sexta-feira, 13 de junho de 2008

Registro 182: Sobre gente e livros

Com fé em Deus

Cléo Martins
Membro da União Brasileira de Escritores


Há sete dias sobrevivo à virose patropi; aos costumes, entre nós cidadãos brasileiros. Agora, estou viva, penso em Avicena, o “príncipe dos médicos persas”, no combate à peste bubônica, na alta Idade Média. O professor mulçumano é personagem de Noah Gordon, romancista de quem sou fã de carteirinha. Vale a pena a deliciosa leitura de The physician, cuja tradução em português – O físico, deixa a desejar e dói.

Neste meio século sob o sol e à sombra, jamais padecera de calafrios encharcados. A virose me pegou feito neblina, última sexta. De repente, não mais que de repente. Dirigia lamentando a morte de Dinha do Acarajé, a simpática baiana que levou sua terra para mais adiante. Que Deus a tenha em Si. A memória da famosa quituteira foi reverenciada dia 20, na Câmara dos Vereadores; iniciativa de Olívia Santana, a Negona. Esta virose maledeta me impediu de comparecer a tudo que não fosse imperiosamente necessidade profissional. Deixei de participar do Encontro de Corais na Reitoria da Ufba e festividades dedicadas a Oxóssi, no Corpus Christi, em venerandos terreiros de Salvador.

Somente a chegada de meu novo livro Nanã, a senhora dos primórdios – uma realização da editora Pallas do Rio de Janeiro – conseguiu trazer-me um pouquinho de energia e o esboço de sorriso, Em breve, nas livrarias.

Fazendo-me mais forte do que sou, aproveitei o recesso para ler as novidades e reler livros de outras épocas. Adoro ler. O falecimento de Zélia Gattai – que perda lamentável para a cultura brasileira – fez com que lese, novamente, o superclássico Anarquistas graças a Deus: viagem à velha São Paulo dos bravos paisá. A literatura nacional cresceu muito a partir dessa obra da escritora, que tive o prazer de conhecer em 1992, no Axé Opô Afonjá, apresentada por Antonio Olinto, o magnífico autor de A Casa da Água, membro da Academia Brasileira de Letras, então colega de Jorge Amado. A escritora Zora Seljan, esposa de Olinto, falecida há pouco mais de três anos, esbanjava saúde e simpatia. Haveríamos de nos encontrar em Londres, em 1994.

Outro livro supimpa me caiu às mãos, Da Costa do Ouro – publicação da Editora Saraiva (2001) -, do escritor baiano Raimundo Matos de Leão. Recebeu, em 2002, o prêmio literário Adolfo Aizen, de literatura infantil e juvenil, na categoria romance histórico da união Brasileira de Escritores.

O tema gira sobre questões raramente exploradas da literatura do País: a problemática da cultura africana; os preconceitos, diferenças e semelhanças entre as religiões, buscando enfatizar a pluralidade cultural, a ética e o respeito à diversidade.

A trama se desenvolve aqui na cidade da Bahia, ao tempo da Revolta dos Malês, em 1835. Os jovens precisam ler esta obra sensível deste Brasil que haverá de se livrar da dengue e inominadas viroses. Com fé em Deus, minha gente
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Publicado em A Tarde, edição de 23 de maio de 2008

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Registro 142: Para o dia dos namorados

Hoje é dia dos namorados. Que ele seja leve para todos nós que gostamos de uma aconchego., de olho no olho, de carícias e intensas ternuras.

Que os namorados, e namoradas de ontem e de hojem mandem lembranças, abraços, beijos e queijos. Smak! Hoje, é bom lembrar: qualquer forma de amor vale a pena, como disse o poeta da canção popular Milton Nascimento. E se amor rima com dor, que não sofreu dores de amores. E não pense que Dolores que sofre de amores.

Registro 141: Divulgação


A Escola de Teatro da Ufba comemora 52 anos em 13 de junho. por conta de sua instalação no antigo Solar Santo Antônio, seu primeiro Teatro, atual Martim Gonçalves, recebeu o nome do santo. Para celebrar o aniversário, a instituição lança, às 18 horas, em sua sede, no Canela, três publicações do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC/ET/Ufba).

