segunda-feira, 30 de abril de 2007

Registro 58: Interculturalidade

Meu avô era baiano,
O outro, alemão.
Meu padrinho era mulato,
Minha tia, loira de olhos azuis.
E os dois formavam o par
Mais lindo da minha infância.

Ivone Mendes Richter
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Epígrafe do primeiro capítulo do livro Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais. O texto é fundamental para os estudantes de arte, arte-educadores e outros profissionais da educação. Vale a pena passear pelas páginas da autora e ver como ela pensa o esnino das artes visuais na perspectiva da interculturalidade, com foco na estética feminina do cotidiano, tomando como base a escola e o contexto onde ela se encontra.
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RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003.

domingo, 29 de abril de 2007

Registro 57: Contribuição de Teresa Bilotta


Hora Extrema

Mario Le Sénéchal

À Carmen

Quando chegarmos ao fim desta jornada,
Cansados pela longa caminhada,
Vergados pelos anos e fadigas...
Trocaremos o beijo derradeiro,
Lembrando aquele – o primeiro –
Que fez nossas almas amigas.

Eu hei de ficar mudo nesse instante,
Fitando, comovido, o teu semblante,
Lembrando-te mocinha e venturosa,
O idílio feliz, o casamento,
Os sonhos que se foram com o vento,
Tua alegria de mulher ditosa!

Depois perguntarei com a voz sumida,
Como se fora um náufrago da vida:
– Dize-me, meu amor, amas-me ainda ?
E tu, embranquecida e cortejada,
Verás no meu semblante iluminada
A promessa de amor que não se finda!

Mario Le Sénéchal foi bancário. Aposentou-se como funcionário do antigo Banco do Estado de Minas Gerais, atual Real. Foi violinista e poeta amador.
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Fonte: Teresa Bilotta, sobrinha-neta do autor.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Registro 56: Dois poemas

As respigadeiras, Millet
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Fernando Pessoa (Lisboa, 13/6/1888 – 30/11/1935)


Ela canta, pobre ceifeira (1914) – Cancioneiro

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ’stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!


Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, 1 v.

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A CEIFEIRA SOLITÁRIA

(William Wordsworth)

No campo, vede-a, tão sozinha;
ceifa e canta só para si –
das terras altas a mocinha!
Quem vem ou vai, que pare aqui!
Corta, sozinha, e empilha o grão,
e canta uma triste canção.
Oh, ouvi! que sobre o fundo vale
seu belo cântico se exale.

Jamais cantou um rouxinol
notas mais doces aos viajantes
da Arábia, que fugindo ao sol
buscam as sombras refrescantes:
com mais doçura ou amavio
não canta o cuco num estio,
rompendo a plácida quietude
do oceano ao longe e da amplitude.

Quem me dirá o que ela canta?
Talvez que falem essas notas
de velha coisa, que quebranta,
e antigas pugnas e derrotas:
ou será só o humilde cantar
de algum assunto familiar?
De alguma perda, algum sentir
que já se foi, ou pode vir?

Fosse o que fosse, ela cantava
uma cantiga prolongada,
e em seu trabalho eu a escutava,
sobre uma foice recurvada;
eu a escutava, imóvel, quieto;
e por longo tempo, enquanto ia,
levei o canto no meu peito,
depois que já não mais o ouvia.

(Tradução de Renato Suttana)

Registro 55: Cenas de cinema


Deus e o Diabo na Terra do Sol, Othon Bastos






Central do Brasil, Vinícius de Oliveira e Fernanda Montenegro













Rocco e Seus Irmãos, Renato Salvatore e Alain Delon













O Pagador de Promessas, Leonardo Vilar


Macunaíma, Grande Otelo

O Leopardo, Claudia Cardinale,Paolo Stoppa e Alain Delon


Butch Cassidy, Robert Redford e Paul Newmann













quinta-feira, 26 de abril de 2007

Registro 54: Comédie-Française


O interior do Comédie-Française em Paris, onde se pode ver o palco, os camarote, galerias e fosso da orquestra, a partir de uma aquarela do século XVIII.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Registro 53: Desenho de criança















Menina
Sônia Szmid, 5 anos
E.I.B. Scholem Aleichem
(SP)



















João Minhoca
Dora Zinger, 5 anos
E.I.B. Scholem Aleichem
(SP)








Jacaré
José Guilherne G. Guerra, 4 anos
Jardim de Infância do C. A. Paulistano (SP)




Os postais com desenhos de crianças são presentes que recebi de Fanny Abramovich e foram feitos pela Giroflé, uma editora voltada somente para literatura infantil em São Paulo nos idos de 1964 / 1965.

Os donos, conforme Fanny eram três portugueses incríveis: Fernando Santos Costa que mora em Portugal e é responsável pelo site Vidas Lusófonas, Fernando Lemos, artista plástico e gráfico e o falecido poeta Sidonio Muralha.

Fanny Abramovich foi assessora pedagógica da Giroflé, editora responsável pelo lançamento de apenas cinco títulos, entre eles Ou Isto ou Aquilo, de Cecília Meireles. Coube a Fernando Lemos inventar e organizar três séries de cartões com desenhos de crianças.

Não lembro mais como chegaram ou como pegamos, mas ajudei a selecionar centenas de milhares... Os envelopes, o projeto gráfico era todo dele [Fernando]... Quem envelopou, pasme, foi o Luís Carlos Lamego, que virou boy da Editora... (!!! as coisas que consigo...). Se mostrar pra ele, acho que vai orgasmar,

informa Fanny na mensagem que me enviou em 20 de abril de 2007. Generosamente, a presenteadora se manifesta da seguinte maneira: “Só tinha esta última coleção guardada, mas como você coleciona e eu não, te presenteio com prova do meu passado... viu o que é querer bem???”



Sei bem o que é ser querido! Ainda mais pela Fanny, admirável!

Os postais estão guardados carinhosamente. Da série que ganhei, reproduzo quatro imagens, embora esteja grafado no verso dos postais: "reprodução proibida". Penso que os ex-donos da Giroflé e os autores dos desenhos não vão questionar a lembrança-homenagem. Publicá-las na Cenadiária é divulgar um trabalho importante e reafirmar a necessidade do desenho no espaço educativo. As imagens foram produzidas por crianças de diversas escolas paulistanas na década de sessenta. Elas são iluminações de um tempo tão sombrio...

Para completar esse registro, transcrevo um trecho do livro O espaço do desenho: a educação do educador, de Ana Angélica Albano Moreira (2002, p. 15):

Toda criança desenha.

Tendo um instrumento que deixe uma marca: a varinha na areia, a pedra na terra, o caco de tijolo no cimento, o carvão nos muros e calçadas, o lápis, o pincel com tinta no papel, a criança brincando vai deixando sua marca, criando jogos, contando histórias.

Desenhando, cria em torno de si um espaço de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso seguido de comentários e canções, mas sempre um espaço de criação. Lúdico. A criança desenha para brincar.

Desenhar é bom para tirar as idéias da cabeça. Porque sempre que a gente tem uma idéia, a gente quer ter ela, brincar com ela, aí a gente desenha ela”. Observou Eduardo (8 anos).

O desenho como possibilidade de lançar-se para frente, projetar-se.



