam papel, sentavam em cima das carteiras, gritavam, faziam de tudo para me agredir. Um dia foi tanta agressão que me deu na telha um novo método. Fui para o fundo da sala -aquilo era um horror!- e comecei a gritar igualzinho a eles."Aaaaaaahhhh!!!" Aí eles se olhavam: "Nossa, o que houve que a professora tá gritando?" E assim foram se aquietando.Quando estava todo mundo quieto, parei de gritar. Fui para o quadro e comecei a aula."

Além do mau comportamento dos alunos, a discussão entre os professores engrena para "o nível e a qualidade do ensino", que, segundo Simone, "está caindo! Gente, a minha empregada doméstica tem diploma de professora. Uma vez, voltei da Europa e ela me perguntou: "Dona Simone, a França fica perto dos EUA?". Os professores no cinema riem com tristeza. E Simone engata uma história sobre rejeição.

"Foi com um aluno de 15 anos, negro, bem mais alto do que eu. Fui dar aula depois de ter tomado uma vacina bem doída. Daí ele chegou para falar comigo e botou a mão bem em cima do lugar dolorido. Eu dei um grito e o empurrei. Ele me olhou e disse: "Eu pensei que a senhora fosse diferente dos outros". Ele achou que minha reação tinha sido porque ele havia tocado em mim. E não adiantava eu me explicar. Ele me olhou com uma decepção, uma tristeza. Mais uma vez se sentiu rejeitado." O encontro termina em lágrimas.

O verde colorindo o texto é intencional.

Para completar, segue a entrevista da atriz Andréa Beltrão (Folha de S. Paulo (16.03.09). Beleza!

A atriz Andréa Beltrão diz que a imagem de escola pública em sua vida está associada à qualidade de ensino.


FOLHA - O que a levou a matricular seus filhos na rede pública?

ANDRÉA BELTRÃO - A vida inteira fui aluna de escola pública, e isso está associado para mim a uma coisa boa. Estudei no Pedro 2º e minha mãe foi professora lá por muitos anos. Tenho uma situação financeira confortável e poderia matriculá-los num colégio caro, mas queria uma escola de qualidade onde o critério de entrada não fosse o dinheiro. Meus filhos estudam com filhos de médico, de porteiro, de servente. Todos vestem o mesmo uniforme. Isso não é bravata ou bandeira. Fui criada dessa maneira.


FOLHA - Há quem possa olhar e dizer que você está roubando a vaga de um aluno pobre.

ANDRÉA - É uma visão reacionária. Meus filhos conseguiram a vaga porque são netos de funcionário, e eu me beneficio disso sem nenhum pudor porque pago meus impostos e penso que a escola pública de qualidade é um direito de todos. Mas procuro também ajudar bastante a escola, e fico muito feliz ao perceber que vários pais fazem o mesmo, de acordo com suas possibilidades.


FOLHA - O fato de seus filhos poderem ter um nível de consumo maior que o dos colegas não dificulta a convivência?

ANDRÉA - De jeito nenhum. Aliás, rola um constrangimento maravilhoso se um aluno quiser ostentar dentro da escola. É um mico fazer isso num lugar onde a filosofia é: "Não risque o seu caderno porque no ano que vem outras crianças vão usar". Isso muda o comportamento em relação ao ter.Eles, por exemplo, ganharam Ipod [tocador de MP3 da Apple] logo que foi lançado, mas só passaram a levar para a escola quando os demais colegas começaram a ter esses aparelhos de MP3. Lá, se destaca quem tirar notas mais altas, e não quem tem mais para ostentar.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Registro 248: Um filme mal lançado

Mãe e avó, Juno (Catherine Deneuve), casada com um homem mais velho descobre que está com uma doença degenerativa e precisa de transplante de medula. Os filhos e um dos netos submetem-se aos testes para possíveis doação. A ação se passa em Paris antes e durante o Natal. Esse filme deslumbrantemente sensível, irônico, mordaz e direto, fala sobre afetos, ressentimentos e compreensão entre pais e filhos, entre irmãos. Nada que lembre a melosidade e o bom mocismo quando se trata da maioria dos filmes sobre a família. Exceções existem.

Presumo que o filme de Arnaud Desplechin foi visto por poucos. Logo saiu de cartaz, mesmo estando no circuito Sala de Arte em Salvador, um lugar onde se respira e se bebe do bom cinema. O título Um Conto de Natal pode ter afastado os desavisados. Lamentável.

