domingo, 25 de janeiro de 2009

Registro 234: Uma frase

A luz de Deus ou nos ilumina ou nos cega.
Não sei quem é o autor da frase. Ela termina o filme de Alexandre Inárritu sobre o ataque ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. O curta faz parte do longa metragem sobre o ataque as Torres Gêmeas, reunindo trabalhos dos diretores Samira Makhamalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine (Egito), Danis Tanovic (Bósnia), Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Ken Loach (Reino Unido), Alejandro González Iñárritu (México), Amos Gitai (Israel), Mira Nair (Índia), Sean Penn (EUA) e Shohei Imamura (Japão).

sábado, 24 de janeiro de 2009

Registro 233: Alinhavos sobre o cotidiano cultural

Tomou posse o novo diretor da Fundação Gregório de Mattos, prometendo “descentralização e deselitização da cultura”. O chavão me dá arrepios. Ao que parece, vamos ter mais uma onda populista na área cultural. Embora o governo municipal esteja em rota de colisão com o estadual, parece que o discurso se afina quando a questão é a Cultura. Identidade preocupante.

Mas vamos lá: uma das ideias do diretor é construir o Teatro Municipal na Praça Castro Alves. Em uma cidade com poucos teatros, a iniciativa é oportuna. Espera-se que o futuro Teatro Municipal não sirva apenas para ser palco de eventos que veem de fora, mas dê espaço para as produções teatrais, coreográficas e musicais geradas aqui na soterópolis. Ah, e que saia do papel.

Um teatro nas imediações da Ladeira Montanha pode contribuir para a revitalização do logradouro, mas isso por si só não garante a mudança da relação que a população tem com o local. Para que a área passe a ser aceita como um local vivo e atraente é necessário muito mais que boas intenções. Cabe ao poder público planejar e executar ações que facilitem o acesso dos interessados ao bens culturais; para isso é preciso de transporte público fácil, rápido, constante e cobrindo horários mais avançados, já que as atividades artísticas muitas vezes terminam mais tarde que o horário de funcionamento do transporte coletivo. Depois disso, pensar e efetivamente em tornar o lugar seguro, o que atualmente não é. Em determinados horários, caso não se tenha transporte particular, ir ao Espaço Unibanco Glauber Rocha é uma temeridade. Depois das 18:00 h, o centro da cidade fica despovoado. Uma cidade fantasma com seus velhos e belos edifícios, ruas sombrias, nenhum restaurante, bar ou lanchonete decente. Além disso, o fedor de urina e fezes impregnado nas calçadas causa mal estar. Uma tristeza!

Mas antes do Teatro Municipal, por que não inaugurar efetivamente o Centro Cultural da Barroquinha? A obra encontra-se em processo de deterioração, depois do eleitoreiro e falso ato inaugural, quando da campanha para reeleição do péssimo prefeito que aí está. Como não entendo dos jogos políticos partidários,que favoreceram a reeleição, deixo de emitir opinião. Mas sinto que algo não cheira bem nessa esfera de alianças e jogadas. É certo que alguns eleitores foram conduzidos às urnas animados com a maquiagem das calçadas da Barra, já em processo de desgaste, visto que a execução foi apressada e de segunda. E não falo isso por conta da montagem das arquibancadas e postes de iluminação para o carnaval, a tal infraestrutura. Muito antes, constatavam-se fissuras enormes no cimento e nos recortes decorativos da sem-graça calçada. Pode-se imaginar como o local vai ficar depois do carnaval. Mas não vamos ser alarmistas.

O Centro Cultural da Barroquinha precisa de um projeto desenvolvido por uma equipe de gestores culturais que entendam do riscado e não fiquem por aí arrotando um discurso que não se efetiva de fato. Acreditamos que esse projeto exista e corresponda não somente ao espaço, mas se abra para as manifestações que dialoguem com tradição e a contemporaneidade nas artes, sem tanta ideologização, como vem acontecendo nos diversos setores da vida artístico-cultural. Esse Centro Cultural deve se abrir para a diversidade e não privilegiar apenas um segmento.