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MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: a educação do educador. São Paulo: Loyola, 2002.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Registro 52: O Judeu

ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA: ENTRE DOIS MUNDOS
Nosso [teatro]
É filho dos rituais das bacantes
Do coro das tragédias gregas
Das religiões afro-negras
Das procissões portuguesas católicas
E não tem igual

Caetano Veloso


A figura ímpar de Antônio José da Silva é vista como aquele que preenche o “vazio” da cena teatral brasileira após o ato inaugural do teatro anchietano, sob a égide da catequese. Para enfocá-lo na distância do tempo, revolvo as fontes secundárias para retirar delas os fragmentos necessários para compor esse artigo evocativo sobre o autor brasileiro, significativa presença na cena teatral portuguesa e brasileira.

No horizonte da narração, está presente a visão benjaminiana[1] sobre o tempo histórico como explosão de um instante monádico, nos quais os grandes e os pequenos acontecimentos são vistos no “tempo de agora”. Na rememoração, procuramos retirar do apagamento da memória as construções, os atos, os sofrimentos e as alegrias dos antecessores, não para perpetuar o legado dos vencedores, mas sim olhar compreensivamente para os esquecidos.

Nessa constelação irregular que é o tempo histórico, levantam-se as ações humanas decorrentes que são dos fenômenos econômicos, sociais, políticos e mentais. O tempo histórico, formado por diferentes durações, reúne passado e presente. Portanto, o presente segundo Homi K. Bhabha (2005: 23), leitor de Walter Benjamin,

(...) não pode mais ser encarado simplesmente como uma ruptura ou um vínculo com o passado e o futuro, não mais uma presença sincrônica: nossa autopresença mais imediata, nossa imagem pública, vem a ser revelada por suas descontinuidades, suas desigualdades, suas minorias. Diferentemente da mão morta da história que conta as contas do tempo seqüencial como um rosário, buscando estabelecer conexões seriais, causais (...).

Ao mapear no presente a figura de Antônio José da Silva, consideramos os desencadeamentos do tempo histórico. Aproveitamos a “oportunidade para extrair uma época determinada do curso homogêneo da história” (BENJAMIN, 1994: 231) e ressaltar a vida do dramaturgo, desvinculada da acumulação, mas encenada em “suas descontinuidades, suas desigualdades”.

Este texto persegue os passos dos estudos anteriores, já que não estamos trabalhando sobre fontes primárias. Procuramos animar o leitor com informações colhidas nos escritos de Décio de Almeida Prado, Edwaldo Cafezeiro, J. Galante de Souza, Francisco Maciel Silveira e Sábato Magaldi, entre outros autores, que abordam temas e tópicos do teatro no Brasil, procurando dar conta do fenômeno entre nós. Para tanto, estes escritores tomam como referência as diversas fontes que registram a presença da atividade teatral entre nós desde que chegaram os primeiros colonizadores: os relatos dos viajantes, as cartas dos padres da Companhia de Jesus e os documentos oficiais.

Considerando a existência dos baianos Gonçalo Ravasco Cavalcanti de Albuquerque, José Borges de Barros, Manuel Botelho de Oliveira (principalmente)[2], do carioca Salvador de Mesquita e do poeta mineiro Cláudio Manoel da Costa, literatos que escreveram para o palco e apresentaram obras sem muita consistência e originalidade, é importante nomear que a atividade dramatúrgica entre nós sofreu o revés da distância e da dependência dos cânones europeus, da inexistência da Imprensa e da própria circunstância do teatro que se fez nos trópicos nos primórdios de sua existência.

Além desses nomes, registre-se a presença de Luís Alves Pinto, cujo texto Amor Mal Correspondido, sobe à cena na Casa de Ópera, de Recife em 1780. Para Galante de Souza (1960: 125), a comédia representada vem a ser a primeira peça de um dramaturgo brasileiro aqui encenada. Ao tomarmos Galante com referência, vemos, no entanto que a primazia é do carioca Antônio José da Silva, mesmo que se façam restrições a “o Judeu”, visto que sua obra é considerada muito mais portuguesa que brasileira. Essa questão vem sendo tratada pelos estudiosos da literatura e do teatro brasileiro, oferecendo argumentações que problematizam ser ou não brasileira a dramaturgia de Antônio José da Silva, autor que para nós vive entre dois mundos: o tropical e o europeu, o barroco imaginativo e o iluminista racionalista, o católico e o judeu, marcas refletidas nas tramas e nas tessituras de sua obra dramatúrgica.

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[1] Cf. notadamente Sobre o conceito de História, in Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história. São Paulo: Brasiliense, 1994.
[2] Botelho de Oliveira, baiano que viveu de 1636 a 1711, é considerado o primeiro autor brasileiro a ter suas obras publicadas. Poeta, deixou como herança duas peças: Hay Amigo Para Amigo e Enganos y Celos, comédias nunca representadas em palcos brasileiros. Fortemente influenciado pelo teatro espanhol, sua comédia Hay Amigo Para Amigo é nada menos que uma réplica do texto de Francisco de Roja Zorilla No Hay Amigo Para Amigo. Ao abraçar tema, língua e técnica espanholas, o autor afasta-se da sua nacionalidade. Sua não obra não aborda os temas sobre a realidade do Brasil.
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LEÃO, Raimundo Matos de. Antônio José da Silva: entre dois mundos. In: Diálogos Possíveis, ano 5 n. 01, jan. jun. Salvador: Faculdade Social da Bahia, 2006

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Registro 51: Brasileirinho










Padroeiro do Brasil

Ary Monteiro e Irany de Oliveira

Em toda casa tem um quadro de São Jorge
em toda casa onde o santo é protetor
num barracão, num bangalô de gente nobre
há sempre um quadro desse santo salvador
quem é devoto é só fazer uma oração
que o guerreiro sempre atende
dando a sua proteção

Por isso mesmo não devemos esquecer
a grande data dia 23 de abril
vamos cantar com alegria e prazer
porque São Jorge é o padroeiro do Brasil




Caso queira ouvir Maria Bethânia cantar Padroeiro do Brasil, procure Brasileirinho, CD da Biscoito Fino, 2003

domingo, 22 de abril de 2007

Registro 50: Art Nouveau

CASA TASSEL - VÍCTOR HORTA


El primer edificio que refleja el código-estilo del Art Nouveau fue esta casa unifamiliar construida en Bruselas por Víctor Horta entre los años 1892-93. Se inserta en un solar estrecho y profundo, entre medianeras ciegas, de manera que recibe luces sólo por los lados más cortos. Para iluminar los ambientes interiores estaba previsto un pequeño recinto de igual forma y dimensiones que el vacío que alberga la escalera principal, iluminada por un gran lucernario y que da lugar a un segundo patio de luces. La estructura es de esqueleto metálico, totalmente visible en el interior, mientras que en la fachada se pone de manifiesto solamente en la parte central acristalada.

La distribución de la casa se realiza en dos sectores:

1.-el servido por la escalera principal, que relaciona el vestíbulo con los dos grandes ambientes superiores con vistas sobre la calle.

2.-el lado del jardín, servido por una escalera secundaria.

El salón, perteneciente a este segundo sector del edificio, tiene una cota superior a la del vestíbulo de entrada, de forma que se obtiene una dinámica del espacio interno que contrasta con la superficie estrecha de la parcela.

