sábado, 24 de janeiro de 2009

Registro 233: Alinhavos sobre o cotidiano cultural

Tomou posse o novo diretor da Fundação Gregório de Mattos, prometendo “descentralização e deselitização da cultura”. O chavão me dá arrepios. Ao que parece, vamos ter mais uma onda populista na área cultural. Embora o governo municipal esteja em rota de colisão com o estadual, parece que o discurso se afina quando a questão é a Cultura. Identidade preocupante.

Mas vamos lá: uma das ideias do diretor é construir o Teatro Municipal na Praça Castro Alves. Em uma cidade com poucos teatros, a iniciativa é oportuna. Espera-se que o futuro Teatro Municipal não sirva apenas para ser palco de eventos que veem de fora, mas dê espaço para as produções teatrais, coreográficas e musicais geradas aqui na soterópolis. Ah, e que saia do papel.

Um teatro nas imediações da Ladeira Montanha pode contribuir para a revitalização do logradouro, mas isso por si só não garante a mudança da relação que a população tem com o local. Para que a área passe a ser aceita como um local vivo e atraente é necessário muito mais que boas intenções. Cabe ao poder público planejar e executar ações que facilitem o acesso dos interessados ao bens culturais; para isso é preciso de transporte público fácil, rápido, constante e cobrindo horários mais avançados, já que as atividades artísticas muitas vezes terminam mais tarde que o horário de funcionamento do transporte coletivo. Depois disso, pensar e efetivamente em tornar o lugar seguro, o que atualmente não é. Em determinados horários, caso não se tenha transporte particular, ir ao Espaço Unibanco Glauber Rocha é uma temeridade. Depois das 18:00 h, o centro da cidade fica despovoado. Uma cidade fantasma com seus velhos e belos edifícios, ruas sombrias, nenhum restaurante, bar ou lanchonete decente. Além disso, o fedor de urina e fezes impregnado nas calçadas causa mal estar. Uma tristeza!

Mas antes do Teatro Municipal, por que não inaugurar efetivamente o Centro Cultural da Barroquinha? A obra encontra-se em processo de deterioração, depois do eleitoreiro e falso ato inaugural, quando da campanha para reeleição do péssimo prefeito que aí está. Como não entendo dos jogos políticos partidários,que favoreceram a reeleição, deixo de emitir opinião. Mas sinto que algo não cheira bem nessa esfera de alianças e jogadas. É certo que alguns eleitores foram conduzidos às urnas animados com a maquiagem das calçadas da Barra, já em processo de desgaste, visto que a execução foi apressada e de segunda. E não falo isso por conta da montagem das arquibancadas e postes de iluminação para o carnaval, a tal infraestrutura. Muito antes, constatavam-se fissuras enormes no cimento e nos recortes decorativos da sem-graça calçada. Pode-se imaginar como o local vai ficar depois do carnaval. Mas não vamos ser alarmistas.

O Centro Cultural da Barroquinha precisa de um projeto desenvolvido por uma equipe de gestores culturais que entendam do riscado e não fiquem por aí arrotando um discurso que não se efetiva de fato. Acreditamos que esse projeto exista e corresponda não somente ao espaço, mas se abra para as manifestações que dialoguem com tradição e a contemporaneidade nas artes, sem tanta ideologização, como vem acontecendo nos diversos setores da vida artístico-cultural. Esse Centro Cultural deve se abrir para a diversidade e não privilegiar apenas um segmento.

Entre os projetos do recém empossado diretor está a construção da Pinacoteca Municipal. Outra ideia louvável, mas equivocada por conta do lugar escolhido para sua instalação, o Teatro Gregório de Mattos. O belo espaço projetado por Lina Bo Bardi foi deixado às favas e nos últimos anos não cumpriu com sua função. No seu interior instalou-se um boteco de segunda categoria, as exposições não tinham sequer uma curadoria e o espaço estava sendo tratado de qualquer jeito, afastando de lá os espetáculos e os espectadores. Hoje fechado, pretende-se então transformá-lo numa Pinacoteca; um equívoco. Pelo seu tamanho, o edifício não comporta uma pinacoteca, que requer não só espaços para exposição do seu acervo, como locais para exposições temporárias, além de reserva técnica, centro de restauração, setor educativo, biblioteca e salas para abrigar os técnicos, a diretoria e tudo mais que esse tipo de instituição precisa para funcionar de fato e de direito. Ou não existe acervo suficiente para espaço mais adequado ou o que vemos é mais um jogo de cena. Palavras ao vento.