A primeira é a revista Repertório, que chega à nona edição e tem a poética e a política da diferença como tema. De acordo com os organizadores do evento, a publicação é uma tentativa de focalizar as artes cênicas afinadas com o debate político sobre processos sociais excludentes. A edição apresenta dois ensaios que discutem a história e a memória da escola da Ufba, primeiro curso de Artes Cênicas ligado a uma instituição de nível superior no País. Os ensaios são de autoria de Raimundo Matos de Leão e Jussilene Santana, que pesquisam sobre a história do teatro na Bahia.
Raimundo Matos de Leão é autor do livro Abertura Para Outra Cena: o moderno teatro na Bahia, editado pela Edufba em 2006. O livro narra a criação da Escola de Teatro e discute os problemas derivados da significativa iniciativa do reito Edgard Santos.

O Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade (Gipe-CIT) lança dois cadernos chamados Estudos em Movimento..

Os Anais de Etnocenologia trazem textos de pesquisadroes brasileiros e franceses. “A etnocenologia é o estudo das artes do espetáculo e não se restringe ao teatro. Analisa a dança, o circo e outras coisas que tem a ver com a perspectiva do espetáculo”, diz Armindo Bião, organizador dos anais.

terça-feira, 10 de junho de 2008

domingo, 8 de junho de 2008

138: Lúcida argumentação

Foto de Alair Gomes

Marlon Brando em O Pecado de Todos Nós, de John Huston

Leônidas nas Termópilas, de David

Vênus, de Urbino

Ponto de Fuga

Corpos eróticos
JORGE COLI
jorgecoli@uol.com.br

A mirabolante notícia de que o Exército cercou uma emissora de TV para prender um sargento que se declarou homossexual traz ensinamentos. O Exército é uma sociedade masculina bastante fechada que exalta a força física e os valores viris. Mundo macho de machos, favorece o homoerotismo, senão o homossexualismo.

Platão escreveu que um exército composto por casais de amantes seria indestrutível porque um teria vergonha de mostrar-se covarde diante do outro, preceito que Alexandre, o Grande, ao que parece, estimulou em seus batalhões. Não estamos mais na Antigüidade, porém, e a sociedade contemporânea desenvolveu um gigantesco preconceito contra o homoerotismo.

Não é difícil perceber o que se esconde por trás da represália contra o sargento. Quando o homofóbico se exprime, não fala do outro, fala de si mesmo. Isso é verdade para qualquer preconceito. O racista, o anti-semita projetam no ser que odeiam o fantasma envergonhado de si próprios, das pulsões que têm dentro de si. Quando as exprimem, é para melhor escondê-las.

Não é certamente um movimento consciente, mas o esquema é mais ou menos assim: "Se estou acusando, denegrindo, humilhando alguém que manifesta características que eu condeno, é porque, vejam bem, sou o oposto dele, sou isento de seus vícios e defeitos". Está claro, essas características, vícios e defeitos existem apenas na cabeça de quem incrimina.

Só assim pode-se compreender uma ação tão pouco inteligente como aquele cerco da emissora.

Holofote
É impossível imaginar uma intervenção mais espalhafatosa: invasão de um programa ao vivo, quando ia ao ar uma questão efervescente, ótima para programas sensacionalistas. A situação criada é muito mais espetacular do que o problema. Qualquer um de sensato procuraria uma solução discreta, para evitar o escândalo, para não transformar aquele sargento em vítima.

É que o bom senso e a razão fogem quando as pulsões reprimidas falam mais forte. Era preciso proclamar para a galáxia que os comandantes não são gays, que os soldados não são gays, que não há nada de gay no Exército: "Estão vendo? Nós não admitimos, nós cercamos, nós prendemos".