El alzado principal repite, como elemento dominante, el bow-window de las casas contiguas. Sin embargo se diferencia sensiblemente de los otros por su desarrollo curvilíneo que, en dos de los tres pisos de la casa, enlaza con los paños laterales del alzado. Este cuerpo central presenta en el primer piso una serie de ventanas separadas por pequeñas columnas de piedra y, en el segundo, balcones altos de forjado a forjado, ligeramente retranqueados y protegidos con una barandilla de hierro. En el tercer piso el bow-window se convierte en una terraza, continuando las tres aberturas, pero ahora en el plano de la pared. Están presentes en la fachada muchos elementos poco corrientes, como las superficies onduladas, las platabandas metálicas vistas, el curioso diseño de la balaustrada, etc. Sin embargo, se han empleado con tal medida que el papel dominante del edificio corre todavía a cargo de los tradicionales sillares de piedra. En el interior se manifiesta más claramente la afirmación de la nueva tendencia figurativa. Un nuevo sentido unitario liga los elementos estructurales a los visuales, en particular, en la escalera principal, que presenta completamente a la vista todo su armazón metálico. De ella se desgajan molduras curvilíneas de hierro para formar barandillas y motivos decorativos; a estos elementos, que determinan con su desarrollo sinuoso una definición muy particular del espacio, corresponden formas análogas trazadas sobre los planos, como el diseño de las vidrieras y de los mosaicos de los pavimentos. Así pues, la articulación cóncavo-convexa propia del gusto del Art Nouveau está presente tanto en el volumen de la escalera y, por tanto, en el vacío del espacio, como en las líneas que la estructuran y también en los puntos del serpenteante mosaico del suelo.

La casa Tassel se considera como la primera obra moderna completamente libre de derivaciones historicistas; como la primera realización arquitectónica donde adquieren un significado expresivo las exigencias constructivas de la nueva técnica del hierro, y como el primer edificio que inspirándose en el código-estilo del Art Nouveau fue un gran promotor de “mensajes”.

Con la Casa Tassel, Horta introdujo el hierro en la vivienda, empleándolo como material de construcción y simultáneamente, para los ornamentos lineales y flexibles; el gran jardín de invierno del piso bajo es sostenido por un esqueleto metálico visto, montantes elegantes soportan la escalera y son típicamente decorativas las barandillas de escalera y bacón.

En esta construcción se comprueban por primera vez en una vivienda, las posibilidades del hierro como material constructivo (el jardín de invierno en la planta baja descansa en una estructura metálica vista y la escalera en una columna de hierro) y ornamental (las barandillas de escaleras y balcones tienen elementos decorativos de líneas cimbreantes). La casa ofrece un inagotable surtido de formas bidimensionales resultado de un estudio minucioso de plantas y flores; suelos, paredes y techos se cubren de “líneas látigo”, también llamadas “líneas Horta”, serpentean, se entrelazan, ondean y ascienden por los montantes del acristalamiento, rodean las patas de los muebles y retornan sobre si; su presencia a veces excesiva, desborda todos los requisitos de la construcción.

Ha de mencionarse, en fin, una característica de esta obra ya subrayada por la crítica de la época: su perfecta adaptación al propietario, el señor Tassel, profesor de geometría descriptiva en la Universidad de Bruselas y colaborador del estudio de la firma Solvay (Hotel construido en Bruselas durante los años 1895-1900). Refiriéndose a esta casa se ha escrito que albergaba del modo más perfecto imaginable al hombre para el que fue construida, de la misma forma en que “la concha del mejillón alberga al mejillón”. Como puede verse, la cultura de gusto figurativo del Einfühlung se convierte también en razón de ser funcional.

sábado, 21 de abril de 2007

Registro 49: Filosofando

A tese de Ivan Karamazov
Antonio Cícero

Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar a ética. Volta e meia alguém traz novamente à tona a famosa tese de Ivan Karamazov, personagem de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Acho que muita gente acredita piamente nela e atribui à irreligiosidade da população a constante e inquietante alta dos índices de criminalidade. Será talvez com a intenção de baixar esses índices que os donos ou editores das revistas brasileiras de circulação nacional raramente deixam passar uma semana sem que, ao menos numa das suas revistas, façam propaganda, numa reportagem de capa, da fé e da religiosidade dos brasileiros.Ora, a tese do personagem de Ivan não resiste a um simples experimento de pensamento. Suponha que me apareça Deus e me ordene matar o meu filho (ou mãe, ou pai, ou irmão, ou amante, ou amigo). Que faria eu? Ponha-se o leitor na minha pele. Não tenho dúvida de que a minha primeira reação - a primeira reação de qualquer pessoa que não tivesse perdido o juízo - seria duvidar do que parecia estar vendo e ouvindo. Eu me beliscaria, para saber se não estava sonhando; suspeitaria estar tendo um surto de loucura, um delírio etc. Aquilo simplesmente não poderia estar acontecendo. E não poderia estar acontecendo por duas razões: primeiro, porque Deus não costuma aparecer, pelo menos hoje em dia. Quando alguém diz que conversou com Deus - ainda que quem o diga seja o presidente dos Estados Unidos -, suspeita-se imediatamente da sua sanidade mental. De todo modo, eu não obedeceria.

Mas a segunda razão é ainda mais séria. É que, se isso estivesse realmente acontecendo, então Deus me estaria mandando fazer uma coisa má: uma coisa inteiramente, indiscutivelmente, inapelavelmente errada. Ora, não posso contemplar tal hipótese. Logo, isso não poderia estar acontecendo. Eu pensaria antes que, ou não havia ninguém ali, e eu estava simplesmente a delirar, ou havia alguém de fato ali, mas se tratava de um impostor - talvez até de um demônio -, mas não de Deus, pois seria impensável que Deus me mandasse fazer uma coisa errada: e que coisa poderia ser mais errada do que aquela? Em suma, eu não obedeceria. Mas levemos a coisa ainda mais longe. Suponhamos que, por alguma razão inconcebível, fosse incontornável a evidência de que ali se encontrava Deus. Ouso dizer que, ainda assim, eu não mataria meu filho ou amigo: eu não mataria sequer um estranho. Por quê? Porque seria errado. E seria errado, não por causa dos mandamentos que o próprio Deus decretara, uma vez que, naquele instante, Ele mesmo os estaria revogando, mas simplesmente porque, independentemente de qualquer mandamento, é errado matar uma pessoa. É, portanto, errado matar uma pessoa, ainda que Deus não exista. Logo, ao contrário do que afirma a tese do personagem de Dostoiévski, nem tudo é permitido, ainda que Deus não exista.

O leitor terá sem dúvida lembrado que, na Bíblia (Gn 22), Abraão se encontrou na situação em que me imaginei no experimento de pensamento. Com efeito, Deus pôs Abraão à prova, ordenando-lhe que matasse o seu filho primogênito. Ao contrário de mim (e do leitor que se pôs na minha pele), Abraão se dispôs a obedecer e, quando já havia pegado a faca para sacrificar seu filho, foi impedido por um anjo, enviado por Deus.

Como se sabe, foi sobre esse episódio que Kierkegaard escreveu as páginas impressionantes de "Temor e Tremor". Nelas, ele mostra que, do ponto de vista puramente ético, não se justificaria a prontidão de Abraão. Só a fé - superior, segundo Kierkegaard, à ética, por constituir uma relação individual e absoluta com Deus - justifica a atitude de Abraão. Desse modo, graças à religião, a esfera da ética é relativizada pela da fé.