Essa família que se reúne para as festas de fim de ano deve se enfrentar. E esse enfrentamento se dá através de pequenos gestos, das tensões provocadas pelo não resolvido. Entre os filhos, destaca-se aquele que é o "filho ruin", Henri (Mathieu Amalric). Ele vem a ser o doador. Ele, o rejeitado pela mãe e pela irmã, Elizabeth (Ane Consigny). O filme começa com cenas rememorativas da infância de cada filho e de suas relações com a morte de um irmão. Em seu blog Luiz Carlos Merten informa que o diretor inspirou-se no texto do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson. No livro, o filósofo conta de que forma superou a tristeza e buscou um sentimento positivo para enterrar o filho.

Os personagens de Desplechin não escondem o que sentem. Não falam meias palavras. Dizem o que pensam e durante a festa, tempo do filme, eles se repelem e se atraem e nós entramos no jogo despido de pieguismo. Nenhuma sombra maniqueísta perpassa o filme. Diante da situação, os personagens devem tomar decisões e isso implica em ajustes, em encarar de frente as marcas do passado. Não se faz drama, mas o drama perpassa o filme. para nós, acostumados ao derramamentos, que gritamos, choramos e nos descabelamos diante das vicissitudes da vida, tanto as pequenas quanto as grandes, a relação entre os familiares diante dos problemas de cda um parece dura. Se olharmos por esse prisma deixamos de perceber as camadas de afeto entre eles.
O final é uma epifania, compreendida como a manifestação ou percepção da natureza ou do significado essencial de uma coisa.

Uma pena ter ficado ofuscado pela ressaca do carnaval, pelo lançamentos dos filmes indicados para o Oscar ou por uma programa inoportuna. Na sessão em que vi o filme, estavam na sala seis gatos pingados. Gatos privilegiados.


Ficha Técnica Título Original: Un Conte de Noël Gênero: Drama. Tempo de Duração: 150 minutos. Ano de Lançamento (França): 2008Site Oficial: http://www.bacfilms.com/site/conte/ Estúdio: Why Not Productions Distribuição: IFC Films / Imovision Direção: Arnaud Desplechin. Roteiro: Emmanuel Bourdieu e Arnaud Desplechin. Produção: Pascal Caucheteux. Música: Grégoire Hetzel. Fotografia: Eric Gautier. Desenho de Produção: Dan Bevan. Edição: Laurence Briaud
Elenco
Catherine Deneuve (Junon), Jean-Paul Roussillon (Abel), Anne Consigny (Elizabeth), Mathieu Amalric (Henri), Melvil Poupaud (Ivan), Hippolyte Girardot (Claude), Emmanuelle Devos (Faunia), Chiara Mastroianni (Sylvia), Laurent Capelluto (Simon), Emile Berling (Paul), Thomas Obled (Basile), Clément Obled (Baptiste), Françoise Bertin (Rosaimée), Samir Guesmi (Spatafora), Azize Kabouche (Dr. Zraïdi).

quarta-feira, 11 de março de 2009

Registro 247: Instantâneos

Fotografia informal, batida sem tripé e com um tempo de abertura do diafragma extremamente breve; snapshot (Houaiss).
Os instantâneos foram batidos durante caminhadas pela ruas da cidade, num dia qualquer de um verão o qualquer
Hotel São Bento - Largo de São Bento - Salvador

Fonte - Praça da Piedade - Salvador

Grade - Praça Dois de Julho - Salvador

Tronco - Museu de Arte Moderna - MAM - Bahia

domingo, 8 de março de 2009

Registro 246: Lucidez contra o fanatismo

Não pedi permissão para Eliana Cantanhêde autora do texto Em Nome do Pai (Folha de S. Paulo, 08.03.09), mas resolvi publicá-lo por sua coerência e lucidez. Não podemos aceitar que atitudes como a do arcebispo de Olinda - que falta Dom Hélder faz - torne-se uma conduta aceita como algo natural. Aliás, no Brasil de hoje, atitudes absurdas tem sido aceitas, tanto na esfera privada quanto na pública.

Aberração como essa só comparada com as aberrações em Catanduva e outras paragens que são notícias todos os dias.

Condenando-se a mãe e os médicos e aceita-se o ação do estuprador. Basta.

