segunda-feira, 2 de junho de 2008

Registro 138. Ao meu amigo Rubem Rocha Filho



Não estás aqui! A estranha bruxa da Memória vê
Em cadeiras vazias tua imagem ausente,
E aponta onde sentaste, onde agora deverias estar
Mas não estás.
Shelley


RUBEM ROCHA FILHO (1939-2008)

Toda a teatralidade cabe em uma voz

WILLIAN VIEIRA

Era um "tipo popular" no Nordeste o tal Rubem Rocha Filho. Quase todo pernambucano, em algum momento da vida, travou contato com ele -ao menos com sua "voz de teatro", que emprestava a filmes e peças, campanhas políticas e comerciais de TV. "Tinha o poder da palavra."

Havia até quem com ele aprendeu a ler, nos livros infantis como "Tilico no Meio da Rua". Por isso ligavam os fãs para o programa "Sexta Cultural", em que o autor batia papo com convidados; era para dar parabéns, prestar homenagem ou contar alguma grande história de vida.

A dele não era menor. Carioca formado em ciências sociais, foi logo fazer teatro, dizia, até com Cacilda Becker. Até aceitar o convite para dirigir no Teatro Popular do Nordeste, em 1968. Fez mestrado nos Estados Unidos, doutorado na Inglaterra e, após uma década de 70 à inglesa, escrevendo programas para a BBC de Londres, voltou a Pernambuco.

Dirigiu peças como "O Anjo Azul", atuou em filmes como "Baile Perfumado" e se entregou à "Paixão de Cristo", evento teatral de Nova Jerusalém (PE) -"o maior espetáculo da terra, no maior teatro ao ar livre do mundo". Mas Rocha Filho temia a velhice. Há três anos, após ser premiado em um concurso sobre maturidade, enxotou o discurso da melhor idade. "Só temos medos: solidão, doença, abandono". Morreu quarta, aos 68, de falência múltipla dos órgãos. Solteiro, não tinha filhos.
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Folha de S. Paulo, 2 de junho de 2008.

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Parem os relógios
Cortem o telefone
Impeçam o cão de latir
Silenciem os pianos e com um toque de tambor tragam o caixão
Venham os pranteadores
Voem em círculos os aviões escrevendo no céu a mensagem:
"Ele está morto"

Ponham laços nos pescoços brancos das pombas
Usem os policiais luvas pretas de algodão.

Ele era meu norte, meu sul, meu leste e oeste.
Minha semana de trabalho e meu domingo
Meu meio-dia, minha meia-noite.
Minha conversa, minha canção.

Pensei que o amor fosse eterno, enganei-me.
As estrelas são indesejadas agora, dispensem todas.

Embrulhem a lua e desmantelem o sol
Despejem o oceano e varram o bosque
Pois nada mais agora pode servir.

W.H. Auden