Sendo assim, devemos inverter a tese de Ivan Karamazov: não só não é verdade que, se Deus não existe, tudo é permitido - já que, como vimos, não é permitido matar -, mas, ao contrário, é se Deus existir que tudo é permitido. Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar e, no limite, negar a ética. Isso lembra as palavras do físico norte-americano Steven Weinberg, detentor do Prêmio Nobel de Física: "Com ou sem religião, as pessoas bem-intencionadas farão o bem e as pessoas mal-intencionadas farão o mal; mas, para que as pessoas bem-intencionadas façam o mal, é preciso religião".
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Ilustrada, Folha de S. Paulo, 21 de abril de 2007


Registro 48: Fragmento


A MULHER QUE MATOU OS PEIXES

Clarice Lispector

Agora vou falar sobre bichos convidados, igual ao meu convite para vocês. Às vezes não basta convidar: tem-se que comprar.

Por exemplo, convidei dois coelhos para morar com a gente e paguei um dinheiro ao dono deles. Coelho tem uma história muito secreta, quero dizer, com muitos segredos.

Eu até já contei a história de um coelho num livro para gente pequena e para gente grande. Meu livro sobre coelhos se chama assim: “O mistério do coelho pensante”. Gosto muito de escrever histórias para crianças e gente grande. Fico muito contente quando os grandes e os pequenos gostam do que escrevi.

Se vocês gostam de escrever ou desenhar ou dançar ou cantar, façam porque é ótimo: enquanto a gente brinca assim, não se sente mais sozinha, e fica de coração quente.

Voltando aos coelhos, tem gente que come coelho. Eu não tenho coragem porque é como se eu comesse um amigo. Os dois coelhos que tivemos em casa eram meus amigos.

Também tivemos aqui em casa dois patos comprados que andavam o dia inteiro atrás da gente com aquele modo engraçado de andar, e pensando que a gente é mãe deles. Quando eu encontrar vocês, vou imitar o modo de andar dos patos.

Outro bicho que pensa que a gente é a mãe deles é qualquer pinto. Nesse ponto o pinto é igual a gente: fica com saudade do calor da galinha-mãe. O que a gente pode fazer de bom para um pinto que fica piando e chorando de saudade é segurá-lo na mão e esquentar o corpo dele. Quando a gente pega neles a gente sente o seu minúsculo coração batendo dentro do pequeno corpo fofo e morno deles. Embaixo das penas macias sentem-se os ossos bem finos das costelas deles. Pinto é sempre magrinho. E, longe da galinha, morre à toa.



LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, pp. 19, 20.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Registro 47: "Sentir tudo de todas as maneiras"

ANIVERSÁRIO

Fernando Pessoa / Álvaro de Campos

No Tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há século,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião
qualquer.

No Tempo em que festejavam o dia do meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui e suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através
das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica a carnal,
Como uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos
dentes!

Vejo tudo outra vez com a nitidez que me cega para o que há
aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra
Debaixo do alçado –,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se os dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


PESSOA, Fernando. Aniversário. In: Obra completa: ficções do interlúdio, poesia de Álvaro de Campos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p.379-380.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Registro 46: Belo cartaz

Registro 45: Pinturas, 1999

Nanã

É Fogo

Bananbandeira

Retalhos


As imagens foram produzidas por mim, Raimundo Matos de Leão e podem ser reproduzidas, desde que se faça o registro da autoria. Nanã e Retalhos são desenhos digitais. É Fogo e Bananbandeira são trabalhos produzidos com caneta hidrocor. Eles fazem parte de uma série destinada a estamparia de camisetas, mas o projeto não se realizou. Os trabalhos pertecem ao acervo pessoal do autor, agora disponíveis na Internet, com registro reconhecido.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Registro 44: Pintura digital

Pra Oxum
Raimundo Matos de Leão
Digital, 1999

terça-feira, 17 de abril de 2007

Registro 43: Em cena...


Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão
Peça de Naum Alves de Souza
Versão masculina
Estréia em 1984 no Teatro Maria Della Costa, São Paulo.
Elenco:
J.C Violla: Moço
Hugo Della Santa: Irmão
Raimundo Matos: Pai, Coveiro
Maria Luísa Jorge: Cunhada, Morte
Teresa Freitas: Mãe, Aluna/Esposa
Cristina Mutarelli: Irmã morta, Tia velha
Volnei Bukvar: Namorado da irmã
Equipe Técnica
Direção e Cenografia: Naum Alves de Souza
Figurinos: Leda Senise
Trilha sonora e Preparação vocal: Samuel Kerr
Iluminação: Abel Kopanski
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Para conhecimento do texto, conferir: SOUZA, Naum Alves de. Um beijo, um abraço, um aperto de mão. In: Naum Alves de Souza: teatro. Coimbra, Portugal: Cena Lusófona, 2005.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Registro 42: Livros...

Mas a melhor prova da especificidade do livro é que ele constitui ao mesmo tempo uma realidade do virtual e uma virtualidade do real. Somos colocados, quando lemos um romance, numa outra vida que nos faz sofrer, esperar, compadecer-nos, mas ao mesmo tempo com a impressão complexa de que nossa angústia permanece sob o domínio da nossa liberdade, de que nossa angústia não é radical. Todo livro angustiante pode não então proporcionar uma técnica de redução da angústia. Um livro angustiante oferece aos angustiados uma homeopatia da angústia. Mas essa homeopatia age sobretudo numa leitura meditada, na leitura valorizada pelo interesse literário. Então dois planos do psiquismo se cindem, o leitor participa desses dois planos e, quando se torna bastante consciente da estética da angústia, está bem perto de descobrir-lhe a facticidade. Porque a angústia é factícia: somos feitos para respirar livremente.

É nisso que a poesia – ápice de toda alegria estética – é benéfica.

Sem a ajuda dos poetas, que poderia fazer um filósofo já entrado em anos, que se obstina a falar da imaginação? Não tem ninguém para testar. Ele se perderia imediatamente no labirinto dos testes e contratestes em que se debate o sujeito examinado pelo psicólogo. Aliás, existirão mesmo, no arsenal do psicólogo, teste de imaginação? Haverá psicólogo suficientemente exaltado para renovar permanentemente os meios objetivos de um estado da imaginação exaltada? Os poetas sempre imaginarão mais rápido que aqueles que os observam imaginar.

Como penetrar na esfera poética do nosso tempo? Uma erra de imaginação livre acaba de abrir-se. Em toda parte as imagens invadem os ares, vão de um mundo a outro, chamam ouvidos e olhos para sonhos engrandecidos. Os poetas abundam, os grandes e os pequenos, os célebres e os obscuros, os que amamos e os que nos fascinam. Quem vive para a poesia deve ler tudo. Quantas vezes de uma simples brochura, jorrou para mim a luz de uma imagem nova! Quando aceitamos ser animados por imagens novas, descobrimos irisações nas imagens dos velhos livros. As idades poéticas unem-se numa memória viva. A nova idade desperta a antiga. A antiga vem reviver na nova. Nunca a poesia é tão uma como quando se diversifica.

Que benefícios nos proporcionam os novos livros! Gostaria que cada dia me caíssem do céu, a cântaros, os livros que exprimem a juventude das imagens. Esse desejo é natural. Esse prodígio, fácil. Pois lá em cima, no céu, não será o paraíso uma imensa biblioteca?

BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 25-26.
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LIVROS

Caetano Veloso
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São os livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou – o que é muito pior – por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrela.

