segunda-feira, 2 de abril de 2007

Registro 29: Diga daí, amizade...

Eu tenho um amigo que, entre as atividades que faz, escreve poesia. Conheci-o no palco dando cambalhotas - vestido numa sunga ridícula - em A Morta, de Oswald de Andrade, espetáculo dirigido pelo amigo comum, Emílio di Biasi. Trinta anos já se vão desde que dividimos o palco da Sala Gil Vicente – Teatro Ruth Escobar. Hoje, meu amigo dá cambalhotas mentais e eu desisti do palco. Ele é muito inteligente, cheio de normas, mas vive fora delas. É delicado, mas quando tromba com alguém, saia da frente: ele pode lhe chamar de “fubá da Vila Nhocunhé”. Mas não dê tanta importância, já que o coração é grande e a alma não é pequena.

Solicitei o envio de alguns dos seus escritos para registrar na Cenadiária. Como ele não mandou, capturei um deles em Umazona, seu blog cheio de novidades, textos incríveis, coisa de gente que pesquisa, que tem alfarrábios, que guarda segredos e partilha com o mundo. Ele é exagerado, generoso, gosta dos prazeres do mundo, mas não descuida das coisas do espírito, embora militante das fileiras marxistas.
Guardo esse amigo, e outros, em um “cofre que não se pode fechar de cheio”. A nossa convivência foi sempre respeitosa, mas nem sempre tranqüila. Mas é viva, surpreendente, cativante e cheia de humor, mesmo quando nossos achaques interferem pondo em risco o equilíbrio delicado, sensível e cuidadoso da amizade.

Quando cantava uma partida próxima
Ou em aflito esperar pelo dia, ou
Como fazem ifigênias iguais em todo porto
Repetindo o balé já sabido por ambos,
Assim ou assado, tanto se lhe dá (ou come),
Principalmente agora, outros rituais, talvez.
Cem por cento, ou cem por uma?
Na seleção dos gestos, roupas e atavios,
Lã do encostar doce-molente em cada corpo,
Corpos lavados, lisos, penteados,
Um pouco de dinheiro novo é bom.
Talvez o grito, o gozo, seja falso hoje,
Talvez não hoje, mas amanhã, quem sabe?
Existe mesmo o toque do sagrado, é certo.
Existe mesmo o toque do sagrado.
Não fora assim, porém, fácil seria o erro,
O mesmo antigo, eterno e sempre branco alvo
Vestido lógico, comum de dois somente:
A Noiva,
O Marinheiro.
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PIMENTEL, Cid. Os originais, São Paulo: Hucitec, 1986.