Faço um reparo, o problema não é o deslocamento de católicos para outros credos, como se neles não houvesse fanatismo e atitudes irracionais. Entre evangélicos, espíritas, umbandistas e membros de outras religiões, existem fanáticos que não vacilariam em avalizar a condenação em nome da vida. Hipocrisia. Entre ateus é possível, até, que exista também alguém concordando. Não esqueçamos: vivemos num sociedade machista.

O humano é tão espantoso!

Leia o texto e pense. Quem sabe você tome uma atitude, pequena que seja, contra pais e padrastos que violentam filhas e contra um líder religioso que não compreende o humano pois está agarrado fanaticamente ao dogma. Quando falo em atitude não estou aqui pregando a violência. Longe de mim. Não acho que a violência é a saída.
Para mim, o texto é uma homenagem as mulheres.
EM NOME DO PAI
Eliane Cantanhêde

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quero fazer um agradecimento público ao arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho.Ele calou sobre o crime hediondo de um padrasto que estuprava a enteada desde os 6 anos de idade e a engravidou de gêmeos aos 9. Mas excomungou a mãe da menina e a equipe médica pelo aborto que tenta salvar sua vida, sua essência de criança, sua capacidade de ser feliz. Essa inversão produziu excelentes resultados, no melhor momento: mobilizou a imprensa local e nacional e indignou milhões de pessoas na semana que antecedeu o Dia da Mulher, expondo o quanto o fundamentalismo religioso pode ser não apenas retrógrado mas cruel, desumano e, em certa dose, também ridículo, em casos que envolvem de fato vida e futuro. Os assim, particulares. Ou os coletivos, como a pesquisa de células tronco.Foi uma verdadeira aula, contra o arcebispo, a favor da menina, para mulheres, homens, jovens, velhos, todos os que olharam para a grande vítima horrorizados, chocados, com uma piedade que faltou justamente ao "homem de Deus".Até a CNBB teve dificuldade para respaldar sua atitude. Numa nota visivelmente constrangida, condena antes o estuprador (que dom José nem sequer citara), reitera a posição contrária ao aborto e não faz uma só defesa da excomunhão.Para dom José, estuprar crianças é pecado, mas não muito. O que não pode é tentar corrigir as sequelas do estupro, acolher aquela menina, salvar-lhe o corpo, talvez a mente, garantir-lhe o futuro. Para ele, portanto, aborto é mais grave do que estupro. Os médicos que o realizaram são piores do que o suspeito de pedofilia em Catanduva (SP).Trata-se do típico caso em que a igreja anda para um lado, enquanto o mundo e as pessoas, para o outro, em sentido contrário. É assim que seus pastores perdem seus rebanhos para as evangélicas, as espíritas, as umbandistas. Ou para o ateísmo, puro e simples.
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Na mesma edição do jornal, Clóvis Rossi escreve sobre o assunto, trazendo-nos um fato que se deu na Mauritânia, no interior de uma família de fé islâmica. Longe daqui, aqui mesmo.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Registro 245: Depoimento IV

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se.

JORGE ALENCAR

Criador em teatro e dança. Diretor artístico do grupo Dimenti (Salvador - Bahia - Brasil) desde 1998. Comunicólogo pela Universidade Católica do Salvador, Licenciado em Dança e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia.

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Além dos artistas com os quais eu trabalho há quase onze anos no Dimenti, há atores e atrizes baianos que constam em minha bibliografia: Rita Assemany, Cristiane Mendonça, Marcelo Prado, Lúcio Tranchesi, Evelin Buchegger, entre outros que a memória e o espaço injustamente omitiram.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Vamos ao Olimpo nacional: Marília Pêra, Fernanda – mãe e filha, José Dumont, Marcélia Cartaxo...

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
Focarei nos que atuaram na Bahia: Harald Weiss, Fernando Guerreiro, Hebe Alves, Carmem Paternostro, José Possi Neto, João Falcão, Luiz Marfuz – são alguns dos que grudaram em mim desde tenra idade quando comecei nos tablados.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
(Risos). Será que eu sou bom? Sei que, mesmo com uma produção ininterrupta há bons anos, nunca recebi uma indicação sequer no prêmio local de teatro. Ai de mim!!