Entre os projetos do recém empossado diretor está a construção da Pinacoteca Municipal. Outra ideia louvável, mas equivocada por conta do lugar escolhido para sua instalação, o Teatro Gregório de Mattos. O belo espaço projetado por Lina Bo Bardi foi deixado às favas e nos últimos anos não cumpriu com sua função. No seu interior instalou-se um boteco de segunda categoria, as exposições não tinham sequer uma curadoria e o espaço estava sendo tratado de qualquer jeito, afastando de lá os espetáculos e os espectadores. Hoje fechado, pretende-se então transformá-lo numa Pinacoteca; um equívoco. Pelo seu tamanho, o edifício não comporta uma pinacoteca, que requer não só espaços para exposição do seu acervo, como locais para exposições temporárias, além de reserva técnica, centro de restauração, setor educativo, biblioteca e salas para abrigar os técnicos, a diretoria e tudo mais que esse tipo de instituição precisa para funcionar de fato e de direito. Ou não existe acervo suficiente para espaço mais adequado ou o que vemos é mais um jogo de cena. Palavras ao vento.

Por que não reformar o Teatro Gregório de Mattos, equipá-lo e colocar à sua frente alguém que entenda de administração de espaços culturais, como um teatro? O edifício está ali a espera de revitalização, para ser oferecido como mais um espaço para abrigar os espetáculos que precisam de pequenos teatros. O modulável projeto de Lina Bo Bardi não pode ser o que não é. Com tantos edifícios desocupados e com perfil mais apropriado para uma Pinacoteca, escolhe-se o Teatro Gregório de Mattos para o seu destino. Tem alguma coisa errada nisso tudo ou não tem? Deixo que o leitor responda.

Outra coisa questionável é somente pensar em Oscar Niemeyer como o arquiteto para o projeto do Teatro Municipal. Nada contra o nosso grande e criativo e superlativo Niemeyer. Ele já nos deu inúmeras provas de sua sensibilidade e competência, ainda que tenha cometido seus pecadilhos. Mas como o assunto aqui é outro, não cabe levantar alguns equívocos do querido arquiteto, reconhecido internacionalmente por sua competência. Ele certamente fará um belo projeto. Ainda assim, deveria se dar oportunidade aos novos e competentes arquitetos, para que eles possam mostrar suas propostas. Arquitetos que saibam fazer teatro, que conheçam o que é um palco e suas áreas necessárias para a montagem de espetáculos e circulação de artistas e técnicos. A maioria dos teatros construídos no país apresentam falhas devido o desconhecimento por parte dos responsáveis do que seja um palco.

Ficamos livres do Museu Guggenheim, lembra-se, caro leitor? Agora teremos uma obra faraônica na encosta.

Já que estou comentando sobre planos, projetos e que tais do governo municipal, aproveito para indagar aos administradores estaduais: por que o Passeio Público encontra-se tão abandonado? E a reforma do Palácio da Aclamação, ficou pela metade?

Outro dia fui ao Teatro Vila Velha para ensaiar. Como cheguei pouco antes do horário marcado, aproveitei para andar pelo Passeio Público, um dos belos espaços que esta cidade tem, mas relegado ao abandono: calçadas, canteiros, estátuas e fonte, destruídas; árvores apodrecendo sem que se tome uma providência, fios cruzando de um poste a outro de qualquer jeito, gramado seco, descuidado. Uma pena. Se olharmos as pinturas e as fotos antigas que retrataram o lugar desde sua fundação, veremos que o Passeio Público foi relegado ao descaso por parte da administração estadual, fato que não se dá na gestão atual. Ali também se encontra uma construção, cuja parede da frente traz escrito “Teatro Popular”, imagino ser a sede de algum grupo ou mesmo um Teatro. Mas olhando pelas vidraças quebradas vemos uma platéia e um pequeno palco, ambos empoeirados, prova de que o lugar não oferece condições mínimas para que se façam atividades. Ao deparar-me com o local, perguntei-me sobre o motivo do abandono. A construção poderia cumprir seu papel, desde que fosse adaptada para as atividades teatrais. Um espaço desperdiçado a espera de alguém com vontade de transformá-lo em um teatro pequeno e bem equipado.

Olhei as ruínas e segui em frente, mas não indiferente ao que via. Aquele espaço no fundo do Palácio da Aclamação está pleno de possibilidades. Andei guiado pela vontade de vê-lo transformado. Fiz planos. Imaginei. A mente tem espaço para esse exercício de criação. Se não me engano, o poeta Manuel de Barros disse: o que eu imagino é o que existe. Tomo as palavras do poeta para dizer que aquilo que imaginei para o Passeio Público e para o tal Teatro Popular existe como uma imagem fortemente viva porque nela acredito.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Registro 232: Outro olhar sobre "A TROCA"

