terça-feira, 14 de julho de 2009

Registro 277: Resenha

CORDEL DA VIDA
O TEATRO E A PALAVRA DE ARMINDO BIÃO
Raimundo Matos de Leão
Em seu texto Experiência e Pobreza (1933), Walter Benjamin fala-nos do rebaixamento da ação da experiência e toma como referência os soldados que retornavam das trincheiras de 1914-1918, “mais pobres em experiência comunicáveis, e não mais ricos”. Na pós-modernidade, os assombros nos deixam perplexos, quase mudos. Diante dos acontecimentos que se avolumam ao nosso redor, tendemos a interromper a narrativa. Mas a situação paralisante que por vezes nos acomete não impede a transmissão da experiência. Ainda que concordemos com o pensador judeu-alemão, vislumbramos na opacidade do tempo a capacidade do indivíduo em deixar seus rastros, legando-nos relatos sobre si, sobre o outro e sobre o mundo. “Entre os grandes criadores sempre existiram homens implacáveis que operaram a partir da uma tábula rasa. Queriam uma prancheta: foram construtores. A essa estirpe de construtores pertenceu Descartes, que baseou sua filosofia numa única certeza – penso, logo existo – e dela partiu”, conforme Benjamin. Dessa maneira podemos ventilar a possibilidade de salvação quando o legado da vida do espírito é posto em circulação pela ação dos que não se deixam tomar pela nostalgia paralisadora e com isso afirmam a força da experiência. Nesse sentido, podemos dizer que salvar a experiência é transmiti-la.
Nesse sentido, entra em pauta o trabalho que Armindo Jorge de Carvalho Bião acaba de nos legar, com o lançamento dos livros Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos e Teatro de cordel para a cena: textos reunidos, ambos sob a chancela da P&A Gráfica e Editora. As obras se complementam, visto que os assuntos tratados pelo ator-professor cruzam-se nas páginas dos dois livros. Entretanto, podem ser abordados separadamente pelos alunos, o que é, na verdade, desejo manifesto do autor, ao afirmar sua preocupação com a “escassez e dificuldade” com o texto didático. Por outro lado, o leitor que não se situa no âmbito universitário pode encontrar prazer ao garimpar entre os textos que compõem os dois títulos aqueles que mais lhe interessar por afinidade.
Em Etnocenologia e a cena baiana, Armindo Bião divide seu livro em quatro seções, cujo foco central é a leitura da teatralidade e da espetacularidade pelo viés etnocenológico, uma disciplina nova, datada de 1995, tempo relativamente curto para que se estabeleça como uma área do conhecimento. No entanto, o que se pode aquilatar do rico acervo de textos é que a disciplina vem abrindo portas para compreendermos fenômenos espetaculares, não só afeitos ao universo da linguagem do teatro e suas diversas matrizes estéticas, mas que se expandem pelo societal (Maffessoli) e aparecem como manifestações marcadas pela diversidade. Assim são as brincadeiras, o jogo, a festa, a função espetacular “conforme quem vive e faz, denomina aquilo o que faz e vive”, no dizer de Bião, ou seja, os comportamentos humanos espetaculares organizados. Esse universo de temas e os instrumentos que a nova disciplina oferece para as suas análises conferem um lugar preciso para a etnocenologia no âmbito das pesquisas.
