sábado, 14 de abril de 2007

Registro 40: Fragmento roseano

Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água. E de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. No meio dos campos Gerais, mas num covão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos. Quando completara sete, avia saído dali, pela primeira vez: o Tio Têrez levou-o a cavalo, à frente da sela, para ser crismado no Sucuriju, por onde o bispo passava. Da viagem, que durou dias, ele guardara aturdidas lembranças, embaraçadas em sua cabecinha. De uma, nunca pôde se esquecer: alguém, que já estivera no Mutum, tinha dito: – ‘É um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre...”

Mas sua mãe, que era linda e com os cabelos pretos e compridos, se doía de tristeza de ter de viver ali. Queixava-se, principalmente nos demorados meses chuvosos, quando carregava o tempo, tudo tão sozinho, tão escuro, o ar ali era mais escuro; ou mesmo na estiagem, qualquer dia, de tardinha, na hora do sol entrar. – Oê, ah, o triste recanto...” – ela reclamava.



ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 13.