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
Lembro de Barba Azul de Márcio Meireles. Mesmo sabendo da competência de Márcio, na época fui desmontado assisti apenas a um espetáculo feito na sala João Augusto (uma sala de ensaio!) com um elenco com muitos jovens atores. A peça tinha soluções bem inteligentes. Houve também uma peça despretensiosa que voltei para assistir: Pelo Telefone com Cristiane Mendonça e Ricardo Castro – leve e agradável como uma brisa da praia da Barra - bairro onde o trabalho era apresentado.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
Posso indicar obras dos diretores que citei acima: Ade Até, A Bofetada, O Homem Nu: suas viagens, Merlin ou A Terra Deserta, A Casa de Eros, A Ver Estrelas, O Casamento do Pequeno Burguês.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
Da safra recente: Ensaio. Hamlet da Cia. dos Atores. Perturbadora e me fez muito bem.

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
Não sou corajoso o suficiente para eleger um espetáculo apenas. A lista acima dá pistas.

9 – Comédia é um gênero de segunda?
De primeira. Estudei sobre comicidade em meu mestrado e produzo peças com humor. É um gênero que sofre muitos preconceitos, já que é quase sempre visto como algo frívolo, pueril e pouco profundo pelas “vozes oficiais” e mal humoradas.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
Adoro algumas “peças difíceis”, sobretudo em relação à maneira como produz significados na cena, que solicitam a co-autoria do público. Tenho um pouco de preguiça com peça que se preocupa em passar “uma mensagem”, teatro não é SMS.

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
The Flash and Crash Days de Gerald Thomas. Assisti a fragmentos em vídeo.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
Ade Até foi considerada difícil.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
Fiquei aflito em criar esse novo cânone!!! Passo.

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
Nelson Rodrigues merece visitas periódicas.

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Não me ocorre. Adoro lidar com os cânones nem que seja para re-configurar suas intenções e lugares de legitimidade.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
Passo.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
Pago.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode escolher três.
Fazer Nijinski no teatro é o fetiche mais próximo.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
Que seja passível de ser sempre reformulado, tanto na estrutura da própria encenação como na leitura de quem frui. “Obra definitiva” é cansativa.

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
Comodismo, excesso de reverências a certos paradigmas canônicos, falta de estudo e de relações propositivas com as fontes de criação – seja um texto ou um assunto.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Registro 244: Depoimento III

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se.

DEBORAH MOREIRA
Atriz, mímica e dramaturga. Diplomada em Mímica Corporal Dramática pelos artistas mímicos George Mascarenhas e Nadja Turenko. Bacharel em Interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia em 2000. Mestranda em Artes Cênicas (Programa de Pós Gradução da UFBA). Atriz em diversos espetáculos teatrais, destacando-se: A Casa de Eros e Ensina-me a Viver (direção de José Possi Neto), Os Dois Manecos e Acrobatas (direção Ewald Hackler), Clarices (direção de Nadja Turenko), O Bloco dos Infames (direção de Filinto Coelho),A Princesa e o Unicórnio (direção de George Mascarenhas). Textos encenados: Clarices (1998), Francisco (1999), Joana D’Arc Quando a cotovia voa – uma fábula libertária, (2001), A Princesa e o Unicórnio (2004), Na Fila (2005). Coordenadora do Grupo de Teatro da Cultura Inglesa (2005 a 2009). Professora de Mímica Corporal Dramática do projeto Retrate Interior desenvolvido pelo SATED – Ba (2008), co-realizadora do Projeto Mimus – Oficinas Gratuitas de Mímica e Teatro Físico (2009).

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Vi muitos trabalhos de Paulo Autran, Marco Nanini e na Bahia, Marcelo Praddo, Iami Rebouças, George Mascarenhas, etc.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Grande Otelo, Marieta Severo, Chaplin, Meryl Streep, Kevin Spacey, Kate Winslet, Ewan Mcgregor e muitos outros.

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
José Possi Neto.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
Lembro de alguns criadores teatrais muito bons, mas que se encontram em situações difíceis ou bem diferentes do esperavam ou desejam. Não acho, contudo, que isso se deva simplesmente ao fato de terem sido injustiçados mas sim a uma série de fatores, incluindo as escolhas e condutas de cada um como ser humano. Acredito que somos também responsáveis pelo desenvolvimento dos acontecimentos em nossas vidas.