VELOSO, Caetano. Livro. Intérprete: Caetano Veloso. In: Caetano Veloso. PolyGram, p. 1997. 1 CD. Faixa 2

domingo, 15 de abril de 2007

Registro 41: Documento

O DÍARIO DE JUDITH MALINA NA PRISÃO

Belo Horizonte (MG) - No xadrez do DOPS, nesta capital, onde está presa há quase um mês – Judith Malina – a mulher de Julian Beck – é muito mais que uma simples prisioneira. Quase indiferente às acusações da polícia, ele prefere continuar escrevendo suas peças de teatro, acreditando que muita coisa deve ser mudada no mundo, com a imediata substituição dos velhos padrões de violência e ódio e a reabilitação do sexo, cuja repressão é a causa de todos os males.
- “O sexo é puro, o corpo é santo. Nada existe neles para se sentir vergonha e repulsa”.

Magra, cabelos grandes, gestos nervosos e apressados, Judith Malina não admite que a prisão possa interromper seu longo trabalho em busca de novas maneiras e comunicação teatral. Mesmo porque a prisão é também parte da vida, o que ela só agora veio a conhecer mais demoradamente.

- É uma oportunidade. Ninguém pode negar. Nosso trabalho é feito através de estudos, pesquisas e observações. Lá fora, nos coquetéis, nas reuniões sociais, nas boates, nós nunca poderíamos imaginar a realidade deste outro lado do mundo limitado pelas grades”.

- “Cada dia na prisão é um novo dia. Tempo para olhar o mundo e redescobrir que o fuzil não é a única maneira de opressão, talvez a menor de todas”.
- “Pior que ele, os sistemas econômicos, a ampliação do mapa da fome e do medo, quando tudo poderia ser resolvido sem grandes sacrifícios. É só comparara os gastos da corrida espacial com os esforços contra a fome”.
Judith Malina depois de levar seu teatro, o “Living Theatre” a muitos países do mundo e a diferentes culturas, acha que hoje já se pode pensar numa vida futura melhor e mais humana. “E esta esperança está no protesto dos jovens na sua rebeldia em recusar a herança de violência e de guerra”.

É esta a principal mensagem de seu teatro, considerado um dos mais avançaos do mundo. Teatro para ser mostrado nas ruas, nas oficinas, nas escolas, onde houver gente a quem transmitir o apelo de “paz e amor”. Teatro que nasceu há mais de vinte anos quando Julian Beck e Judith se conheceram e passaram a realizar peças dentro do seu próprio apartamento, sem a preocupação de comércio e de crítica.
A prisão em Ouro Preto, a acusação da polícia e a presença nos Tribunais, nada modificou o desejo de continuar procurando maneiras novas e diferentes de dialogar com o povo. É a resposta do casal para quem pensa que o “Living Theatre” está em declínio quase acabando.

Ainda resta muita coisa a fazer, dizem os dois. Por isso a permanência física no xadrez não justifica a interrupção do trabalho, mas representa uma experiência nova, que deve ser aproveitada. A farda de presidiário não impede o espírito de criar e descobrir. É assim que pensa Judith.
Enquanto a Justiça decide se os atores do “Living Theatre” são ou não culpados, ela passa seu tempo escrevendo e pesquisando. E seus momentos de maior inspiração são para o velho diário que desde 1947 acompanha a discutida, elogiada e combatida trajetória do “Living Theatre”.

9 de julho de 1971. Aqui estou na minha cela. Não sinto desconforto. Se sentisse iria queixar-me. Mas não sinto e posso ser franca. O rádio toca Tchaikovsky. Larguei a edição, em português da Ilíada, que estou lendo com o auxílio de um dicionário e tento lembrar o que aconteceu, o que está acontecendo: e tento não pensar no que acontecerá.

A meu lado está Julliet, abrasada de amor. Ela acaba de ver, de relance, o seu amado, que mora na cela do outro lado do corredor, ele partilhava a cela com Julian, mas Julian foi transferido para a Cela I, que, segundo dizem é mais confortável. Como na “Ilíada”, o assunto é amor. Como na “Ilíada”.

Era o dia 10 de julho. Tínhamos sido avisados de que esse era o dia de abertura do Festival de Inverno de Ouro Preto e que haveria vigilância especial, mas sentíamos que nada tínhamos a temer.

Estávamos ocupados com nossos livros, como sempre estivemos por várias semanas e desejando ficar livres de trabalhos literários, livres para nos dedicarmos inteiramente a nova peça; lamentávamos o tempo gasto com os livros quando o que queríamos era consagrar cada momento à “Herança de Caim”.
Chegou alguém e disse: “O DOPS está em sua casa”.

“Por que?”

“Está procurando maconha”.

“Maconha? Pensei que o DOPS era polícia política. Por que está em nossa casa?”

Ninguém sabia. Fomos para a rua. Todo mundo olhava para nós de modo estranho. Tinha-se a impressão de que as pessoas nos evitavam. Caminhávamos na rua como leprosos. Eu disse a Julian: “Talvez seja sério”.

Tínhamos imaginado que a polícia, de passagem, tivesse parado, talvez a fim de fazer algumas perguntas. Somente mais tarde viríamos a saber da cena que tinha ocorrido.

Íamos andando pelas ruas aladeiradas e empedradas. Um carro da polícia deteve-se ao pé de uma das ladeiras e três policiais se aproximaram. Pelo que vi nos seus rostos eu disse a Julian: “Isto é uma prisão”.

Um dos policiais agarrou-me pelo braço, um outro agarrou o braço de Julian: “Está preso”.

Descemos a ladeira rumo ao carro. Eu estava com medo, mas calma. Não tínhamos idéia do que havia acontecido. Não fazíamos a menor idéia sobre o motivo por que nos detinham. Olhavam-nos, um para o outro, com amor. Os policiais estavam sérios, tinham até mesmo uma expressão severa, quando abriram a traseira do carro. Havia dois compartimentos, que se assemelhavam com uma caixa, achava-se um pneu. Assentei-me nele. Depois de fechada a porta o compartimento ficou escuro como breu e abafado. Tive forças para falar a Julian: “Estou com medo”.
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Nas pesquisas que fiz para o doutoramento com o projeto Transas na Cena em Transe: teatro e contracultura na Bahia, em fase de finalização no Programa de Pós-Garduação em Artes Cênicas da UFBA, tomei contato com o longo diário de Judith Malina, objeto sobre o qual me detive com interesse, visto que seu escrito é um documento revelador da personalidade da autora, da vida carcerária sob a ditadura, do tratamento dado aos estrangeiros e aos brasileiros presos e também sobre o Living Thetre.
Como todos sabem, o Living esteve na Brasil no auge do governo civil-militar para desenvolver um trabalho junto com o Grupo Oficina e Grupo Lobo, da Argentina. A proposta não se realiza, mas o Living Thetre permance no país.

sábado, 14 de abril de 2007

Registro 40: Fragmento roseano

Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água. E de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. No meio dos campos Gerais, mas num covão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos. Quando completara sete, avia saído dali, pela primeira vez: o Tio Têrez levou-o a cavalo, à frente da sela, para ser crismado no Sucuriju, por onde o bispo passava. Da viagem, que durou dias, ele guardara aturdidas lembranças, embaraçadas em sua cabecinha. De uma, nunca pôde se esquecer: alguém, que já estivera no Mutum, tinha dito: – ‘É um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre...”