A PRESENÇA DO PASSADO
JORGE COLI
A história é clara, mas o pensamento tão complexo. Nada de conceito teórico, mas uma reflexão intrincada brotando, intuitiva, dentro do filme. A expressão perfeitamente controlada engendra uma força que não se refreia. "A Troca" retoma obsessões que se tecem a partir de tudo que Clint Eastwood filmou. Alguns críticos tentaram, sem sucesso, enquadrá-lo em um único gênero: film noir, melodrama, policial, filme social, filme político. Ele contém tudo isso para formar outra coisa: uma convicção ética que exclui o maniqueísmo.Nos anos de 1970, Eastwood fazia vingadores se levantarem contra a ordem social, comandada por poderosos sempre corrompidos até o cerne. O vingador vingava, não para restabelecer uma ordem justa, mas para destruí-la naquilo que estava ao seu alcance. Encontrava refúgio em comunidades de "outsiders", em meio à gente desprezada, mas leal, sincera, verdadeira: basta ver "O Estranho Sem Nome" ou "Josey Wales - O Fora da Lei"."A Troca" expõe, ela também, a luta individual capaz de enfrentar o complô dos interesses sujos e das mentiras infames. O sonho da comunidade permanece, embora mais tênue e transformado, não mais na antiga utopia comunitária, mas em certas afinidades, algumas éticas, outras mais difíceis de explicar.A palavra afinidade é uma chave no cinema de Clint Eastwood: significa laços invisíveis, muito poderosos, e para além das convenções. Quem viu não se esquece da cena unindo dois mortos que se amaram e se odiaram, em "Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal". Há esse estranho filme, "Dívida de Sangue", em que dois personagens se ligam por razões nada racionais. O assassino abjeto de "A Troca" descobre uma surpreendente sintonia com a heroína, Angelina Jolie. Carrascos Os desmandos policiais expostos em "A Troca" são terríveis. O momento no qual, verdadeiro filme dentro do filme, surgem expostas as cumplicidades entre polícia e psiquiatria para abaterem-se com crueldade abjeta sobre as mulheres, é digno do mais alto Foucault. Dirty Harry, personagem do tira durão, machista, matador, que Eastwood interpretou em vários filmes, o primeiro deles dirigido por Don Siegel, ficou bem longe."A Troca" mostra suspeitos sendo baleados como num fuzilamento por razões torvas. A cena, que lembra os abates nos campos de concentração nazistas, remete para realidades como os esquadrões da morte, o Bope, e discursos delirantes do atual governador de Mato Grosso do Sul, que manda a polícia esquecer os direitos humanos. Sinistro Em "A Troca", Eastwood acusa, mas avança, e ultrapassa a denúncia militante graças ao personagem do serial killer. Ele encarnaria o mal absoluto, se o diretor não lhe tivesse concedido dimensão humana.Uma cena de execução judicial por enforcamento, descritiva, detalhada, expõe a barbárie da pena de morte como mais um crime cruel e perverso. O prisioneiro, cantando "Noite Feliz", mostra-se, ele próprio, habitado por uma inconsciência infantil. É um formidável momento de cinema. "A Troca" faz pensar no Kieslowski de "Não Matarás", no Chabrol de "O Açougueiro" e, sobretudo, em "M, o Vampiro de Düsseldorf", de Fritz Lang.Como neste último, a justiça é incapaz de compreender e, sobretudo, de resolver a questão do mal. Luz "Sobre Meninos e Lobos", o filme mais pessimista de Eastwood, centra-se, como "A Troca", na violência sobre crianças. Agora, porém, a última palavra é esperança.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Registro 231

Quando li o artigo de Daniel Finkelstein fiquei assustado com as suas colocações. Procurei entendê-las, mas não encontrei argumentos que sustentassem sua perspectiva. Ao ler a Folha de S. Paulo, edição de 14 de janeiro, encontrei o elucidador texto de Marcelo Coelho, articulista que sempre leio, pois seus textos sempre trazem um ponto de vista com o qual, na maioria das vezes concordo. Por esse motivo, ainda que não tenha lhe pedido permissão, transcrevo-o, pois acho que seu texto é merecedor de um lugar no modesto Cenadiária.

Caso você discorde ou concorde pode deixar comentário, procurando ler também o texto anterior que trata da questão em pauta, as ações tenebrosas em Gaza. Esse lugar na Terra Prometida vem se tornando a imagem de um campo de extermínio. Esclareço mais uma vez que não faço a defesa do terrorismo nem de ações que colocam em risco a vida de tanta gente sofrida. O texto de Marcelo Coelho abre a nossa percepção e é uma resposta ao texto de Daniel Finkelstein. Uma resposta lúcida, não sectária nem tendenciosa. Gostaria de ter escrito o texto

SOMOS TODOS JUDEUS
Marcelo Coelho

É MUITO EXALTADO e revelador o artigo de Daniel Finkelstein, colunista do "Times" londrino, que o suplemento "Mais!" reproduziu neste domingo. Um trecho:"A origem do Estado de Israel não está na religião ou no nacionalismo:está na experiência da opressão e do assassinato, no medo da aniquilação total e na conclusão amarga de que não foi possível confiar na opinião mundial para proteger judeus. Israel foi ideia de um jornalista.

