segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Registro 419: Mais uma vez Cachoeira


Mais um dia cachoeirano. Sábado (09.02,2013) de andanças pela cidade, suas ruas estreitas, ladeiras íngremes, casarões, os mais belos, alguns cuidadosamente conservados, outros nem tanto. Que belo seria se a população como um todo tivesse condições de preservar seu patrimônio. Ainda assim, é notável o cuidado com que muitos moradores tratam suas moradas. Fomos visitar outra benzedeira, ou rezadeira, como queira o leitor. Dona Odete mora numa casa humilde na lateral da Igreja do Rosarinho, perto do cemitério destinado aos negros, sítio restaurado na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Perto também do cemitério dos alemães. Na última vez que estivemos (2012) aqui, o cemitério estava completamente abandonado, mas soube que havia um projeto de resaturo que se arrastava pelas confusas redes burocráticas. Soube também que não havia tanto interesse por ser um sítio destinado a enterrar brancos, uma atitude maléfica desencadeada por esta política equivocada que tenta impor um padrão norte-americano entre nós, ou seja, dividir uma nação miscigenada em brancos de um lado e negros do outro. Reafirmo aqui que sou totalmente contra a tal política. Reafirmo também o meu posicionamento contra ao preconceito e contra a falta de oportunidades para os pobres desta terra Brasilis. É certo que vivemos numa sociedade extremamente preconceituosa, mas não apartada.

Mas voltemos ao foco do registro, a visita que fizemos a Dona Odete, simplicidade visível no viver. Atitude acolhedora se mostra imediatamente e se amplia à medida que se quebram as barreiras proporcionadas pelo desconhecimento, tanto de um lado quanto do outro. Ela nos benzeu e disse ao meu amigo que ela estava muito carregado, puro mau olhado. Não comentou nada a meu respeito, mas rezou-me com a sabedoria dos antigos, conhecedora que é da bondades e das maldades deste mundo. A visita se encerrou com abraços.

Em seguida fomos a São Félix em busca de uma senhora fazedora de bonecas de pano, uma indicação da funcionária da Pousada. Rodamos sem encontrar o destino, até que alguém nos indicou a casa da irmã de Dona Noêmia. Gentilmente, a irmã no levou até a bonequeira, artesã de primeira. Para nossa surpresa de habitantes de cidade grande, a receptividade da senhora revelava uma outra maneira de ver o mundo, de conviver. Ainda que soubesse da violência do mundo distante e também do próximo, ela nos recebeu em sua casa, uma típica construção do começo do século XX, com seu longo corredor que dá acesso às salas. Por elas passamos para a varanda ladeada pelo estreito quintal com plantas exuberantes. Dona Noêmia nos mostrou algumas das suas bonecas, mas não tinha exemplar para venda.

Retornamos a Cachoeira em busca de outra senhora que nos indicaram como artesã de bonecas, mas não encontramos sua casa. Deixamos então para o domingo de carnaval. Fomos convidados para ir até Maragojipe para ver os blocos de mascarados, no meu tempo de menino chamados de caretas. Declinamos, pois tínhamos outros planos: descansar refrigerados pelo ar condicionado.

No domingo, conseguimos chegar até a casa de Dona Anita, mas ela não estava. Passamos mais uma vez no atelier de Mimo e adquirimos mais uma peça.

Antes de dormir, uma olhada no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Um horror. Estúpidos enredos, megalomania dos carnavalescos, tecnologia em vez de criatividade. Uma pena.

Segunda pela manhã, retornamos para tentar encontrar Dona Anita. Ela nos recebeu atenciosamente e saímos de lá com duas bonecas de pano, bonecas de feitio tradicional, tal qual as que eram vendidas na feira livre de Ipirá. As minhas irmãs brincaram com bonecas de pano que vão perdendo lugar para as de plástico feitas em série e sem muitas surpresas. Passamos mais uma vez pela praça e encontramos Davi, o pintor e Seu Zé, o fotógrafo. Um dedo de prosa na manhã ensolarada de céu azul bordado por nuvens brancas.

Lendo a Folha de de S. Paulo, edição de hoje, segunda-feira, li a entrevista de João Jorge Rodrigues, do Olodum sobre o carnaval soteropolitano. Embora discorde de alguns pontos, a sua fala é lúcida e coerente. Recortei o seguinte trecho:


"Folha de S. Paulo: - O chamado 'Afródromo' ajuda ou atrapalha o cenário? [a iniciativa de Carlinhos Brown e outras seis entidades de criar um novo circuito, exclusivo para os blocos afro, estrearia neste ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura]

João Jorge - O Olodum tem brigado muito para sair mais cedo e poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma equitativa os blocos afros.

Ao mesmo tempo, eles resolveram fazer algo separado. O que a sociedade mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem da disputa com eles. É como se soubéssemos o lugar em que deveríamos ficar, em vez de aparecermos na Barra, no Campo Grande.

Mais ainda: obriga o poder público a ter gastos com outro circuito, quando os recursos poderiam ser distribuídos de uma forma melhor".

Não sei se é o que quer a sociedade. Generalizar é radicalizar. Não concordo com a ideia de se criar o tal circuito já denominado de "Afródromo". Mais um absurdo nos absurdos baianos. Sou do tempo que o carnaval era a atração e as personalidades, os famosos, brincavam na rua junto com os foliões. Era reconhecidos, às vezes aporrinhados por fãs afoitos, mas estavam na rua, ali na Praça Castro Alves, na famosa escadaria, dançando e se divertindo. A mesmice tomou conta do circuito Barra-Ondina, tudo igual, repetitivo e chato. É certo que o carnaval passaria por transformações, mas elas aconteceram de cima para baixo. O poder público em conluio com o poder privado, incluindo os artistas, impuseram o modelo que está aí. Só quero ver quando a coisa não funcionar mais? Qual será a proposta urdida nos gabinetes. Mataram o carnaval no Centro, confinaram parte da festa no Centro Histórico. Fazem o mesmo com o circuito do Campo Grande que perde o interesse para as redes de televisão. Tudo se volta para o circuito "nobre", Barra-Ondina. Até quando? A força da grana determina tudo e o povão vai na onda.