Mas sua mãe, que era linda e com os cabelos pretos e compridos, se doía de tristeza de ter de viver ali. Queixava-se, principalmente nos demorados meses chuvosos, quando carregava o tempo, tudo tão sozinho, tão escuro, o ar ali era mais escuro; ou mesmo na estiagem, qualquer dia, de tardinha, na hora do sol entrar. – Oê, ah, o triste recanto...” – ela reclamava.



ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 13.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Registro 39 A: Hansen Bahia


Fundação Hansen Bahia

Cachoeira

Exposição permanente em homenagem ao xilógrafo, pintor e escultor alemão radicado na bahia, com destaque para as obras Noé e Seus Filhos (coleção) e Via Sacra do Pelourinho, formada por 14 xilogravuras que remetem ao calvário bíblico e que estão, pela primeira vez, expostas no município.

Fundação Hansen Bahia, Rua Treza de maio, 13. Cachoeira. Terça a sexta das 9h às 17h; sábado, domingos e feriados, das 9h às 14h.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Registro 39: A Rocha



Querida Edith Stein

Foste proclamada santa. Feminista, és uma ponte entre judeus e cristãos, místicos e filósofos, perseguidos e mártires.

FREI BETTO

Há anos medito sobre as surpreendentes veredas de tua vida. Sou apaixonado por ti. Na tua infância em Breslau, na Alemanha, teus pais, judeus devotos, te levavam aos sábados à sinagoga. Teu pai, comerciante de madeira, infundiu-te a inquietação diante do mistério da fé e te ensinou que as obras de Javé não cabem na razão humana.Porém, se já é difícil para um adulto apreender os desígnios de Deus quando passam pela dor, o que não dizer de uma criança que, como tu, viu o pai dar o último suspiro? Essa morte ressoou em teu espírito como silêncio de Javé. A fé apagou-se em teu horizonte. A ira divina, por uma razão que ultrapassava teus conhecimentos, fulminara como um raio tua família. Tua mãe assumiu, qual a "mulher perfeita" de que fala o epílogo do livro dos Provérbios, a educação dos sete filhos. Tua atenção centrou-se nos estudos. Em Göttingen, querias entender a razão das coisas. Malgrado os preconceitos machistas, alcançaste o doutorado em filosofia com uma brilhante tese sobre a empatia. De tal modo resplandecia teu talento que, aos 26 anos, mereceste o convite para, em Freiburg, te tornares assistente de Edmund Husserl, criador do método fenomenológico e inspirador de Jaspers, Scheler, Heidegger, Sartre e Levinas.

Aos 31 anos, o anjo de Deus cortejou-te e quebrou a película que impedia tua inteligência de transcender da razão à fé. Para escândalo de teus familiares, recebeste o batismo e, no mês seguinte, a crisma na Igreja Católica. Teu coração oscilava entre tantos pretendentes e a radicalidade da entrega ao Amado. Como professora no colégio das irmãs dominicanas, releste com outros olhos Tomás de Aquino.Em 1933, os alemães foram às urnas e alçaram Hitler ao poder. Logo, o nazismo iniciou a caça aos judeus. Foste destituída do Instituto Pedagógico de Münster. Prosseguiste, todavia, tuas pesquisas filosóficas. Não te conformavas ao ver a filosofia tomista, que renascia nos ambientes cristãos, tão apartada de outras correntes filosóficas modernas. Sabias que todo o pensamento filosófico aspirava à mesma fidelidade à experiência e ao ser. Assim, tu te esforçavas por estabelecer conexões entre razão analítica e intuição contemplativa, especulação e experiência, imanente e transcendente. Deixaste oito preciosas obras que aproximam o pensamento tomista e a fenomenologia, a antropologia e a teologia.

Outra mulher, também religiosa, cativou-te para a noite que une "amado com amada, amada já no amado transformada": Teresa de Ávila. Essa espanhola de coração fogoso, que viveu cerca de 350 anos antes, tomou-te pela mão, como uma menina a outra, e te conduziu ao que todo ser humano aspira: viver na fruição do amor.Sob a perplexidade de teus colegas de academia, aos 41 anos ingressaste no carmelo de Colônia. O único bem que levaste para o claustro foram seis grandes baús de livros. Em homenagem à tua inspiradora, tomaste o nome de irmã Teresa, Teresa Benedita da Cruz nome aliás bem brasileiro, de uma dessas mulheres que participam de nossas comunidades eclesiais de base.

No mesmo ano em que te consagraste ao Absoluto, os nazistas avançaram na campanha pela "purificação da raça". Eras judia de nascimento, semita de espírito e seguidora de um judeu, Jesus. Tua prioresa considerou prudente afastar-te da Alemanha. Em 1938, foste para o carmelo de Echt, na Holanda. Porque tinhas muita fé, não conhecias o medo. Mas evitavas a temeridade. Por isso, teu coração apertou-se quando Hitler ocupou a Holanda, em 1941. Oravas pelo fim da guerra e pelas vítimas que, como Anne Frank e sua família, experimentavam, a pouca distância de ti, os mesmos temores.

Em 1942, a Gestapo invadiu teu carmelo, arrebentou as portas, profanou o claustro e te arrancou da tua cela. O terror esquadrinhava cada recanto do mundo para aplacar essa sede de sangue, que faz da onipotência monstro insaciável. Num vagão de gado, foste levada, primeiro, ao campo de concentração de Westerbork, na Holanda; depois, para Auschwitz, na Polônia.

Certa manhã, despiram-te e, em companhia de muitas mulheres, ordenaram-te entrar no salão de banhos encimado por pequenos tubos que desciam do teto. Abertas as torneiras, não era água o que saía, era fumaça. Tuas orações acalmavam-te, enquanto tuas narinas ardiam entupidas pelo gás. Teus pulmões pareciam murchar dentro do peito, inusitada contração de um parto que te fazia nascer para o mais profundo de ti mesma. No mais íntimo de ti, quando todo o oxigênio se esvaíra, encontraste Aquele que inundara a tua vida de amor. O que era terno arrebatou-te, enfim, para o eterno.

João Paulo 2º beatificou-te em maio de 1987. No domingo, foste proclamada santa Edith Stein. Não eras perfeita nem deixaste de ser pecadora. Eras, sim, uma "rocha" ("stein", em alemão). Lembras-te daquele mestre que te deixava ruborizada ao dizer, em classe, "batam nesta 'pedra' e dela irradiarão faíscas de sabedoria"?

Feminista, és agora uma ponte entre judeus e cristãos, místicos e filósofos, perseguidos e mártires. Lamenta-se apenas que sejas reconhecida pela hierarquia eclesiástica por ter abraçado a fé católica. Haverá o dia em que a igreja reconhecerá também o valor das mulheres judias que foram profundamente fiéis à tradição da Torá.

A comunidade dos fiéis proclama-te modelo para todos nós, especialmente para as vítimas da intolerância política ou racial. Soubeste adorar o Pai "em espírito e verdade", como recomenda Jesus; viraste um paradigma para tantas jovens que buscam, pelos labirintos de um mundo marcado pelo consumismo e pela falta de sentido, uma razão para viver e morrer de amor.