Theodor Herzl era o correspondente em Paris da "Neue Freie Press" quando testemunhou manifestações antissemitas violentas contra o capitão Alfred Dreyfus, judeu (...).

Essa experiência levou Herzl a perder sua fé na assimilação. Ele se convenceu de que os judeus só poderiam viver em segurança se tivessem seu próprio país. Muitos judeus resistiram a sua conclusão durante muitos anos. (...) Mas a experiência de judeus de todo o mundo na primeira metade do século 20 (...) acabou confirmando a visão de Herzl.

Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria ideia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem tutelados da opinião mundial".

Não será uma loucura todo esse raciocínio de Finkelstein? A odiosa perseguição antissemita ao capitão Dreyfus terminou em vitória contra o preconceito. A Segunda Guerra Mundial terminou em vitória contra Hitler. A insegurança dos judeus, no mundo ocidental, diminuiu a quase zero no Pós-Guerra.

A criação de um Estado judeu no Oriente Médio tem sido o único fator a reverter esse processo.

A opinião pública mundial sempre esteve disposta a defender os judeus. Não mais, quando para reagir ao fundamentalismo cego do Hamas e do Hizbollah se matam as irmãs árabes de Anne Frank.

É justamente nesse momento que o articulista do "Times" se sente liberado para dizer que a opinião pública mundial não deve tutelar os judeus. "Opinião pública mundial" termina virando sinônimo, na verdade, do bom senso e da moralidade básica de qualquer ser humano.

Nada entendo de táticas de guerra, mas imagino que o Exército israelense, capaz de brilhantes operações como as de Entebbe e da Guerra dos Seis Dias, poderia conceber meios melhores para debelar os assassinos do Hamas do que mísseis que matam crianças e civis.

Israel dissemina o terror numa população que nem sequer tem condições de fugir. O terror, a fome e a miséria criarão novos militantes que nada têm a perder.Quantas fotos, ao lado daquelas das crianças mortas, não mostram também crianças protestando e jogando pedras contra os judeus? O ódio é incutido desde cedo; semeia-se com bombas de última geração a insegurança de Israel nos próximos 20 anos.Certamente, atos de violência e bombardeios localizados nem sempre são ineficazes. Mísseis caíram sobre o palácio do ditador líbio Muammar Gadafi e isso ajudou a torná-lo minimamente razoável.

Não sei se o mesmo acontecerá depois de Israel destruir tudo o que existe em Gaza. Mas sei que cada criança morta ali é também um atestado da morte moral do Estado judeu.Quiseram construí-lo para segurança dos judeus? A interpretação é pobre, mas vá lá: o fato é que essa segurança pouco existe. Existe mais nas democracias ocidentais, de que o sionismo desconfiava tanto.

Quiseram construí-lo, numa interpretação melhor, em nome da moralidade e da inocência de um povo injustamente atacado e perseguido? Seria melhor cumprir então o que está atrás dessa ideia, e ser antes vítima que perseguidor, antes inocente que assassino.

Para mim, a sorte do judaísmo simboliza a sorte da humanidade toda, na exata medida em que não há Estado a defendê-la. O lar dos judeus, o verdadeiro lar, é um mundo em que todos sejam iguais. É este o lar que quero para mim, que me sinto judeu. Pois são judeus todos aqueles submetidos à perseguição, ao preconceito e ao racismo. Judia é aquela criança carregada pelos pais, morta pelos mísseis de Israel.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Registro 230: Palestina - PAZ - Israel

Como ficar indiferente ao conflito israelense-palestino que irrompeu no alvorecer de 2009, desencadeando ataques mortíferos que resultam na morte de tantos civis? Como ficar passivo diante da morte de tantas crianças? Como se comportar diante de tantas informações e tomar uma posição?

Moralmente, humanitariamente, coloco-me contra a violência da guerra, principalmente quando ela varre da terra vidas humanas, muitas delas contrárias ao conflito. Penso que em meio aos israelenses e entre os palestinos muitos se colocam frontalmente contra o ódio que vem sendo cultivado ao longo dos anos.

