domingo, 26 de outubro de 2014

Registro 461:Bom teatro para se ver




Faz tempo que não vejo um espetáculo tão inventivo e bem realizado como "E se elas fossem para Moscou", direção de Christiane Jatahy, baseado em "As três Irmãs" de Anton Tchekhov, uma dos acontecimentos do Festival Internacional de Artes Cênicas - Bahia. A mecânica da encenação se dá de maneira orgânica e todas as opções da direção nos levam para o interior da montagem. Não há sobras nos efeitos cênicos construtores de uma teatralidade fortemente marcada por rupturas. Esgarçamentos que se integram de maneira que possamos acompanhar atentamente a ação desencadeada pelas três maravilhosas intérpretes coadjuvadas por atores/técnicos. Tanto eles quanto elas são encarregados juntamente pelos deslocamentos do cenários, dos objetos e da filmagem, bem como da trilha sonora. Ao mesmo tempo em que a cena acontece em tempo real, noutro espaço, outro grupo de espectadores acompanha aquilo que vai sendo registrados pela câmeras. Estes lugares e a interação entre duas linguagens traduzem as preocupações da encenadora, a revelação dos não lugares interiores e dos exteriores. Como no texto "As três irmãs", o desejo de mudança se configura sem que se realize. Moscou, o sonho de uma nova vida, o salto no abismo, se apresenta como uma possibilidade, mas a sua não concretização desencadeia a angústia das personagens dissecadas a cada instante. Ao dizer sobre a angústia não afirmamos ser o espetáculo um mergulho no drama. Como em Tchekhov, a vida se arrata entre grandes e pequenos gestos, ora tensos, ora cômicos. Entre os felizes achados da encenadora ressalto a envolvente festa de aniversário momento em que o público deixa de ser espectador para fazer parte do drama, como convidados da festa da aniversariante Maria (Macha na versão russa) remetendo a princípios do realismo histórico relido sob as lentes da contemporaneidade reveladora de signos que se movem todos na mesma direção. Vale conferir "E se elas fossem para Moscou" um teatro filho do tempo e da história, uma leitura originalíssima de "As três irmãs", demonstração da atualidade do autor, ele que nos legou textos profundamente humanos. "Para Moscou, para Moscou" a fala final do original, ainda que não seja dita em cena, fica ressoando em nossas mentes, E nós que desejamos as nossas idas para Moscou somos empurrados pelo passado e assustados diante da vertigem do futuro...Pra Moscou 

domingo, 31 de agosto de 2014

Registro 460: Um bom programa


CINE-TEATRO ESCOLA
Escola de Teatro - UFBA

http://cineteatroufba.blogspot.com.br/

Abertura, 8 de setembro às 18h
Teatro Martim Gonçalves

sábado, 19 de julho de 2014

Registro 458: Legado de João Ubaldo



Não escreverei sobre João Ubaldo. Seus amigos disseram tudo o que tinham para dizer sobre este escritor que nos deu "Viva o povo brasileiro". Eu quero agradecer ao João. É assim que vou tratá-lo de agora em diante. Valho-me da condição de baiano para tomar tais intimidades com alguém do porte dele. Mas João não era homem de pabulagens (para quem não conhece o vocábulo, segue o que diz o Houaiss: confiança excessiva em si mesmo; fatuidade, presunção,atitude de quem conta bravatas; fanfarrice). Por este motivo tomo confiança.


Mas eu disse inicialmente que não escreveria sobre este autor que vindo de Itaparica, o amor que fica, nos deixou um texto profundamente coerente e crítico sobre as maluquices que rondam a nossa vida aqui na pátria amada, idolatrada, salve, salve.


Em "O correto uso do papel higiênico" (A Tarde, 19.07.2014), ele coloca o dedo na pretensão que setores da sociedade civil, mancomunados com o poder federal em suas diversas instâncias, insistem e, às vezes conseguem, em normatizar a vida com sua leis. E o escritor enumera as que estão em vigor, como a tal leia da palmada, a proibição de venda de doces e outras guloseimas ajuntadas com brindes, entre outras.

Se assim continuarmos, diz o João Ubaldo: "Não parece estar longe o dia em que a maioria das piadas será clandestina e quem contar piadas vai virar um espécie de conspirador, reunido com amigos pelos cantos e suspeitando de estranhos."

E ele segue de maneira humorada apontando os possíveis hábitos, comportamentos e etc. que podem ser regulamentados por lei. Por fim, João conclui:

"Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama, precatem-se".

Nada mais sábio nos deixa o João, amigo de Glauber e de Luiz Carlos Maciel quando este vivia na pensão de Dona Lúcia.

