sábado, 21 de abril de 2007

Registro 48: Fragmento


A MULHER QUE MATOU OS PEIXES

Clarice Lispector

Agora vou falar sobre bichos convidados, igual ao meu convite para vocês. Às vezes não basta convidar: tem-se que comprar.

Por exemplo, convidei dois coelhos para morar com a gente e paguei um dinheiro ao dono deles. Coelho tem uma história muito secreta, quero dizer, com muitos segredos.

Eu até já contei a história de um coelho num livro para gente pequena e para gente grande. Meu livro sobre coelhos se chama assim: “O mistério do coelho pensante”. Gosto muito de escrever histórias para crianças e gente grande. Fico muito contente quando os grandes e os pequenos gostam do que escrevi.

Se vocês gostam de escrever ou desenhar ou dançar ou cantar, façam porque é ótimo: enquanto a gente brinca assim, não se sente mais sozinha, e fica de coração quente.

Voltando aos coelhos, tem gente que come coelho. Eu não tenho coragem porque é como se eu comesse um amigo. Os dois coelhos que tivemos em casa eram meus amigos.

Também tivemos aqui em casa dois patos comprados que andavam o dia inteiro atrás da gente com aquele modo engraçado de andar, e pensando que a gente é mãe deles. Quando eu encontrar vocês, vou imitar o modo de andar dos patos.

Outro bicho que pensa que a gente é a mãe deles é qualquer pinto. Nesse ponto o pinto é igual a gente: fica com saudade do calor da galinha-mãe. O que a gente pode fazer de bom para um pinto que fica piando e chorando de saudade é segurá-lo na mão e esquentar o corpo dele. Quando a gente pega neles a gente sente o seu minúsculo coração batendo dentro do pequeno corpo fofo e morno deles. Embaixo das penas macias sentem-se os ossos bem finos das costelas deles. Pinto é sempre magrinho. E, longe da galinha, morre à toa.



LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, pp. 19, 20.

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