A dramaturga e professora Cleise Furtado Mendes, relançou em noite de autógrafos, adiada de 2009 para 2010, por motivos alheios ao seu querer, o livro O Cruel Aprendiz.
O livro se encontra em minha mesa de cabeceira e li uma boa parte de seu conteúdo, mistérios que a autora nos revela a cada página. Das páginas que visitei pedindo licença, porque livro é como casa, a gente pede licença antes de invadi-los, escolhi poesias levado pelo calor da hora.
Visitante, sorrateiramente penetrei no universo da autora e me deixei seduzir por Marinha, Sagração, Plaudite, Maria, Busca, entre outros que me tocaram pelos ritmos com que as palavras anunciam pensamentos e sentimentos que chegam em mim e repentinamente me prendem à página, lugar do "palavrar".
Ao longo de o Cruel Aprendiz, encontro poesias que desvelam o mundo do teatro, universo por onde a autora transita e também se apresenta ao mundo. Tais escritos dizem coisas para mim também: Persona, Nilda Spencer aos 80, A Palavra e o Teatro, Tema de Téspis, o ator, Biografia de Um Ator. Outro do meu interesse é o belo Bahia 1798.
Não sou crítico literário, por isso me abstenho a um juízo. .Mas que importância teria essa minha avaliação? Ainda que considere a crítica literária, deixo-a aos doutos. O que importa é que a poesia de Cleise Furtado Mendes me encanta, aí está um dos seus valores. As palavras dosadas, arrumadas, postas em sossego em cada folha de papel ganham vida e me desassossegam, tiram-me da passividade do cotidiano, da mesma forma que o Pano listrado, "tecido de aturdimento e danação", verdadeira arlequinada para minha alma às vezes tão apática.
Dias depois da noite de autógrafos, 26/10/2010, recebi por e-mail mais uma produção de Cleise Mendes. Coisa recente, enviada como brinde. Uma delicadeza que reproduzo aqui neste diário. Diário que a preguiça e os atropelos da vida impedem registros constantes.
Passagem de Gabriel
Cleise Furtado Mendes
Pedacinhos de papel
estrelejando
o chão da sala,
manchas em constelação
pelas paredes brancas.
Dá pra ver que por aqui
passou um anjo.
Por aqui passou um anjo
combatendo
a imobilidade das coisas.
Com sua espada flamejante
- comprada em oferta
com a máscara de Batman -
foi transmutando em cacos e farelos
tudo que vive triste
de não ser tocado.
Aqui passou o anjo Gabriel
com seus três anos de sabedoria
e nada ficou no lugar
ao sopro desse vento
teimoso como a vida.
28/10/10