Eu estou com João e também com Jô Soares quando diz:

"Politicamente correto é a coisa mais careta, mais reacionária que tem."

Coitado do povo brasileiro! Também, sem educação, cai em cima dele a coerção. Haja lei!

quinta-feira, 27 de março de 2014

Registro 454: O DIA DO TEATRO

Não é o dia do ator, mas o dia do teatro, 27 de março. Um dia que vai findando, mas nesta hora em que muitos artistas estão no palco, cabe ainda homenagear do Dia do Teatro com o poema de Brecht.


VOCÊS VIERAM FAZER TEATRO?PRA QUE??

Brecht

Vocês vieram fazer teatro. Uma pergunta: para que?
Vocês vieram mostrar ao público o seu talento, então vocês se apresentam como fenômenos…
 Do público, vocês esperam que ele aplauda vigorosamente, arrebatado de seu mundo para vasto universo, provando com vocês a vertigem das grandes alturas e as paixões em seu paroxismo.
 Mas agora uma pergunta: Pra que?
 Lá embaixo, na plateia, uma questão explode:
 obstinadamente  alguns exigem
 que vocês não se limitem  a se exibir
 mas lhe mostrem o mundo.
 De que nos servem, dizem eles,
 Ver sempre como fulano sabe ficar triste
 e beltrano cruel,.
 ou o rei perverso que cicrano interpreta?
 Qual o objetivo dessa eterna exposição de
trejeitos  e convulsões de alguns indivíduos?
 Você, ator, deve,  antes, de qualquer um,
 dominar a arte de observar (…)
E seu aprendizado deve começar entre os homens.
 Que sua primeira escola seja seu lugar de
 trabalho, sua casa, seu quarteirão.
 E a rua, o subúrbio, as lojas.
 E ai observe cada um.
O estranho como se ele fosse conhecido
 e  o conhecido como se fosse estranho (…)
 E observa mal quem de suas observações
 não  sabe o que fazer.
 E ninguém consegue uma visão precisa do homem
 Se ignorar que o homem é o destino do homem (…)
 Assim, vocês podem, atores
 aprendendo e ensinando, por seu trabalho criador,
 intervir em todas as lutas dos homens do seu tempo.
 E também, pela seriedade do estudo e serenidade do conhecimento,
 ajudar, a fazer da experiência

 da luta pelo bem de todos e da justiça, uma paixão

sábado, 8 de março de 2014

453: Sobre o carnaval em SalvaDOR

Comentar o carnaval em Salvador é chover no molhado. Há os que gostam incondicionalmente e não estão nem aí para os desmandos das empresas que visam somente o lucro, cometendo abusos como impedir foliões de beberem a marca da sua cerveja preferida. E tudo isso com o aval do poder público avalizador dos desmandos.

Em nome da rentabilidade da festa, passam por cima de tudo e tudo permanece como "dantes no castelo de Abrantes". A cidade foi alaranjada sobre pressão, uma versão do capitalismo mais selvagem. E a pérola da "sabedoria" ficou por conta do cantor do Pisirico, ao dizer que sua música era uma resposta ao capitalismo. É capaz de virar tese de sociologia. Só rindo! Ah, os antropólogos do lugar também podem orientar teses sobre músicas e comportamentos carnavalescos.

Ninguém precisa ser um estrategista para ver que o circuito Barra-Ondina já não suporta a avalanche de camarotes, postos policiais, banheiros, barracas e outras parafernálias de prejudicam os moradores da região, a maioria ilhada durante mais de uma semana. Famílias, algumas com seus idosos e enfermos, muitas sem condições de sair da cidade são obrigadas a aguentar o mau cheiro, os decibéis dos trios, que de trios-elétricos não nem mais nada. 

As música que fazem sucesso são de uma baixaria atroz. Letras preconceituosas, rebaixam a mulher à condição de objeto. O pior é que muitas não conseguem perceber o teor machista e violento das letras. Não tenho nada contra a festa da carne, carnaval é isso mesmo. Mas ultrapassamos o limite da civilidade. Tudo é de uma grossura extremada. Somente um cérebro de ostra, desejoso do sucesso a qualquer preço faz uma coisa chamada Lepo lepo.