Precedidos pelo prefácio do professor Michel Maffessoli, os textos se organizam coerentemente em quatro blocos: Da Etnocenologia, Da teatralidade, Da cena baiana e, por fim, Miscelânea do mesmo. Seguindo esse percurso, o leitor situa-se no interior do trabalho de forma que, num primeiro momento, tome contato com a nova disciplina. São dez textos onde o autor explicita com clareza e força argumentativa os pressupostos da etnocenologia. Aborda também de que maneira o pesquisador maneja os aspectos epistemológicos e metodológicos para compreender o que se dá no contexto cultural para qual dirige o seu olhar, ou para qual é chamado, visto que a força dos acontecimentos atrai o curioso-desejante de ouvir sereias e desvendar os seus mistérios. Em seguida, encontra-se a reunião de escritos para dar conta da teatralidade, quatro deles em francês. Aqui, destaco o domínio do idioma pelo autor; como baiano da gema, Bião domina o francês, tornando-a sua segunda língua. Tal fato remete-nos ao tempo em que o francês era ensinado nos bancos do antigo ginásio, levando os estudantes ao cultivo da língua, como um traço característico dos nossos intelectuais.
Retornando ao foco de interesse, é na terceira seção, que o autor se debruça sobre temas que pinça da “encruzilhada chamada Bahia” para refletir sobre a cultura, o seu patrimônio imaterial: o teatro que se faz por essas plagas e as matrizes estéticas que marcam o espetáculo da baianidade, baianidade que Bião busca compreender e definir. Acompanhando o enfático elogio que a obra publicada requer, segue o aviso ao autor que Álvaro Guimarães há de lhe puxar o pé numa noite qualquer cobrando-lhe por creditar a Orlando Sena a estréia de Maria Bethânia como cantora na montagem de O Boca de Ouro. É certo e sabido que a intérprete estreou sob a direção de Álvaro Guimarães na referida encenação do texto de Nelson Rodrigues.
Feita a observação, volto-me para a reunião de textos enfeixados sob o título de Miscelânea. Entre um e outro escrito percebe-se o interesse do pesquisador sobre assuntos variados, mas todos eles voltados para suas áreas de atuação. Digo no plural porque Armindo Bião transita de forma interdisciplinar por diversas áreas. Por elas constrói um pensar que se afirma pelo saber distribuído nos diversos artigos, comunicações e ensaios que dão corpo a esse documento que é Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos. Em suas páginas, constata-se erudição, mas não aquela empolada e dura. Armindo Bião sabe-se educador, e por essa via faz o seu discurso chegar ao outro. Configura-se então o diálogo, esse intercâmbio necessário para a troca da experiência. Recheado de referências, os textos são a prova de que Bião soube, ao longo de sua carreira, esmiuçar, esmiuçando-se. Subjetividade e objetividade se entrecruzam, “o curto-circuito”, uma postura necessária para que os objetos apareçam luzindo aos olhos do leitor, sem que tirem a graça, a perspicácia e a leveza que por vezes desaparecem de certas produções acadêmicas. Não é o caso dos trabalhos aqui resenhados. O rigor das análises e as citações que sustentam a argumentação nos levam a percorrer as páginas prazerosamente, apreendendo o conteúdo exposto claramente. As maneiras como Bião aborda os temas que elege trazem a marca da compreensão e, ao vê-los por essa lupa, afasta-se da visão única; olha os objetos por diversos ângulos, “para mostrar o miolo de sombra” (Drummond de Andrade).