Tanto os palestinos quanto os judeus acreditam que a Terra Prometida lhes pertence. Essa terra se estende do Mediterrâneo até o rio Jordão. Terra que povoa o real e o imaginário de todos nós. Nessa estreita faixa de terra, vivem cerca de cinco milhões de judeus e cerca de quatro milhões e meio de árabes, povos tão semelhantes e tão diversos, mas muito próximos. Para os judeus, essa terra tem o nome de Israel, para os árabes é a Palestina. Ambos os povos têm razões para acreditar que a terra lhes pertence.

Vejamos as razões dos judeus: historicamente a região foi um reino judeu; após a revolta contra a dominação romana, de 70 a 135 D.C., a Judéia recebeu o nome de Palestina, denominação dada pelos romanos. Por essa época, os judeus se dispersaram, mas muitos permaneceram vivendo na região.

A cada ano, desde que se destruiu do templo de Jerusalém, os judeus oram para retornar a essa terra. Ao se encerra os festejos da Páscoa, festa que rememora a saída do Egito, o judeus proferem a seguinte frase: “No próximo ano em Jerusalém”. Nas três orações diárias a comunidade judaica, pelo menos os religiosos, volta-se para a direção onde está a cidade de Jerusalém que é sua cidade mais sagrada, como é sagrada também para os árabes, ainda que Meca seja o lugar de peregrinação mais importante. Jerusalém é também uma cidade sagrada para os cristãos do mundo inteiro, embora Roma exerça um papel de suma importância.

Na história do povo judeu registram-se inúmeros momentos de perseguição. Após séculos de trágicas Cruzadas que também causaram danos aos árabes, depois dos progroms e por fim depois da Shoah, a maior parte dos judeus, mas nem todos, acreditam que apenas estarão a salvo de perseguições se existir um Estado de Israel independente, fato que se concretizou em 1948.

Vejamos as razões para que os árabes acreditem que essa terra lhe pertence: os povos árabes que habitam essa terra estão nela desde muitos séculos e suas esperanças aumentaram significativamente após a conquista mulçumana no século VII. A vida e as tradições dos que habitam a região revelam uma forte ligação com os lugares onde seus ancestrais viveram de geração a geração. A cidade de Jerusalém é um centro cultural, social e religioso para os árabes.

Como fazer para que esses povos vivam em paz e construam sua história abolindo as agressões bilaterais? Muitas são as repostas, os argumentos, as perspectivas. Caso sigamos os argumentos de um povo ou de outro podemos fazer uma escolha irrelevante, visto que ambos os povos têm direitos a essa terra. Esses direitos são amplamente reconhecidos pela comunidade das nações. Além disso, devemos considerar que nenhum dos dois povos simplesmente desaparecerá, hoje, amanhã ou depois. Eles estão aí. São muitos, são importantes, são povos com uma história, uma identidade. E a pergunta surge: o que fazer a respeito.

A saída pode estar em quatro soluções possíveis para acabar com o conflito.

1 – Os árabes ficam com toda a terra
2 – Os judeus ficam com toda a terra
A solução 1 e 2 envolveria a eliminação do outro lado pela força. O uso da força extrema geraria ações de deportação em massa e o genocídio. Para isso, árabes e judeus lutariam entre si até a destruição mútua.

3 – Um Estado binacional para judeus e árabes
A solução de um estado binacional pode soar atrativa teoricamente, mas é impossível colocá-la em prática tendo em vista o estado de tensão permanente e os ódios entre os povos. Além disso, esse tipo de solução contraria o desejo de autonomia e autodeterminação de cada um dos povos.

4 – Dois Estados para os dois povos.
A única solução viável de paz duradoura seria através da existência de dois estados independentes, vivendo lado-a-lado, com fronteiras seguras e mutuamente reconhecidas. Essa ideia foi a que uniu os dirigentes dos palestinos e dos judeus em Oslo. Mas o Processo de Oslo falhou, falhou não por ter sido baseado em premissas erradas. Elas estavam corretas na defesa de dois estados para os dois povos, única maneira de se chegar à paz na região O processo fracassou porque cada lado costuma culpar o outro.

Para os palestinos, os argumentos vão nessa direção: a visita de Sharon ao monte do templo, o assentamento de Israel na Cisjordânia e Gaza e os bloqueios israelenses e as punições coletivas. Para os israelenses os argumentos são: recusa de Arafat às propostas de Barak em Camp David, os atentados terroristas e o incitamento dos palestinos à violência e ódio pela educação. Diante desses argumentos podemos julgar quais atos consideramos mais imorais e injustos, ou quem tem razão. Cada lado faz um contagem diferente de sangue e culpas. Cada lado costuma escolher diferentes fatos divulgar ou omitir. É importante levar em conta que boa parte de ambos os lados perdeu a confiança e a crença no comportamento do outro, com a solução de dois estados frustrados com o processo de Oslo.