Alguns textos foram escritos sobre a festa. O do jornalista Chico Castro Jr. é muito bom, publicado na edição de 02 de março.. Cito o último parágrafo:

"Mas como um exemplo, deixo uma reflexãozinha rápida e certeira sobre Raiz de Todo Bem, hit de Saulo Fernandes. nada contra o rapaz. Até aprecio sua vibração caymminiana-hipster-telúrica. Mas é que é estranho tanta gente bem informada deslumbrada com a música, como se fosse um prodígio de criatividade. Gente, olha só: em coisa de um minuto, o rapaz consegue rimar "África-iô-iô" (hein?) com "Salvador" e "meu amor". "Fé" com "candomblé". E "Nordeste" com "caba da peste". Precisa mesmo dizer mais?"

E o que dizer da canção  "essa mulher quer montar em cima do meu cavalinho, mas quem dá palmadinha sou eu"? 

Hoje,  8 de maio, o jornal A Tarde publicou três textos sobre o carnaval. Luiz Mott. Walter Queiroz Jr. e Dimitri Ganzelevitch escrevem sobre o carnaval. São visões diferenciadas, cabendo ao leitor apreciá-las criticamente.

O circuito do Campo Grande até a Praça Castro Alves vai sendo morto a cada ano. O circuito já não dá tanta grana.

Chega! Em junho tem mais carnaval. Mas junho não se faz os festejos joaninos? Tolice. Todas as medidas são tomadas nos gabinetes e implantadas de maneira autoritária, não importa o partido no poder. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Registro 452: Pensamento lúcido e esclarecedor

BRASIL EMBRUTECIDO[1]

Jânio de Freitas

           Um homem espera, sozinho, o ônibus que o levará para casa. Dois carros param diante dele. Os homens que descem o massacram furiosamente com barras de ferro. Até reduzi-lo a um monturo de sangue e carne sem vida. Entram nos carros e vão embora.
           A fúria assassina desses agressores está abaixo da mais primitiva desumanidade. Mais uma briga de torcida, como disse a notícia? "Torcedores do São Paulo agrediram um torcedor do Santos, que morreu." Nem como hipótese.
           Estamos, no Brasil, em um agravamento da brutalidade que não cabe mais nos largos limites do classificável como violência urbana. E não basta dizer que nada é feito contra tal processo. O que se passa, de fato, é que nem sequer o notamos. Convive-se com o agravamento como uma contingência incômoda, em seus momentos mais gritantes, mas natural, meras desordens da desigualdade social.
           Nada a ver com a perversa desigualdade social. O homem massacrado por vestir a camisa do Santos era portador da desigualdade como o são os monstros que vestiam a camisa do São Paulo. Os bandos criminosos que voltaram a digladiar-se em algumas favelas do Rio formaram-se e vivem nas mesmas misérias da desigualdade social.
           O agravamento da brutalidade no Brasil é um processo em si mesmo. E não está só nos territórios da pobreza. A própria incapacidade de percebê-lo é um sintoma do embrutecimento sem distinções sociais, econômicas e culturais. Outros sintomas poderiam ser notados – na deseducação, no rebaixamento individual e coletivo dos costumes, em muito do que os meios de comunicação tomam como modernidade, na política. Até onde a elevação do trato entre suas excelências parecia inexaurível – no Supremo.
           Um homem espera um ônibus que o levará para casa. Onde nunca mais chegará. E onde o esperavam um filho de meses e a mulher. Mais uma banal tragédia para duas pessoas, às vezes são quatro, podem ser sete nas casas dos Amarildos? Sem interesse político para explorá-lo, será só isso mesmo, "mais uma briga de torcida que acaba em morte". É, no entanto, um gigantesco questionamento ao país e à sua perdição cega e surda, embalada pela degeneração de suas "elites", todas elas.
         Briga de torcida? Bandos de criminosos estão agora atacando a polícia, no que assim representa a segunda fase --a da reação-- do programa de UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora cuja instalação em cidadelas do crime restaurou muito do Rio. No país todo, qualquer incidente, inclusive se provocado por bandos criminosos em disputa, leva à interrupção de ruas e estradas, incêndios de ônibus e carros, já também de moradias destinadas à própria pobreza. A internet convoca sem cerimônia e sem restrição para violências, não lhe bastando os brasileiros, também contra os estrangeiros que venham à Copa e até contra times.
           À espera do ônibus ou dentro do carro, branco, negro, pobre, rico: o Brasil se embrutece. E o Brasil nem sequer se nota.



[1] Folha de S. Paulo, 26 de fevereiro de 2014.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Registro 450: Uma medida irresponsável

O governador da Bahia, Jaques Wagner, liberou a venda de bebida alcoólica nos estádios, um comércio suspenso em todos os estádios brasileiros. Parece-me uma atitude movida pelo jogo do capitalismo selvagem, este que destrói valores e princípios em nome do vil metal.