No segundo livro, Teatro de cordel e formação para cena: textos reunidos, prefaciado por Jean-Marie Pradier, professor da Universidade de Paris, estão coligidos, tal qual no anterior, textos esparsos produzidos entre 1982 e 2008. A coletânea divide-se em três partes. Na primeira, Armindo Bião apresenta alentado material sobre a pesquisa em andamento em torno do cordel, tema que remete à sua infância, quando demonstra interesse por essa manifestação literária que o palco da Bahia acolheu com bastante eficácia estética. O saber resultante desse interesse impregna os textos e confere um sabor especial ao material resultante dos estudos em torno da figura de Doña Maria de Padilla, a espanhola amante de um rei de Castela, que nos giros do mundo veio dar com os costados na terra dos batuques, aparentada do mito de Maria Padilha. Sem afirmar tal coisa, o pesquisador deixa em aberto essa possibilidade, tomando como referência os estudos de Marlyse Meyer, a quem homenageia em Itinerário de Maria Padilla, um dos escritos que nos coloca diante dessa mulher, sob todos os aspectos fascinantes. Suponho que o fascínio enfeitiçou o pesquisador, mas que, enleado, não se perde, visto que os aspectos metodológicos são cordas seguras para que ele abra o pano de boca e mostre a persona e o personagem.
Além da aludida persona histórica, a seleta abraça personagens como o Diabo, a Mulher e Lampião, vistos nos folhetos de cordel sob os diversos ângulos e encenados com os alunos da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, lugar de docência e de expansão de Armindo Bião. A importância dada ao cordel é prova inconteste de suas possibilidades, haja vista a contribuição que o “livreto” tem dado a dramaturgos como Ariano Suassuna e Francisco Pereira da Silva e a encenadores como Martim Gonçalves e João Augusto; e isso para ficar nos reduzidos, mas expressivos, exemplos. Armindo Bião insere-se nessa linhagem não como um especialista em literatura de cordel, como esclarece na introdução de “Mulher é o Diabo!”, mas como um conhecedor-fazedor da arte (manhas) do palco, assunto do todo dessa “vida na obra, a obra na vida”, título do prefácio de Pradier.
Nas seções Da formação para a cena e Miscelânea do mesmo, chama a atenção uma série de documentos sobre a Escola de Teatro, seu Programa de Pós-Graduação, os grupos de pesquisa e também sobre a Associação Brasileira de Artes Cênicas – ABRACE. As informações contidas cobrem aspectos qualitativos e quantitativos de uma produção que, por vezes, não se conhece. Além de apresentar para seus pares o que se faz no espaço acadêmico, o autor informa para o conjunto da sociedade o resultado de um trabalho significativo no campo das artes cênicas.
Transitando pelo teatro, literatura, antropologia, história, invadindo e aproximando fronteiras, Armindo Jorge de Carvalho Bião, ator-professor-pesquisador, tece seu pensamento e sua ação correlatamente, rompendo com a imobilidade do “conhecimento no pensamento particular de cada ciência”, como nos lembra Tereza de Castro Callado em Walter Benjamin: a experiência da origem (2006). A reunião de textos esparsos forma um mosaico onde figuram subjetividade e objetividade, particular e universal, pluralidade e singularidade, numa reveladora cumplicidade orgiástica para a contemplação do mundo, daí a pertinência do trabalho. Conclamo o leitor a partilhar dessa experiência.
Se por ventura a discordância se instalar, e ela torna-se salutar quando é propícia ao diálogo, ainda assim sairá menos pobre ao concluir a leitura desses livros gêmeos, mas não idênticos. Bião sabe que palavras o vento leva, mas quando escritas, permanecem motivando outras palavras para se pensar o mundo contemporâneo para além dos seus limites.
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Publicado originalmente no suplemento Cultural, jornal A Tarde (Salvador - Bahia), edição de 11 de julho de 2009.