Para que os povos, palestinos e israelenses, encontrem a medida justa é necessário combater a intolerância, já que existe nos dois lados pessoas que se recusam aceitar os direitos humanos e nacionais do outro. Portanto, esses grupos precisam ser combatidos no interior de sua cultura, cada um arcando com essa responsabilidade. Combater esses grupos é uma solução necessária. Palestinos e israelenses devem dizer não aos seus membros intolerantes e às suas formas violentas. É preciso acabar com o medo do outro. Enquanto houver medo cultivado a insegurança dissemina-se e os dois lados partem para o confronto.

Dei aulas em uma instituição judaica, o Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem. Ali, conviviam brasileiros. Em meio a esse ambiente laico e progressista longe do dogmatismo e afastado do sionismo,
aprendi muito e reafirmei a minha vontade de permanecer do lado daqueles que acreditam nas possibilidades de uma convivência pacífica entre pessoas e culturas diferentes. Tal afirmação não aceita a totalidade dos comportaemntos individuais e cuturais. As teses do multiculturalismo precisam ser olhadas cuidadosamente para que se aponte as vias deformantes e os descalrbos perpretados em nome de uma totalidade que não deve ser aceita plenamente.

Trabalhei com judeus e árabes em diversos elencos e partilhei com eles convivência pacífica, civilizadora, fraterna, que não impedia a divergência.

Hoje, quando vemos grassar entre nós o fundamentalismo político, religioso e étnico, eu me lembro dos meus alunos, dos meus colegas professores, dos meus companheiros de teatro, dos meus amigos árabes e judeus e tenho esperança.
Faz muitos anos, li um artigo de Umberto Eco onde ele dizia que a tolerância tinha um limite. E que era preciso atentar para não abaixarmos a cabeça diante das ações desumanas, com receio do nos tornarmos intolerantes. Faço a defesa daqueles que cobatem a intolerância por saber os caminhos que eles trilham. Esse caminho nega o ódio e o medo.

Muitas das ideias contidas nesse texto foram retiradas de um documento eletrônico, apócrifo, que recebi. Como não tenho conhecimento da autoria, reservo- me o direito de avisar que nem tudo que está escrito aqui é meu. Mas elas se tornam minhas ideias porque nelas acredito.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Registro 229: "A TROCA"

  1. Os críticos especializados em cinema se especializam tanto que viram uns chatos. Não conseguem relaxar e assisti a um filme que não seja "especializado" ou seja filme "cabeça". Falo isso por conta de A Troca, novo filme de Clint Eastwood. A maioria dos críticos especializados torceram o nariz e deram duas ou três estrelas. Eu dou quatro. Não se espante... Vou dar um desconto, visto que sou fã de melodramas e é isso que o filme do "detetive durão" é. E ele faz seu filme com sensibilidade e mexe com emoções e sensações na medida certa, carregando a mão somente na sequência do enforcamento. De resto, o filme é belíssimo, com interpretações boas, uma necessidade para que o melodrama nos arrebate. Angelina Jolie mostra sua capacidade de atriz muitas vezes diminuídas por personagens e ou filmes equivocados. Seus companheiros de elenco se encarregam de ampliar o leque de boas interpretações. O ator que faz o delegado é muito bom, assim como John Malkovih, sempre bem.
  2. O visual do filme, a cidade de Los Angeles no final da década de 20 e começo do anos 30, é preciso. E essa visualidade é sóbria. O diretor alterna o filme com cenas amenas e calmas com cenas tensas e nos empurra para dentro da sua história que não sabemos onde vai dar. Mas como todo bom melodrama, tudo acaba bem. Ou pelo menos nos alivia da tensão. No caso de A Troca, torcemos esperançosamente com a personagem da mãe. Porém, antes que isso aconteça, ficamos atentos e com os nervos à flor da pele à media em vemos o drama da heroína, a mãe que tem seu filho desaparecido e recebe outro no lugar dele. Baseado em fatos reais, o que torna o filme mais denso e conquista nossa simpatia desde o início, o filme A Troca coloca os bons e os maus em confronto, e no final vai ao encontro do humanismo, esse ideario tão ridicularizado, mas que reforça em nós a sua defesa. O melodrama é construído dessa forma - bons de um lado maus do outro - e o confronto dessas forças. Por isso os personagens parecem chapados, o que não são. Clint Eastwood arma o filme seguindo três unidades e através delas vemos os personagens delineando-se e no final, depois das perseguições sofridas, a mãe encontra a redenção. A justiça é feita. E há esperança no ar.
  3. Belo filme.
  • A Troca (Changeling, 2008, EUA) direção: Clint Eastwood; com: Angelina Jolie, Gattlin Griffith, John Malkovich, Colm Feore, Devon Conti, Jeffrey Donovan, Jason Butler Harner, Eddie Alderson; roteiro: J. Michael Straczynski; produção: Clint Eastwood, Brian Grazer, Ron Howard, Robert Lorenz; fotografia: Tom Stern; montagem: Joel Cox, Gary Roach; música: Clint Eastwood; estúdio: Imagine Entertainment, Malpaso Productions, Relativity Media; distribuição: Universal Pictures. 141 min