Diante da violência constante das torcidas durante os jogos, causando ferimento e mortes, embriagar torcedores é estimular as agressões. É sabido que o álcool desencadeia uma série de comportamentos, entre eles o instinto agressivo que liberado sem reservas é letal. 

Não se sabe o que ocorreu para que a negociata fosse concluída, mas muita água rolou por debaixo da ponte, ou seja, grana, muita grana. 

Vai aqui o meu protesto.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Registro 449: Vamos descendo ladeira abaixo

O texto aqui reproduzido pelo seu valor reflexivo, é de autoria de um artista-pedagogo. Seu olhar crítico nos faz pensar sobre o que estamos fazendo, ou melhor, o que não fazemos. Tenho vivido tal situação na cidade onde vivo, Salvador, no condomínio onde resido e, como artista-pedagogo tento de alguma forma alertar para esta situação. No entanto, constato que a realidade descrita no texto de Zecarlos Andrade não chama a atenção da maioria que aceita tudo como está. Quando comento a situação caótica e desrespeitosa, as palavras perdem-se no vento. O texto é longo, mas vale a pena dar uma lida.



INFELIZ FUNK NOVO

Zecarlos Andrade

Sou santista de coração! Nasci na Gota de Leite, fui batizado no Montserrat, morei na Vila Mathias, mas há muito tempo subi a serra e vim para a capital. Neste final de ano, saindo das atribulações de São Paulo, desci para a Praia Grande em busca de um pouco de paz e sossego à beira mar. Adquiri há pouco tempo um apartamento que, pensava eu, poderia ser meu refúgio neste mundo conturbado.

A primeira e triste constatação foi que, apesar dos esforços diários dos garis, as praias estão imundas. Observo que as pessoas que as usam se incumbem de sujá-las, manifestando uma característica típica da cultura brasileira, que entende o coletivo como algo que não pertence a ninguém. O que deveria ser de todos, dá a impressão de não ter dono.

Crianças comem e jogam displicentemente os detritos na areia, ao lado de seus pais que, indiferentes, não vêm nisso nenhum erro. Afinal é tempo de férias! O lixo se acumula e os banhistas desviam-se de toda a sorte de imundice que vai sendo descartada sobre a areia até que com certa naturalidade, como se isso fosse normal. É evidente que essas crianças, ao fazerem isso e não recebendo de seus pais nenhum tipo de orientação, entendem, entenderão e passarão aos seus filhos a compreensão de que este é um procedimento considerado habitual, no qual o respeito pelas demais pessoas é algo que não merece ser levado em conta.

Essas crianças, desacostumadas a limites, crescem, tornam-se jovens que, com algum dinheiro no bolso e muita sede de poder e de consumo, transformam-se em pequenos transgressores que, ainda assim, aparentemente, não estão fazendo nada errado. Equipam os carros com caixas de som extremamente potentes e saem pelas ruas obrigando os demais cidadãos a se submeterem ao seu gosto musical: o funk.

O equipamento sonoro é uma forma evidente de demonstração de poder, pois quanto mais dinheiro houver em caixa, maior será a tecnologia empregada. Desnecessário dizer a esses jovens que esse capital seria muito mais bem aplicado em livros, cursos ou qualquer outro mecanismo que ampliasse os horizontes do conhecimento. O “funk” abomina o saber e quanto mais estúpido e ignorante for a sua cartilha, maior será o cordão de seguidores que professa a mesma fé.

Não sou retrógrado e nem reacionário. Apenas observo os fatos ao longo da história. O “rock and roll” quando surgiu, ao final da segunda da guerra, encontrou forte reação das camadas mais conservadoras, mas trazia em seu bojo uma semente de renovação que, infelizmente, não se percebe nesse novo ritmo. Percebemos apenas o som repetitivo, hipnotizante, monocórdico, pobre de melodia e se fosse só isso, não seria nada. As letras são uma apologia ao mau-gosto, à vulgaridade, ao sexo praticado descompromissadamente, no qual a parceira é como o salgadinho que se come na praia e, depois de se ter alcançado a satisfação individual, joga-se a embalagem fora, para que seja pisada pelos que passarem depois.

Ainda referindo-me às letras das pseudo-músicas, nota-se que o apelo é 100% sexual, demonstrando de forma evidente que esta questão permanece não resolvida para esses jovens. A mulher é colocada no mais baixo grau da serventia humana; nada mais do que um instrumento do prazer momentâneo, frequentemente chamadas de cadelas, vadias, piranhas e o vocabulário vai baixando o nível, até que se torna inegavelmente chulo. São essas mesmas jovens que mais tarde serão espancadas pelos seus companheiros, acostumados a sujar as praias e a maltratar animais. Costumo perguntar-me se esses jovens ouvem essas músicas em casa, ao lado de seus pais, para saber deles o que pensam a respeito. Acredito que não! Os pais quase não permanecem mais em casa e família é um conceito que está às beiras da extinção. 