Por que não reformar o Teatro Gregório de Mattos, equipá-lo e colocar à sua frente alguém que entenda de administração de espaços culturais, como um teatro? O edifício está ali a espera de revitalização, para ser oferecido como mais um espaço para abrigar os espetáculos que precisam de pequenos teatros. O modulável projeto de Lina Bo Bardi não pode ser o que não é. Com tantos edifícios desocupados e com perfil mais apropriado para uma Pinacoteca, escolhe-se o Teatro Gregório de Mattos para o seu destino. Tem alguma coisa errada nisso tudo ou não tem? Deixo que o leitor responda.

Outra coisa questionável é somente pensar em Oscar Niemeyer como o arquiteto para o projeto do Teatro Municipal. Nada contra o nosso grande e criativo e superlativo Niemeyer. Ele já nos deu inúmeras provas de sua sensibilidade e competência, ainda que tenha cometido seus pecadilhos. Mas como o assunto aqui é outro, não cabe levantar alguns equívocos do querido arquiteto, reconhecido internacionalmente por sua competência. Ele certamente fará um belo projeto. Ainda assim, deveria se dar oportunidade aos novos e competentes arquitetos, para que eles possam mostrar suas propostas. Arquitetos que saibam fazer teatro, que conheçam o que é um palco e suas áreas necessárias para a montagem de espetáculos e circulação de artistas e técnicos. A maioria dos teatros construídos no país apresentam falhas devido o desconhecimento por parte dos responsáveis do que seja um palco.

Ficamos livres do Museu Guggenheim, lembra-se, caro leitor? Agora teremos uma obra faraônica na encosta.

Já que estou comentando sobre planos, projetos e que tais do governo municipal, aproveito para indagar aos administradores estaduais: por que o Passeio Público encontra-se tão abandonado? E a reforma do Palácio da Aclamação, ficou pela metade?

Outro dia fui ao Teatro Vila Velha para ensaiar. Como cheguei pouco antes do horário marcado, aproveitei para andar pelo Passeio Público, um dos belos espaços que esta cidade tem, mas relegado ao abandono: calçadas, canteiros, estátuas e fonte, destruídas; árvores apodrecendo sem que se tome uma providência, fios cruzando de um poste a outro de qualquer jeito, gramado seco, descuidado. Uma pena. Se olharmos as pinturas e as fotos antigas que retrataram o lugar desde sua fundação, veremos que o Passeio Público foi relegado ao descaso por parte da administração estadual, fato que não se dá na gestão atual. Ali também se encontra uma construção, cuja parede da frente traz escrito “Teatro Popular”, imagino ser a sede de algum grupo ou mesmo um Teatro. Mas olhando pelas vidraças quebradas vemos uma platéia e um pequeno palco, ambos empoeirados, prova de que o lugar não oferece condições mínimas para que se façam atividades. Ao deparar-me com o local, perguntei-me sobre o motivo do abandono. A construção poderia cumprir seu papel, desde que fosse adaptada para as atividades teatrais. Um espaço desperdiçado a espera de alguém com vontade de transformá-lo em um teatro pequeno e bem equipado.

Olhei as ruínas e segui em frente, mas não indiferente ao que via. Aquele espaço no fundo do Palácio da Aclamação está pleno de possibilidades. Andei guiado pela vontade de vê-lo transformado. Fiz planos. Imaginei. A mente tem espaço para esse exercício de criação. Se não me engano, o poeta Manuel de Barros disse: o que eu imagino é o que existe. Tomo as palavras do poeta para dizer que aquilo que imaginei para o Passeio Público e para o tal Teatro Popular existe como uma imagem fortemente viva porque nela acredito.