Carlos Alberto Libânio Christo (frei Betto), 53, frade dominicano e escritor. O texto foi bublicado em 15 de novembro de 1998, na Folha de S. Paulo.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Registro 38: O Ponto de Fuga de Jorge Coli


O crime de todos nós

JORGE COLI

A força das crenças confere realidade ao que não existe. Houve um tempo em que se acreditava no "brasileiro cordial". Fazia parte da ficção que se denomina "identidade nacional".Maria Sylvia Carvalho Franco desmontou esse mito em sua tese "Homens Livres na Ordem Escravocrata", de 1969 [ed. Unesp]. Desmontagem no campo reflexivo e teórico: foi preciso que a violência cotidiana ameaçasse a segurança de cada um para que a tal cordialidade "inata" dos brasileiros ruísse plenamente no âmbito dos sentimentos coletivos. O livro "Cangaceiros", de Élise Jasmin (ed. Terceiro Nome, 2006), demonstra até que ponto, no Brasil, a violência se transformou, de maneira oficial, em crueldade. Ele reúne quase 90 fotos retratando Lampião e seu bando. Algumas, que formam o epílogo, são terríveis.Duas exibem cadáveres amarrados a uma prancha, em poses arranjadas, cercados por civis e militares, como se fossem troféus de caça.Outra mostra soldados diante de um corpo acéfalo, sobre o qual, por piada, colocaram uma garrafa de cachaça. As imagens se sucedem. Um grupo militar, com seu oficial, se organiza à volta de três cabeças decepadas. Um cangaceiro se perfila ao lado de uma outra cabeça que, atada pelos cabelos longos, pende com a boca aberta. Nesse caso, o vivo e o morto eram amigos, explica a legenda.Há naturezas-mortas macabras, em que composição se ordena com um senso artístico da simetria. Às cabeças cortadas se acrescentam coisas que pertenceram aos defuntos: chapéus, embornais, cartucheiras. Com Zepelim, cangaceiro mulato, num requinte de "mise-en-scène", alguém teve a idéia de manter sua pálpebra esquerda aberta graças ao auxílio de um palitinho.
Psicose. Essas fotos, dos anos de 1930, foram publicadas na imprensa. Décadas antes, Euclides da Cunha descrevia, no final de "Os Sertões", as frias atrocidades cometidas sobre os resistentes de Canudos. O autor conta: quando descobrem a cova de Antônio Conselheiro, morto antes do término dos combates, desenterram o corpo que já apodrecia. Fotografam-no, lavram uma ata e o devolvem à cova. Antes de cobri-lo novamente com terra, alguém, usando "uma faca jeitosamente brandida", decepa o cadáver. Euclides da Cunha prossegue: "Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio".
Cutelo.Pedro Americo pintou, em 1893, seu quadro "Tiradentes Esquartejado", que se tornaria célebre.Nunca outro herói nacional, em nenhum lugar do mundo, foi representado assim, retalhado como num açougue. Pedro Americo expõe, com clareza, a crueldade oficial. Seu Tiradentes é irmão dos jagunços de Canudos e dos cangaceiros de Lampião.
Pesadelo. Os três casos, de Tiradentes, dos jagunços e dos cangaceiros, pressupõem uma ação justiceira. Justiça que contém um álibi de vingança saboreada. Sabor de sangue. A crueldade investiu contra cadáveres; ela não nos fala dos punidos: revela a alma dos punidores. Hoje, não se cortam mais cabeças, pelo menos não de modo oficial e público. Porém entulham-se presos nas cadeias, em condições abomináveis. A justiça continua a ser sentida como punição e vingança. Diante de um crime, é fácil reagir instintivamente, desumanamente. No impulso, "pagar a pena", punir, vingar brotam primeiro. Só lá para trás, bem depois, é que se arrasta, quase irrisória, a idéia de compreender, de sanar, de educar, de recuperar.
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O texto foi publicado originalmente em Mais, Folha de S. Paulo, 8 de abril de 2007.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Registro 37: Ações afirmativas???

Em Boca de Matilde

Gilson Jorge

A declaração feita pela ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção Social da Igualdade Racial (Seppir) à BBC, de que considera natural que um negro não queira conviver com brancos quase “passou em branco” nos jornais diários e na TV, mas mereceu uma análise mais profunda em publicações semanais. Houve quem defendesse a idéia de que o assunto já foi suficientemente explorado e que não valeria a pena se estender em um debate sobre o que pode ter sido apenas a má interpretação por parte da jornalista. Mas as palavras estavam ali.

Entretanto, mas preocupante do que a frase da ministra, que pode até ser vista como um mero tropeço verbal, é a constatação de que há um discurso e algumas ações dentro e fora do movimento negro que se encaixam perfeitamente em uma tendência de acirramento das tensões “raciais”. Ou, como declarou ao caderno Mais da Folha de S. Paulo a antropóloga Yvonne Maggie, a incitação ao ódio “racial”. O racial vai entre aspas porque cientistas sociais abandonaram a noção de que existem raças branca, negra e indígena. Ninguém é obrigado a concordar com a igualdade, mas quem agir de forma racista deve encarar a lei.

Em fevereiro passado, durante um encontro com jornalista em Salvador, um artista branco (para os padrões locais) narrou um episódio em que foi cercado por homens negros que o espancaram sem que ele tivesse feito nada para provocar a violência. Isso foi mais de duas décadas, mas o artista continua acreditando, ou dizendo que acredita, que o ato foi justificável pelo fato de ele ser branco e de os brancos terem subjugados historicamente os negros.

(...)

A noção de que quem foi açoitado pode também açoitar resvala para um perigoso campo em que cada um pode decidir, com base na sua experiência pessoal, a quem pode atacar física ou psicologicamente. Mulheres que apanharam dos maridos podem reivindicar o direito a odiar todos os homens. Pessoas que sofreram abusos sexuais de padres na infância podem clamar que toda batina esconde um pedófilo.

Qualquer pessoa, independentemente da cor que carregue na pele, tem o direito de levar uma vida digna e respeitável. A ela não devem ser imputados os crimes e pecados cometidos por outras pessoas, apenas os que ela mesma eventualmente realize. Como ministra de Estado, Matilde Ribeiro deveria refletir sobre o impacto que a sua fala pode ter em jovens ávidos por achar em quem atirar a primeira pedra.

Gilson Jorge, jornalista, é repórter de Brasil. O texto foi publicado em Opinião, A Tarde, 5 de abril de 2007.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Registro 36: Roda de Ibejis


Enviaram-me a foto por e-mail e sem referência. Espero que o autor
se manifeste para que eu possa fazer o registro.
A imagem é deslumbrante na sua simplicidade e diz tantas
coisas para os nosso olhos por vezes nublados.
Apesar das cisrcuntâncias, amargas, as crianças brincam e
em suas brincadeiras revelam tantas coisas miúdas,
mas que fazem a diferença.
Roda-mundo

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Registro 34: Olhai...Dizei...Heverá dor igual a minha dor?





















Lá Pietà
Michelangelo

Para as mães que perderam seus filhos
e filhas
na violência do tráfico e das drogas
ou então, vitimados nas malhas do preconceito e da
discriminação.
Para todas elas que viram seus filhos estuprados,
violados,
emasculados,
subjugados
ou arrastados pelas ruas como um Judas em Sábado de Aleluia.
Para as mães que tiveram seus filhos seqüestrados e
torturados
moral e fisicamente
Para aquelas que choraram e gemeram
nas delegacias, necrotérios, cemitérios, ruas.
Para as que viram seus rebentos
podados
nos hospitais
nos campos e estradas
nas fábricas
nas repartições.
Para as mães que viram seus filhos e filhas mendigos.
Humilhados e ofendidos.
Para as mães que perderam suas crias...
iludidas,
expostas,
ridicularizadas,
fantasmáticas criaturas do mesmo sempre-igual.
Para as mães que guardaram a sua dolorosa dor
diante da arrogância,
cinismo
descaso
autoritarismo.
Para as mães...

