quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Registro 387: Lembrar para não esquecer


Confesso minha ignorância. Não sei quem é Rogério Gentile. Sei que escreve no jornal Folha de S. Paulo. Do jornal retirei o seu texto (publicado em 26 de janeiro de 2012) que reproduzo aqui. Leia. Posso afirmar que conheço Daniela Toledo do Prado, pois desde que foi acusada de maneira estúpida por uma médica despreparada para o exercício da função, ou equivocadamente zelosa, acompanho o calvário de Daniela. Nada pode reparar o que fizeram com esta mãe, cujo destino trágico remonta ao das tragédias gregas. Nem a minha solidariedade, nem a de ninguém poderá refazer o estrago que fizeram em sua vida e de seu filho. Mesmo assim sou solidário. Extremamente solidário. O texto de Gentile me assombra a cada parágrafo e somente os insensíveis da pós-modernidade podem se dar ao luxo de dormir tranquilos sabendo de uma existência torturada como a de Daniela. O último parágrafo me deixa quase mudo, tal a estupidez do Estado, mais uma, não querendo reconhecer o que infligiram a Daniela Toledo do Prado. O Estado é responsável. O que faço aqui é lembrar, lembrar para não esquecer. O texto de Gentile é preciso.

INJUSTIÇA BRASILEIRA

 Rogério Gentile

 Daniela Toledo do Prado tinha 21 anos quando foi acusada por uma médica, em uma sala de emergência, de cometer um crime pavoroso: matar a própria filha, uma criança de um ano e três meses, com uma overdose de cocaína.

Em estado de choque, sem conseguir dizer quase nada em sua defesa, foi presa e levada pelos policiais, sob gritos de "vagabunda", para a cadeia, onde foi espancada.

Seu rosto ficou desfigurado. Teve a clavícula e a mandíbula quebradas. Perdeu a audição do lado direito -uma das detentas enfiou e quebrou uma caneta em seu ouvido. Apesar dos gritos, ninguém a socorreu e, somente após duas horas, foi levada, em coma, para o hospital.

Trinta e sete dias depois, porém, foi solta quando um laudo provou que não era cocaína o pó branco achado na mamadeira e na boca da menina. Mesmo assim, a Justiça só a absolveu em 2008, dois anos após perder a filha e, como ela costuma dizer, a sua própria vida.

Desempregada, evita até hoje sair de casa sozinha por medo de apanhar em razão da repercussão do caso -era chamada de "monstro da mamadeira". Toma antidepressivos, assim como seu filho de oito anos; diz sofrer dores fortes na cabeça e convulsões. "Não me esqueço do delegado. Dizia ter aberto o corpo de minha filha, que estava cheio de cocaína."

Embora terrível, o caso de Daniela não é uma exceção no Brasil. Cerca de 205,5 mil pessoas, ou 40% do total, estão encarceradas, muitas há anos, sem julgamento. São os chamados "presos provisórios", confinados frequentemente nas mesmas celas de criminosos condenados.

Quantos, de fato, são culpados e deveriam mesmo estar presos? Impossível saber. Os que um dia conseguirem provar sua inocência poderão recorrer à própria Justiça em busca de indenização. Daniela, após tanto sofrimento, conseguiu. Ganhará módicos R$ 25 mil e uma pensão mensal vitalícia de R$ 414. Isso, claro, se o governo Alckmin, que nega culpa do Estado no episódio, não conseguir reverter a decisão.