segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Registro 285: Monólogos

Na dramaturgia, seja ela nacional ou internacional, encontram-se belas e inesquecíveis peças, tanto por suas qualidade formais quanto por seu conteúdo que demonstram para nós mesmos o que somos. Penso que conteúdo e forma se completam. Mas esse registro não tem como objetivo entrar em tal discussão. O que pretendo ressaltar aqui são alguns monólogos que me tocam, aqueles que não consigo esquecer. Vez em quando retorno às peças esperando o momento em que o monólogo se apresenta. Outras vezes leio somente o trecho e me dou por satisfeito. Essa leituras desencadeiam em mim uma série de sentimentos e reflexões.

Alguns desses monólogos que passo a transcrever já ouvi na voz de de intérpretes em encenações ótimas, boas e ruins. Mas isso não vem ao caso. Ou melhor, as ruins eu esqueci. No entanto o texto permanece, o texto escrito. Outros monólogos, tomei conhecimento pela leitura da peça. Eles serão publicados sem a preocupação didática. Portanto, não haverá coerência como relação aos genêros nem ao tempo histórico nem a estética que a peça se filia. A escolha é subjetiva; surge pelo avivamento da memória ou porque, repentinamente, o texto se avulta na confusão das estantes e o olho é chamado a vê-lo.

Os monólogos que abrem o registro fazem parte da peça Tio Vania de Anton Tchecov (Editora Veredas, 1994), escrita em 1897. Um é de Astrov, no primeiro ato. O outro é de Sonia no quatro e último ato da peça .

  • VOINITSKII (rindo) Bravo, bravo! Tudo isso é encantador, mas nada convincente, portanto (a Astrov) nos permita, amigo, que continuemos usando madeira para aquecer nossas estufas e construir nossos celeiros.
  • ASTROV Você poderia aquecer a estufa com turfa e construir o celeiro com pedras. Está bem, que seja, você pode cortar a árvore quando precisar... mas para que destruir as florestas? As florestas russas rangem sob os golpes de machado, milhões de árvores são derrubadas, os lares dos animais selvagens e dos pássaros são revirados, os rios se esgotam e secam, desaparecem para sempre as paisagens maravilhosas... somente porque não passa pela cabeça do homem preguiçoso dobrar as pernas e catar a lenha no chão. (A Ielena Andréievna.) Não tenho razão minha senhora? É um bárbaro insensato aquele que queima na estufa a beleza, destrói aquilo que somos incapazes de criar. O homem foi dotado de juízo e força criadora para que multiplicasse aquilo que lhe foi entregue, mas até agora nada criou, apenas destruiu. A cada dia as florestas minguam mais e mais, os rios se esgotam, a vida selvagem se extingue, o clima fica mais adverso e a terra cada vez mais se torna pobre e feia. (A Voinitskii.) Seu olhar é irônico e acha que eu estou falando besteiras... Talvez haja, de fato, algo de excêntrico nisso tudo, mas quando passo pelos bosques dos camponeses que salvei da destruição, ou quando ouço o sussurrar do bosque jovem que plantei com as próprias mãos, então sei que o clima depende um pouco de mim também, e se dentro de mil anos o homem for feliz, então eu também contribuí com uma pequena parcela para isso. Quando planto uma muda de bétula e mais tarde a vejo verdejante, agitando-se ao vento, minha alma se enche de orgulho e eu... (Percebe o criado, que lhe traz um copinho de vodca numa bandeja.) Mas... (Bebe.) Tenho de ir. Afinal de contas, tudo isso não passa de excentricidade. Meus respeitos! (Parte em direção à casa.)
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  • VOINITSKII (Sonia, afagando-lhe os cabelos com uma das mãos.) Que peso sinto no peito, criança querida! Oh, se soubesse que peso!
  • SONIA O que se pode fazer? Viver é preciso! (Pausa.) E nós viveremos, tio Vania, viveremos a longa, longa sequência de dias e de noites. Suportaremos com paciência os golpes do destino; trabalharemos sem descanso pelos outros, agora e na velhice, e quando chegar a nossa hora morreremos em paz, e lá, além do túmulo, diremos que sofremos, choramos, tivemos muitas tristezas, e Deus então se apiedará de nós, e ambos - você e eu, querido titio - conheceremos uma vida maravilhosa, cheia de luz, a alegria nos invadirá, e olharemos com um sorriso emocionado nossa infelicidade de agora - e descansaremos. Tenho fé nisso, titio, creio ardentemente, apaixonadamente... (Ajoelha-se diante dele e apóia a cabeça em seu braço; com a voz cansada.) Descansaremos. (Teleguin toca o violão suavemente.) Descansaremos! Ouviremos os anjos e contemplaremos o céu cravejado de diamantes e veremos que toda a maldade terrestre, todos os sofrimentos, mergulharão na misericórdia que encherá o universo, e nossa vida será tão tranquila, terna e doce quanto uma carícia. Eu creio nisso, eu creio... (Com o lenço enxuga as lágrimas do tio.) Pobre, pobre tio Vania, você está chorando... (Entre lágrimas.) Você não conheceu a alegria em sua vida, mas espere, tio Vania, espere... Descansaremos... (Abraça-o.) Descansaremos! (O guarda-noturno matraqueia. Teleguin toca suavemente. Maria Vasilievana faz uma anotação na margem do folheto; Marina tricota a meia.) Descansaremos! (A cortina desce lentamente.)