domingo, 5 de julho de 2009

Registro 276: Barroco Popular

A exposição virtual Barroco Popular é resultado das minhas vivências e inquietações diante da cultura, fonte de onde retiro o material necessário para poetizar o que sinto. Os quadros apresentados traduzem ideias e sentimentos, retomando um trabalho interrompido desde a mostra coletiva Similitudes, no Centro Cultural Maria Antônia – São Paulo, em 1997, quando expôs trabalhos juntamente com Cláudio Barros, Mônica Colucci e Stela Maris Sanmartin. Os quadros da exposição Barroco Popular estiveram expostos no portal Diário, desativado recentemente, sem que recebesse aviso da Geocities.
Ao revisitar o barroco, evocando-o através da conjugação dos elementos que remetem a esse estilo tão presente no cotidiano brasileiro, busco expressar a capacidade de olhar e decompor em formas as mínimas porções que retenho dessa exuberância extravagante que povoa tetos e paredes de igrejas, solares e palácios em nossas mais antigas cidades, numa leitura sumamente particular.
Essas informações visuais aparecem conjugadas aos elementos florais do chitão, tecido popular no Brasil, utilizado com parcimônia na indumentária, mas de grande emprego na decoração. A opulência de formas e cores contidas nos tecidos remete também ao profuso das formas do barroco português, que aqui chegou para se tornar um traço da nossa identidade artístico-cultural.
Nos trabalhos apresentados, faço a releitura desse momento, instante em que se dá o encontro da criatividade européia com a inventividade dos primeiros artesãos encarregados de decorar as construções públicas e privados da colônia. Ao inserir os elementos da natureza tropical – flora e fauna – esses artistas imprimem uma marca nacional ao barroco. Sobre esse acontecimento carregado de intencionalidade, Ana Mae Barbosa esclarece ter sido o barroco o “primeiro produto cultural do país”, e que, embora fortemente marcado pelo modelo estrangeiro, foi “transformado pela força popular e pela criatividade nativa, conquistando características próprias”. Barroco Popular procura retomar esse instante, não como ele de fato se deu, mas como construção no presente.
Ao organizar, conjugar e sobrepor os elementos visuais para compor a escritura pictórica, utilizo-me da técnica mista sobre tela e mostro trabalhos, via Internet. Ao escolher a net. para veicular trabalho, vou ao encontro dos que pensam as relações entre arte e tecnologia, experimentando as possibilidades. Sobre a inserção na rede e o uso da tecnologia digital no trabalho artístico, Dulcimira Capisani enfatiza a necessidade do artista não se tornar “um mero fornecedor de conteúdos no universo altamente especializado das novas tecnologias”, mas fazer dessa ferramenta um lugar de experimentação como no domínio da prática artística. Quando a exposição no portal Diário, eu apresentava os originais com interferência produzida a partir de ferramentas do computador. Por esse motivo a exposição intitulava-se Barroco Popular - Verso e Reverso, visto que as interferências alteravam as cores originais. Deixei de lado essa opção para concentrar-me nos quadros como eles foram concebidos.
Na perspectiva benjaminiana, a disseminação pela rede impulsiona a reprodutibilidade e a circulação do trabalho, criando um elo "comunicacional" em grande escala.

Azulejos e flores I, 2005. Mista sobre tela, 60 x 60. Acervo do artista

Fragmento, 2006, Mista sobre tela. 70 x 70. Acervo do artista

Celeste, 2006. Mista sobre tela, 60 x 60. Acervo do artista

Altar floral I, 205. Mista sobre tela, 60 x 70cm. Acervo particular

Azul, 2005. Mista sobre tela 70x70cm. Acervo particular

Êxtase, 2007. Mista sobre tela, 80 x 80 cm. Acervo do artista

Sem título III, Mista sobre tela, 2005, 60 x 60. Acervo particular

Azulejos e flores, 2005. Mista sobre tela, 60 x 60 cm. Acervo particular

Altar floral, 2005. Mista sobre tela, 60 x 60cm. Acervo do artista

Sem título I, 2005. Mista sobre tela, 50 x 80. Acervo particular

Jardim II, 2004, díptico. Mista sobre tela, 50 x 110cm. Acervo particular

Jardim I, 2006. Mista sobre tela, 40 x 88cm. Acervo particular

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Registro 275: Revista MIMUS

Para ter acesso ao primeiro e futuros números da Mimus, revista on-line de mímica corporal dramática, de acesso gratuito, basta clicar no endereço abaixo:



Registro 274; Entrevista

Em 6 de maio fui entrevistado por Oscar D'Ambrósio; caso tenha interesse em ouvir o bate-papo, basta clicar no endereço abaixo. A minha entrevista é a de número 106. Na conversa, conto um pouco sobre o meu envolvimento com a literatura, com o teatro e com a vida. Outros entrevistados constam da expressiva relação, certamente você encontrará alguns de sua preferência.