sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Registro 118: Poesia de um amigo

Fragmentos de uma Vingança Conjugal

Rubem Rocha Filho

Diante do brócolis todo partidinho no prato, minha concentração búdica...

Vejo Wanda comendo sua banana.

- “Anti-cancerígeno” - eu explicara.

Ela mastigava o alimento e apaziguava a aflição pela saúde, pela imortalidade até.

Conseguiria driblar a doença que levara tantos na sua família?
Mas o câncer que acabou com a mãe percorreria outras teias de traição, de sonhos de amor carcomidos (Lizt distante ao piano) de um fiel orgulho espezinhado, fatalmente os lanhos na carne aberta – o despudor do adultério do marido revelado.
Se precipitou irreversível, algo como dois meses – veloz a flor nas entranhas – de quem já ultrapassara os 80 anos; foi enfraquecendo, sem sangue, sem estima.
No entanto, ainda esboçou a vingança: um encontro clandestino com o namorado da juventude.
A
velha confidente e dentista dos anos 40, se dispôs a agenciar a troca de carícias desajeitada, quase grotesca, sussurrada ao telefone, de sexualidade há muito extinta.
Primeiro a confeitaria em Copacabana; depois o apartamento de pesadas cortinas, à espera do inquilino, à meia luz.
Nada disso se cumpriu.
Ficou a imensa ausência, a decepção povoada de culpas, a ânsia de se aferrar a vida, nem que fosse num rastro de revanche, enrugada e seca, a linha dos lábios sempre trêmula, no dente o batom vermelho, a raiz branca do cabelo, as pontas dos dedos incapazes de aderir.

Boa Viagem, março 2007