Quem quiser intuir o que se passou, veja "O Pecado de Todos Nós" (1967), filme de John Huston, que foi um diretor machão entre os machões. Ou medite sobre a tela "Leônidas nas Termópilas", de David, datada de 1814, apogeu de delírio erótico-militar.

Pele
O corpo humano despido constituiu um dos vetores mais essenciais das artes no Ocidente desde a Antigüidade. Nossos tempos pudicos, porém, mudaram nossos olhos. Ninguém será tomado por um libidinoso por amar a Vênus de Urbino. Mas um interesse acentuado pelo Davi de Michelangelo não passaria insuspeito.
Areia
O misto de beleza e de sedução que os nus apresentam nas artes fazia parte do prazer próprio a todos diante das obras. Hoje, ao contrário, homens despidos são classificados dentro de um interesse gay específico.

Há uma exposição, no Gasômetro, em Porto Alegre, de Alair Gomes. Deve ser muito bela, porque se trata de um grande fotógrafo. Tomava imagens de rapazes nas praias do Rio, nos anos de 1970. Corpos flexíveis e longilíneos, captados com elegância. Têm a graça das estátuas antigas.

É preciso limpar os tristes óculos que passamos a usar para contemplá-los com o prazer da ficção artística, sem nos sentirmos ameaçados por medos secretos.
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Folha de S. Paulo, 8, de junho de 2008

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Registro 138. Ao meu amigo Rubem Rocha Filho



Não estás aqui! A estranha bruxa da Memória vê
Em cadeiras vazias tua imagem ausente,
E aponta onde sentaste, onde agora deverias estar
Mas não estás.
Shelley


RUBEM ROCHA FILHO (1939-2008)

Toda a teatralidade cabe em uma voz

WILLIAN VIEIRA

Era um "tipo popular" no Nordeste o tal Rubem Rocha Filho. Quase todo pernambucano, em algum momento da vida, travou contato com ele -ao menos com sua "voz de teatro", que emprestava a filmes e peças, campanhas políticas e comerciais de TV. "Tinha o poder da palavra."

Havia até quem com ele aprendeu a ler, nos livros infantis como "Tilico no Meio da Rua". Por isso ligavam os fãs para o programa "Sexta Cultural", em que o autor batia papo com convidados; era para dar parabéns, prestar homenagem ou contar alguma grande história de vida.

A dele não era menor. Carioca formado em ciências sociais, foi logo fazer teatro, dizia, até com Cacilda Becker. Até aceitar o convite para dirigir no Teatro Popular do Nordeste, em 1968. Fez mestrado nos Estados Unidos, doutorado na Inglaterra e, após uma década de 70 à inglesa, escrevendo programas para a BBC de Londres, voltou a Pernambuco.

Dirigiu peças como "O Anjo Azul", atuou em filmes como "Baile Perfumado" e se entregou à "Paixão de Cristo", evento teatral de Nova Jerusalém (PE) -"o maior espetáculo da terra, no maior teatro ao ar livre do mundo". Mas Rocha Filho temia a velhice. Há três anos, após ser premiado em um concurso sobre maturidade, enxotou o discurso da melhor idade. "Só temos medos: solidão, doença, abandono". Morreu quarta, aos 68, de falência múltipla dos órgãos. Solteiro, não tinha filhos.
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Folha de S. Paulo, 2 de junho de 2008.

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Parem os relógios
Cortem o telefone
Impeçam o cão de latir
Silenciem os pianos e com um toque de tambor tragam o caixão
Venham os pranteadores
Voem em círculos os aviões escrevendo no céu a mensagem:
"Ele está morto"

Ponham laços nos pescoços brancos das pombas
Usem os policiais luvas pretas de algodão.

Ele era meu norte, meu sul, meu leste e oeste.
Minha semana de trabalho e meu domingo
Meu meio-dia, minha meia-noite.
Minha conversa, minha canção.

Pensei que o amor fosse eterno, enganei-me.
As estrelas são indesejadas agora, dispensem todas.

Embrulhem a lua e desmantelem o sol
Despejem o oceano e varram o bosque
Pois nada mais agora pode servir.

W.H. Auden