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
O Púcaro Búlgaro.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
Os espetáculos A Casa de Eros, comemorativo dos 40 anos da Escola de Teatro da UFBA e Ensina-me a Viver, comemorativo dos 45 anos de teatro de Nilda Spencer. Destaco também a encenação de O Menor quer ser Tutor de Peter Handke, com direção de Edwald Hackler, O Casamento do Pequeno Burguês de Brecht, com direção de Luiz Marfuz.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
Roberto Zucco (direção de Nehle Frank).

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
Recentemente, o espetáculo Ensaio.Hamlet com direção de Henrique Dias.

9 – Comédia é um gênero de segunda?
Comédia é genial e extremamente necessária.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
Os Negros, de Jean Genet

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
O Rei da Vela.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
Orpheus Complex, de Steven Wasson com o Théâtre de L’Ange Fou.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
Apocalipse 1,11 de Fernando Bonassi

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
O Santo Inquérito, de Dias Gomes.

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Quero deixar meus aplausos sempre para Cleise Mendes, embora como membro da Academia Baiana de Letras ela esteja presente nos cânones.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
O Avarento com direção de Felipe Hirsch.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
Sinceramente, não me lembro de nenhum.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode escolher três.
Nina de A Gaivota, de Tchekov, Branca Dias do Santo Inquérito, de Dias Gomes, e Winnie de Dias Felizes, de Samuel Beckett.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
A pesquisa.

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
A superficialidade
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segunda-feira, 2 de março de 2009

Registro 243: Livros e crianças

Nasce uma Criança Leitora

Toda vez que nasce uma criança na maternidade de Sinhá Castelo, localizada na cidade de Caxias, no Maranhão, a mamãe recebe um livro de literatura infantil, doado à criança. O ato simbólico do projeto Nasce uma Criança Leitora, que integra o Programa Nacional do Livro e Leitura (PNLL), busca conscientizar os pais da importância do livro para a formação cultural de seus filhos, bem como da leitura no desenvolvimento dos jovens. Assim, ao mesmo tempo em que facilita o acesso às obras literárias, conscientiza a população carente, além de também oferecer oficinas de narração e leitura de histórias para as mães.O projeto é desenvolvido pelo Comitê do Programa Nacional de Incentivo a Leitura (Proler), por meio do departamento de Letras da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com a colaboração de professores e alunos, coordenados pela professora Joseane Maia Santos Silva.De acordo com a professora, foram entregues 602 livros, de abril de 2008 até agora. "Estamos em plena campanha para darmos continuidade ao projeto, por isso será ótima a divulgação", diz Joseane.
Recebi essa auspiciosa notícia por e-mail. Quem me enviou foi a querida amiga Fanny Abramovich. Tanto ela quanto eu vibramos com essa ação sensível, civilizadora, bacana mesmo. Alguns poderão argumentar que antes de livros deve se dar alimentação, remédio e bom atendimento para as parturientes e seus rebentos. A defesa é inquestionável. Mas não passa pela minha tola consciência que essas ações não estejam sendo priorizadas na maternidade de Sinhá Castelo. É um direito das mães e de seus filhos e um dever do poder público. Se o Estado não faz, estamos perdidos. É isso mesmo, estamos perdidos.
Não acredito naquela posição que defende farinha primeiro e só depois de conseguir o pão pra todos é que devemos pleitear outros direitos, outros quereres. O direito de sonhar, de imaginar. Tal pensamento, sabemos onde nos levou. Por esse motivo é que vejo nos ideais da contracultura um posicionamento verdadeiramente saudável, pra frente mesmo.
Livros nas mãos de recém-nascidos maranhenses podem aumentar o índice de Desenvolvimento - IDH, que é muito baixo no Maranhão. Assim espero. Que esses bebês bebam das letras desde cedo e que elas iluminem seus caminhos.
A notícia remete a uma imagem de João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina: cobrindo-se de assim de letras / um dia vai ser doutor. O poeta referia-se ao jornal que era oferecido ao menino que acabara de nascer, o filho de Seu José, mestre carpina. Então, que as crianças de todo esse imenso território, pátria amada Brasil, possam receber livros como as crianças de Caxias, localidade do Maranhão, terra natal dos Azevedos, Artur e Aloísio, de Ferreira Gullar e João do Vale e de Catulo da Paixão Cearense, que apesar do nome é maranhense.