quinta-feira, 17 de maio de 2007

Registro 76: Romance-vida


Nasci em Bolonha, no dia 5 de março de 1922. Quantas coisas caro Gennariello, estão contidas nestas poucas palavras! Alegro-me por você ter o coração bastante simples, bastante puro, e o espírito ainda muito jovem e totalmente aberto para o espetáculo do mundo! Para falar-lhe não terei necessidade de embaralhar artificialmente a ordem desta narrativa, nem receio de começar pelo princípio. Você é meu destinatário. Não desejo outros. Peço-lhe que permaneça sempre o rapaz napolitano que amo: vivo, sincero, saudável de alma e de corpo, pronto a penetrar em cada novo livro com a seriedade de um menino pobre que vai pela primeira vez à escola, mas ao mesmo tempo disposto a rejeitá-lo rindo às gargalhadas se o autor o aborrece através de um estilo complicado e obscuro.

Tivesse eu escolhido como audiência o frívolo público literário e os seus pedantes mentores que o censuram por dar importância ao tempo cronológico, sentir-me-ia tão livre para relatar a minha vida, um episódio após o outro, como aconteceram? Para agradar àqueles senhores, seria necessário quebrar a seqüência natural dos acontecimentos, desprezar as datas, contar ao inverso, misturar o presente, o passado e o futuro, num quebra-cabeça pretensioso. Seria igualmente necessário que a palavra deixasse de ser a roupagem simples do pensamento e que perdesse todas as suas qualidades, toda a elegância de sua perfeita proporção com a idéia a apresentar. E então, tudo isso passaria a ser um jogo verbal gratuito, aquilo que eles chamam de “linguagem”, independente das coisas que desejamos exprimir.
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FERNANDEZ, Dominique. Pela mão do anjo. Rio de Janeiro: Rocco, 1985, p.11.
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PELA MÃO DO ANJO não é uma biografia convencional de Pier Paolo Pasolini (...)Mas para preencher as lacunas deixadas pela reserva de Pasolini em falar de si mesmo como pessao - não obstante sua coragem de discutir desassombradamente seus segredos - Domique Fernadez impregnou-se de tal modo da personalidade do angustiado escritor e cineasta, que foi capaz de escrever toda a narrativa na primeira pessao, como se o próprio Pasolini nos falasse.