Na poesia medíocre do “funk” alusões grosseiras ao ato sexual são corriqueiras. Aquilo que deveria ser um encontro de corpos em harmonia, nada mais é do que um exercício decadente do prazer pelo prazer, no qual o outro nem mesmo se parece com um ser humano e o que interessa mesmo é demonstrar uma artificial superioridade.

Apesar da grosseria nas relações sociais, da banalização do sexo, da degradação geral dos valores, os jovens, que começam comendo salgadinhos e jogando a embalagem na areia, acham que as demais pessoas são tiranamente obrigadas a partilhar das suas mazelas. O som, altíssimo, percorre as ruas, ou estaciona em frente aos prédios, porque afinal a rua é pública e isso quer dizer que não tem dono, concluindo-se portanto que estamos em um território onde tudo é permitido. Estacionam seus veículos a madrugada inteira, pouco importando se há alguém que deseje descansar.

Pobres jovens esses que comem salgadinhos e ouvem funk e que desconhecem que liberdade não é fazer tudo que se tem vontade, mas, sim, poder fazer tudo que a lei permite (E olhem que esse é um conceito iluminista do Século XVIII). Sem dúvida estamos nos embrutecendo e nos aproximando rapidamente da barbárie, se é que já não chegamos lá.

Enquanto ouvem o funk e entorpecem o espírito, os jovens lançam mão da bebidas e outros aditivos, para aumentar o prazer e torná-los ainda mais predispostos a agir por impulsos irracionais que, às vezes, terminam em tragédias. Vi inúmeros desses carros sonoros, depois de longa balada, partirem velozes e furiosos, dirigidos por adolescentes em visível estado de consciência alterado, ou, para que se entenda melhor: bêbados e drogados. Torçamos para que cheguem vivos em casa, se é que possuem uma...

Se cresce a onda de violência na baixada e aumentam os índices de criminalidade, não tenham dúvidas de que isso é uma reação em cadeia e que tudo começa lá atrás quando, inocentemente, em um dia de verão, come-se um salgadinho na praia e joga-se o papel na areia.

Pergunto-me: quais serão os valores que norteiam, ou nortearão a vida dessa geração funkeira, acostumada a impor sua vontade e desprezar a dos que estão à sua volta, entendendo que o mundo gira em torno do seu próprio umbigo. No momento em que esses jovens constatam que a realidade que os cerca é muito mais cruel e consiste em um conjunto de sistemas corruptos que eles mesmos ajudaram a construir é que se atravessa a última barreira da civilidade para ingressar no crime. Só não vê quem não quer que uma coisa leva à outra, considerando-se que a prática arbitrária de impor seu gosto aos demais, esbarra nos limites de uma lei que, apesar de agonizante, ainda existe e, quando cumprida, superlota os pobres presídios deste vasto país.

Quanto exagero pensarão alguns que se dispuserem a ler esta carta até o fim. “São apenas jovens se divertindo, ou melhor “zoando”... Depois isso passa...” – Enganam-se! Passar, passa, como passa tudo nessa vida, mas deixa sequelas cada vez mais profundas que vão, aos poucos, diante dos olhares complacentes, corroendo nossos alicerces de moralidade e minando as possibilidades de termos no futuro uma sociedade mais justa, mais sensata e mais equilibrada.

As autoridades parecem estar com as mãos amarradas e nada podem fazer para coibir esses abusos. Devem entender que diante de outras tantas questões mais graves, essa é de menor importância, sem no entanto perceber que um passo conduz ao outro nesse caminho, que se revela uma escalada em direção ao caos.

Não vejo outra solução para este problema que não passe pelo filtro da educação que, sabidamente, é uma das últimas preocupações dos nossos políticos. A classe que detém o poder, inteligentemente, sabe que se educar o povo, jamais será eleita com tanta facilidade. Deve ser por isso que há gente por aí dizendo que “o funk é a produção cultural de uma camada expressiva da juventude “ – Não caiam nesse engodo, caros leitores. Essa é apenas uma tentativa de fazer média para permanecer no poder, conquistando o voto desses jovens e mantendo-os na ignorância. Em assim sendo, tanto a política quanto as nossas praias continuarão sujas!