sábado, 3 de janeiro de 2009

Registro 228: Estamos em 2009


T E M P O

Carlos Drummond de Andrade

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...
...Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.
Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.
Para você neste novo ano,
Desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
Que sua família esteja mais unida,
Que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente...
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto,
ao rumo da sua FELICIDADE!!!


Finalmente, 2009. Ainda estou ao sabor da marola dos dias festivos, que para mim foram mais de recolhimento que de embalo. Na passagem do ano, eu convivi com pessoas queridas e não saí de casa. O jantar frugal, seguido de conversas sobre o tempo, a vida, as acontecências, foi digerido com tranquilidade, já que não houve banquete pantagruélico. Embora saboroso, o jantar compunha-se de três pratos. Depois da meia-noite, cama e sono reparador, já que passar o dia providenciando comida, mesmo que simples, cansa. E com esse calor deselegante, só o banho de mar pra me deixar confortável. E foi o que fiz ao cair da tarde do dia 31. Praia vazia, ainda limpa, e lá estava eu apreciando o sol despencando dentro das águas de Ondina, praia gostosa, que não é melhor por conta das barracas, todas ao mesmo tempo com som no mais alto volume, cruzando pagodes, cada um pior que o outro. Haja sociologia da compreensão para dar conta do gosto popular. Mas fazer o quê? Cada um sente e se expressa como quer . No entanto, não vejo qualidade nesse tipo de música, pessimamente tocada, com arranjos repetitivos e simplórios, o infalível cavaquinho sem nenhum invenção. Os cantores, um tenta imitar o outro. Não sabemos qual o pior. Na terra de grandes sambista como Cartola, Batatinha, Ismael Silva, a Velha Guarda da Mangueira e da Portela, Paulinho da Viola, o que se ouve é lixo em vez de boa música.

Dia primeiro do ano. Fui, como sempre faço, caminhar na orla. Não fosse a sujeira deixada pela horda festeira, tudo estaria em conformidade com a manhã de céu azul. Era tamanha a quantidade de garrafas de vidro e de plástico espalhadas por todos os cantos que o lugar parecia um lixão. Não consigo entender os motivos de não conseguirmos manter os espaço públicos limpos. Deixamos nossos rastros como prova de nossa insensibilidade, de falta de educação, de desatenção. E não me venha com a justificativa de que era festa. Além do lixo, fezes e urina. Fossemos como os gatos, não deixaríamos os dejetos expostos.

Hoje, ao caminhar novamente pela orla, vi que a empresa encarregada de montar e desmontar a festa no Clube Espanhol (Réveillon Enchanté) pregou nos coqueiros grossos pinos de metal para sustentar as placas que protegia a entrada do público. Um ação fora do lugar. Enfiar metal no caule do coqueiro já é um absurdo, deixá-lo ali enferrujando é condenar a palmeira. Reclamar pra quem? Um amigo vem me dizendo que ando muito reclamão, um chato, mas como ele é jovem não acrescentou ao vocábulo, a expressão "de galocha". Chato de galocha. Tentei revidar, mas aceitei a reclamação dele, já que as minhas não encontram eco. E como não sou de sair por aí fazendo comício e passeata, recolho-me. Em 2009 tentarei não me queixar.