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Registro 34:


Meditação é principalmente um meio para se atingir a liberação espiritual. Seus vários métodos são designados para afrouxar os laços físicos, permitindo que o individual ascenda ao transcendental, ao reino espiritual. Diz-se que quem realiza isto com sucesso atinge o Rúach Hacodesh, a “Inspiração Divina”, que é o termo hebraico genérico para “Iluminação”.

O mais conhecido método contemporâneo de meditação é o que envolve um mantra, uma palavra ou frase que é repetida continuamente durante um certo período de tempo A pessoa concentra-se no mantra à exclusão de tudo mais, limpando a mente de todos os pensamentos estranhos e separando-o do fluxo normal da consciência. Neste método, o mantra pode ser repetido verbalmente ou a repetição pode ser completamente mental. Este tipo de meditação é encontrado na Cabalá, especialmente entre as escolas mais antigas. Nos Hechalot, por exemplo, a pessoa começa sua ascensão espiritual repetindo 112 vezes vários Nomes Divinos.

Meditação com mantra é um exemplo de meditação estruturada dirigida externamente, na medida em que a pessoa se concentra em uma palavra ou frase definida, no lugar dos pensamentos espontâneos da mente (vagar mental). Como envolve uma prática específica, repetida por um período fixo de tempo, ela é considerada uma meditação estruturada.

Outro exemplo de meditação estruturada dirigida externamente é a contemplação, onde a pessoa olha fixamente para um objeto, colocando toda sua concentração nele. Em práticas ocultas, o tipo mais conhecido de contemplação envolve a concentração visual em uma bola de cristal. Outros tipos de contemplação envolvem mandalas, quadros ou letras, onde a pessoa se fixa nelas, enquanto esvazia a mente de todos os outros pensamentos. Na meditação cabalística, o mais simples instrumento contemplativo é o Tetragramaton (ou Tetagrama, o Nome Inefável de Deus), e isto é discutido até mesmo em trabalhos não cabalísticos. Formas mais complexas também são usadas, e este método parece haver alcançado seu ponto mais alto sob a influência do rabino Shalom Sharabi (1702-1777).

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KAPLAN,Aryeh. Meditação e Cabalá: teoria e prática. São Paulo: Editora Sêfer, 2005, p. 23

Registro 33: Sobreviventes


Registro 32: Estudos, década de 90

Peixe

Cuia Grão

Lua

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Registro 31: Na matinê do Cine Teatro Cliper

Teorema
Filme da redenção

O Sol por Testemunha
Filme perturbador

Rocco e Seus Irmãos
Tragédia grega moderna


Um Bonde Chamado Desejo
Filme tenso em sua carnalidade



O Segredo de Brokbeack Mountain
Filme tristíssimo


Em meados dos anos 50, meu pai construiu o Cine Teatro Cliper em Ipirá- Bahia. Meus olhos de menino acompanharam cada etapa desse projeto. Eu passei a ser o filho do dono do cinema, mas isso não representava muito. O que eu gostava mesmo era de mergulhar no escurinho da sala com seus cheiros característicos. Gostava de ver o baleiroTiago, arrumar o cesto com as balas, drops, chicletes, confeitos, caramelos e bombons, ajudado por minha mãe. Gostava de receber de Pedro, o projecionista, os fotogramas que sobravam. Durante o dia, quando Margarida fazia a limpeza, era uma prazer subir ao palco com sua ribalta de luzes coloridas que se acendiam anunciando o início da sessão, quando a cortina de tecido transparente abria-se para revelar imagens, imagens, imagens. Torcia para meu pai abrir as latas com filmes e ver as fotografias dos próximos cartazes. As latas em caixas de couro eram entregues em minha casa. O cheiro de acetato penetrava no meu nariz e eu, viciado, perdia-me nos enredos aventurosos, dramáticos, cômicos.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Registro 30: Um pensamento sempre moderno


Colóquio Walter Benjamin


Formas de Percepção Estética na Modernidade


PROMOÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFBA
em parceria com o Goethe-Institut Salvador-Bahia




O Colóquio reúne professores-pesquisadores de várias universidades brasileiras que se dedicam ao estudo da filosofia de Walter Benjamin. O principal objetivo é ampliar debates e estudos no Brasil, especialmente na Bahia, sobre a obra do filósofo, principalmente relacionados as formas de percepção estética da modernidade, com ênfase em questões como arte, cidade, mídia e memória. O Colóquio conta com a presença do professor Bernd Witte (Universidade Heinrich-Heine, Düsseldorf), presidente da IWBG – Internationale Walter Benjamin Gesellschaft e biógrafo de Walter Benjamin.
Local: Goethe-Institut Salvador-Bahia Data: 09 a 11 de abril de 2007Inscrições e informações: De 23 de março a 04 de abril, de 8:00 às 11:30 e de 13:30 às 16:30 horas, na FAPEX, à Rua Caetano Moura, 140, Federação, Salvador, Bahia. Tels. (71) 3183.8460 ou 3183.8459.
Programação:

Dia 09 de abril – Segunda-Feira

08:30 – Abertura
09:00 – Bernd Witte – A crise da tradição: cidade, escrita, memória
10:20 – Bernd Witte: Sobre a Sociedade Internacional Walter Benjamin
14:30 – Willi Bolle (USP) - “Um painel com milhares de lâmpadas” - As “Passagens” de Walter Benjamin como dispositivo de pesquisa
15:10– Márcio Selligmann-Silva (UNICAMP) – Mídia, tradução e judaísmo em Walter Benjamin e Vilém Flusser

Dia 10 de abril – Terça-Feira

08:30 – Jeanne Marie Gagnebin (UNICAMP/PUC-SP) – De uma estética da visibilidade a uma estética da tatibilidade em Walter Benjamin
09:10 – Carla Milani Damião (UESC) – Distração, tatibilidade e hábito: percepção e recepção no cinema segundo Walter Benjamin
10:20 – Ernani Chaves (UFPA) – Inconsciente ótico e função terapêutica do cinema: deslocamento do olhar em Walter Benjamin
14:30 – Olgária Mattos (USP) : A Aufklärung urbana: a via-láctea secularizada
15:10 – Suzana Kampff-Lages (UFF) – Tradução como rememoração: Benjamin e Baudelaire

Dia 11 de abril – Quarta-feira

08:30 – Taísa Palhares (USP)– Aura e a crise da arte em Walter Benjamin?
09:10 – Edvaldo Souza Couto (UFBA) – Walter Benjamin: ruas, objetos e passantes
10:10 _ Gunter Pressler (UFPA) – Walter Benjamin e a poesia concreta brasileira
14:30 – Emiliano Aquino (UECE) – Walter Benjamin e o problema da aparência social do capitalismo
15:10 – Romero Freitas (UFOP) – Da ironia romântica ao estranhamento brechtiano
20:00 – Mesa “Botando Banco” - Walter Benjamin: Mídia e Cultura. Moderador: João Carlos Salles(UFBA)
20:05 _ Antonia Torreão Herrera (UFBA) – Questões contemporâneas sobre o narrador: conversando com Walter Benjamin
20: 35_ André Lemos (UFBA) – Benjamin e o ciber-flâneur
21:05 – Bernd Witte - Titulo a confirmar

Apoio: Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFBA, Capes, Goethe-Institut Salvador-Bahia.