Texto publicado no Facebook em 19 de outubro de 2015
Tinha como propósito escrever sobre a decisão da Comissão de Direitos
Humanos de proibir a presença de homossexuais em templos evangélicos e
católicos. Mais uma insanidade comandada pela tropa nazifundamentalista
encastelada na Comissão, por uma conluio entre as forças progressistas
(?) e direita mais xiita deste país sem jeito. Um descuido, e a qualquer
hora vão obrigar o uso do triângulo rosa na lapela. Assim fica mais
fácil apedrejar os indesejados. Mas não vou dar trela a essa gente
estúpida que anda com vontade de poder. Vade retro!
Quero falar mesmo é do poeta que faria 100 anos no dia de hoje, o
poetinha Vinicius de Moraes, de quem guardo uma lembrança inestimável. O
que relato aqui faz parte das minhas memórias, mas contá-lo ele se
torna história.
Corria o ano de 1974. Por volta de novembro, fui convidado pelo diretor
baiano Álvaro Guimarães para compor o elenco de As Feras, texto de
Vinicius de Moraes a ser produzido por sua mulher na época, a atriz
Gesse Gessy. Eu acabara de fazer Titus Andronicus, a tragédia de
Shakespeare encenada na Escola de Teatro da UFBA sob a direção de José
Possi Neto e com planos de residir em São Paulo para fazer carreira como
ator. Um sonho acalentado desde criança, quando vi os primeiro filmes
no Cine Teatro Cliper em Ipirá, propriedade de meu pai.
Ainda que o papel em As Feras fosse pequeno, eu desejava trabalhar sob a
orientação de Álvaro Guimarães e em companhia de um elenco de atores
baianos experientes, Jurandir Ferreira, Mário Gadelha, Waldemar Nobre,
Fernando Lona, Armindo Bião, entre outros. O elenco feminino contava com
Gesse Gessy como protagonista e a competentíssima Sônia dos Humildes.
Completavam o elenco, a jovem Hebe Alves, Carlos Nascimento e eu.
A ação de As Feras se passa no Rio de Janeiro num canteiro em construção
reunindo operários nordestinos divididos em dois grupos rivais. Por um
flashback, o público toma conhecimento dos motivos do desentendimento
entre os grupos, causa de desfecho trágico.
Começamos os ensaios, com estreia prevista para meados de janeiro
estendendo-se por algumas semanas de fevereiro, num espaço cenográfico
criado por Calazans Neto em uma garagem situada à Rua dos Ingleses.
Fizemos as primeiras leituras sem que houvesse o ator para o personagem
Isaías Grande, o protagonista. O elenco sugeriu nomes, o diretor buscava
outros e duas semanas depois, Vinicius de Moraes foi ao ensaio. Ouviu a
leitura e ao final, a conversa sobre a falta do ator retornou. Depois
de escutar uns e outros, Vinicius surpreende todos nós dizendo que havia
um ator para o papel. Fez-se silêncio expectante e ele apontou para mim
afirmando que eu faria Isaías Grande.
Se para mim o impacto foi transtornante, para os meus colegas foi como
se uma bomba estourasse na sala. Ninguém disse nada, até que eu aleguei
não ter a idade para o personagem; que eu era um ator recém-saído da
Escola. Usei de outros argumentos, mas não houve jeito. Aceitei a
escolha do autor. Terminado o ensaio, tentei convencer Álvaro Guimarães
de esquecer tal empreitada. Em vão. Fui para casa. Durante o trajeto,
mesmo tempo temeroso, eu me sentia envaidecido. Mas a pergunta fatal
rondava. E se eu não desse conta do papel? Conciliar o sono foi uma
barra. Ao acordar disse para mim mesmo que agarraria a oportunidade com
unhas e dentes.
Na estreia, ao findar o espetáculo, o poeta veio até mim e me abraçou
afetivamente elogiando a minha atuação. Soube então que eu dera conta do
recado. Ao escrever sobre As Feras, Sostrátes Gentil não poupou elogios
ao meu trabalho e aproveitou para comentar o meu desempenho em Titus.
Logo depois, passando férias em Salvador, o diretor paulista Emílio Di
Biasi comentou meu desempenho para Possi e este revelou que eu estava de
viagem marcada para São Paulo com o intuito de fazer teatro. Pronto,
ganhei meu passaporte. No final de fevereiro desembarquei em Sampa e
tive o maior apoio de Emílio. Ele veio a ser um dos grandes amigos
paulistanos.
Sou devedor do poeta. A ele, minha homenagem e gratidão no dia de seu
aniversário. Cito Vinicius “Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se
reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não
tenham nada em comum, somente compartilhar as mesmas recordações, pois
boas lembranças, são marcantes, e o que é marcante nunca se esquece! Uma
grande amizade mesmo com o passar do tempo é cultivada assim!’’