domingo, 29 de março de 2009

Registro 253: Anotações atrasadas

Maria não mora mais aqui, pintura, 2008
Marlene Chicora Stamm
"A parede e o prego simulam um espaço que acolhe e rompe. É uma aus~encia tão presente que se afirma como uma imagem capaz de martelar por entre buracos" (texto do catálogo).
Estou com três catálogos de exposições no emaranhado de papéis sobre a mesa de trabalho. Pretendia comentá-las em Cenadiária logo após as visitas que fiz ao Solar do Unhão, aquele belo espaço banhado pelas águas do Atlântico, marco da história da Bahia, marco de uma projeto bem sucedido de restauro, obra de Dona Lina Bardi, realizado lá pelos fins da década de cinquenta, quando tudo prometia...

A primeira exposição, 15. Salão da Bahia mostrou trabalhos entre 19 de dezembro a 1 de março e reuniu artistas selecionados de diversos estados brasileiros. A primeira impressão dessa mostra foi o equilibrio entre as diferentes manifestações das artes visuais, embora predomine a fotografia e a vídeo-instalação. Nada contra, mas um viés tendencioso, fruto de uma orientação unidimensional. Essa tendência revela um olhar que ser quer marcadamente contemporâneo, como se o desenho, a pintura, o objeto tridimensional não pudesse manifestar-se como formas expressivas na pós-modernidade. Isso demanda uma discussão que pode começar pela indagação do que é o suporte hoje, mas na verdade não estou muito interessado nela, pelo menos aqui e agora. Para mim, as configurações da arte podem se revelar nos diversos suportes e por isso não vejo desenho, a pintura e a escultura (termo considerado datado) como limitadores. De qualquer maneira, o Salão da Bahia, em sua última versão, trouxe obras que despertaram a minha atenção e levaram-me a ficar diante delas um bom tempo, o necessário para que a obra se instalassem em mim, fazendo com que a apreciação se desse de maneira satisfatória.

Chamou a atenção a preocupação com as ações educativas, cujo projeto Inter-Mediações proporcionou "mesas redondas, ciclo de palestras, oficinas e encontro com artistas", conforme texto do catálogo. Participei do programa e espero que ele continuem e envolva não só profissionais da Arte e da Educação, mas tenha uma efetiva rede de atividades para crianças, jovens e adultos, tendo como objetivo a educação estética.

Por mais que tenhamos alguns caminhos para decifrar os "códigos" da arte, uma apreciação vem carregada de subjetividade. Portanto, destaco aquilo que me tocou de fato, aquilo que antes de tudo me deslumbrou, me inquietou, me lançou no espaço da indagação e por fim me trouxe emoções; emoções provocadas pelo estético, pelos elementos contidos em cada trabalho.

Tomando como guia o catálogo, destaco as manifestações de Ana Elisa Egreja (SP), Natureza morta com três patos sobre tartan verde, André Hauck (BH) Sem títuo I, II, e II, fotografia que incendeia os olhos. Da fotógrafa Angella Conte (SP), aponto Parede sobre parede. Invólucro, I II e II de Fábio Magalhães (BA) provoca reflexões visto que embaralha a nossa percepção. Fernanda Eva (SP), com o trabalho de vídeo e pintura Por que o artista contemporâneo ainda pinta? outras indagações.

Marlene Chiora Stamm (SP) traz para sua obra a questão da memória contida nos espaços vazios, ou melhor nos deixados para trás. Com seus pregos e buracos na parede da obra Maria não mora mais aqui, ela capta o olhar e desperta sensações e sentimentos. Sutil e delicado trabalho, minimalista, mas denso. Pequenas chagas na pele-parede. Essas marcas que deixamos nos imóveis que habitamos dizem muito de nós de uma forma não explícita. As marcas criadas por Marlene Chiora Stamm despertam lembranças e seu trabalho dialoga com o de Angella Conte.

O vídeo de Roberto Bellini (BH), Jardim Invisível discute o tempo. É poesia visual latente. Zé da Rocha (BA), com Risco nos mostra as possibilidades do desenho.


Outra exposição. Essa é mais recente; abriu no dia 16 de março e estende-se até 12 de abril. Geometria Impura reúne sete artistas mineiros. Vale uma olhada atenta. Mostra concisa, traduz os seus conceitos ordenadores de forma clara e objetiva, sem perder a qualidade. Coerente, potencializa a individualidade de cada artista e a coesão na heterogeneidade. Belo momento.

Por fim, a intervenção de Mário Cravo Neto, Bo No MAM 1959_1964, que ele denomina de site specific. Utilizando-se de fotos do baiano Voltaire Fraga (1912-2006), que documentam o estado em que se encontrava o Solar do Unhão quando Dona Lina começou a recuperação do espaço, a intervenção do artista é fortemente impressionante nas suas constituintes. Embora uma plotagem, suas dimensões e recortes, recolocam as fotos de Fraga noutro patamar: um olhar visto por outro olhar. Da mesma forma que na inesquecível Somewhere Over the Rainbow que ele mostrou em 2005 na Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, Bo No MAM é prova de que os recursos técnicos ampliam e sustentam a inquietação do artista. Surpreendentes trabalhos, como são surpreendentes os encontros e as coisas da vida e da natureza.