Fui ao cinema ver Gomorra. Um chute no estômago. Saí da sala completamente estressado. O Unibanco Glauber Rocha é um espaço deslumbrante. Depois do filme percorri seu interior até o terraço, mirante sobre a Praça Castro Alves. Um privilégio ver a praça com o poeta estendendo a mão tendo ao fundo a deslumbrante Baía de Todos os Santos pontilhada de luzes dos inúmeros navios ancorados. O espaço do cinema é de arquitetura moderna, limpa, elegante. Uma livraria atrai quem gosta de livros, mas seu acervo é muito restrito. O café muito gostoso, mas de preço proibitivo. Um café expresso com leite custar três reais me parece um despropósito. Ah, vende-se pipoca, outra ideia fora de lugar. Pensei que estaria numa sala diferenciada, longe do modelo Multiplex. Apreciar um filme com alguém ao seu lado mastigando pipoca é um horror, ainda mais com aquele cheiro de manteiga de segunda, que mais parece de sebo que de outra coisa. Falei com um rapaz muito atencioso, presumo ser o administrador do espaço, que escreveria uma carta para o jornal. Desisti, não vale a pena. Talvez o jornal nem publicasse. Mas penso que o Unibanco Glauber Rocha não combina com pipoca!

Acho que a promessa de não reclamar foi por terra!

Para aqueles que não aguentam a realidade, não recomendo Gomorra, tal a secura com que o cineasta Matteo Garrone expõe o submundo da Camorra. Quem está acostumado com a glamour dos filmes sobre a Máfia produzidos pelo cinema americano, caia fora. Em Gamorra, não há estetização da violência, nem justificativas para os crimes, há somente selvageria, bestialidade, beco sem saída e tudo isso atraindo crianças e jovens. E tudo pelo vil metal. Um círculo vicioso do mais alto grau de banditismo, crime organizado infiltrando-se em todas as esferas do social. Barra, não muito distante da nossa. O cenário, um cortiço, onde se passa maior parte da ação é de arrepiar. Quem idealiza a Europa e em particular a Itália, sofrerá um choque. Mas o choque serve para nos tirar da passividade, mesma a reflexiva.

Em 2008, mais precisamente no dia 29 de dezembro, Luiz Felipe Pondé escreveu um belíssimo texto na Folha de S.Paulo; Deus, é o título. Transcrevo o último parágrafo: " A teologia feminista diz que 'a Deusa' existe para punir o patriarcalismo. A teologia bicha (Queer Theology) se pergunta: por que Jesus viveu entre rapazes, hein? Alguns latino-americanos vêem Nele um primeiro Che, hippies viam um primeiro Lennon, outros, um consultor de sucesso financeiro. Ufólogos espíritas dizem ser Ele um extraterrestre carinhoso.Prefiro o cristianismo antigo (prefiro sempre as religiões velhas). Um Deus que sente dor e morre por amor a quem não merece é um maravilhoso escândalo ético. O Cristo antigo é um clássico. Melhor do que essas invenções da indústria teológica de vanguarda, feitas para o consumo moderno".

No artigo que escreveu para A Tarde (03.01.2009, p. A3), Fernando Conceição afirma que tivemos um Barack Obama na figura expressiva do professor Milton Santos. Tivemos, mas o enxotamos quando de seu exílio pelo governo civil-militar. Penso como Conceição que o geógrafo seria um bom político, mas o professor Milton Santos, em sua sabedoria extraordinário, sabia que essa função não lhe cabia. Para ser político perde-se a medida e navega-se ao sabor das imposições e interesses do partido. Por mais que seja um homem de fibra, intelectual e moral, ao ingressar na política o cidadão termina contaminado por esses jogos que vemos a cada dia serem jogados pela classe política brasileira. As exeções desaparecem no mar de lama. Depois, não nos interessa as exceções. Gostaríamos que a regra fosse a da transparência, da firmeza diante dos problemas que afligem a nação, da hombridade... Et Cetera. O professor Milton Santos sabia e muito de Política, mas a falta de entusiasmo para a política advinha do conhecimento que tinha dessa função e desse lugar. O seu ceticismo e desconfiança, como indica Fernando Conceição, são provas de alto saber, são provas de alguém que sabia ver mais longe e por isso permaneceu atuando onde atuou. Lucramos nós. Um professor, não um "ator político", esse era Milton Santos. Aproveito para questionar esse modismo de qualificar qualquer personalidade como ator. Esclareça-se: ator é o profissional que no palco ou na tela do cinema e da televisão encarrega-se de interpretar personagens. Os sociólogos de plantão resolveram qualificar os sujeitos, os indivíduos, os homens e as mulheres como atores sociais, retirando com isso a especificidade do vocábulo. Não me parece que Milton Santos interpretava personagens. Ele era um professor, bacharel em direito, geógrafo, um homem que não quis ser político. Um sábio.

Por enquanto é só!