quarta-feira, 9 de março de 2011

344: Carnaval em Cachoeira - Bahia


Fugi do caos carnavalesco para Cachoeira. Não senti saudades de Salvador durante os dias que por lá passei. Cachoeira desperta em mim sentimentos contraditórios. Gosto do que vejo, da sua atmosfera... sinto-me bem na cidade. Por outro lado, me angustio ao ver que ela tem potencial que não é explorado. Explorado a partir de um projeto que respeite suas características e sua identidade, seu jeito de ser. Penso sempre em Parati todas as vezes que vou à jóia do Paraguaçu, preguiçosamente posta em sua margem num diálogo com sua cara metade, São Félix.
Tudo é beleza e tudo é ruína. Andar por suas ruas e ver como é lindo aquilo que está cuidado, restaurado, respeitado. É um prazer desfrutar da poesia que emana de seus casarões e das pequenas casas que compõem o cenário de ladeiras, praças e ruas estreitas, e becos que guardam silenciosamente camadas do tempo depositadas em cada janela, porta, telhado. É triste saber que muita coisa podia ser melhor cuidada e não é. Fico a sonhar com Cachoeira inteiramente restaurada, mas não tratada como parque temático ou algo parecido. Restaurada para se manter como uma cidade histórica viva e não morta. Uma cidade que precisa do seu jeito especial para sobreviver. O atrativo é sua arquitetura, sua história, sua vida cultural. Modificá-la é matá-la. E quando afirmo isto, não desejo que ela viva como um museu, mas que se espelhe em Ouro Preto, em Parati e outras tantas cidades brasileiras cujos moradores sabem o que significa morar em lugar que é diferente e diverso da mesmice que torna tudo moderno.
O rio. Fiquei horas olhando suas águas e pensando que o vapor já não navega como antigamente. Olhar São Félix tão longe, tão perto e deixar o espírito voar entre uma margem e outra e depois fazer a travessia pela ponte. Travessia que deve ser feita a pé.
Ver igrejas e capelas, sobrados e casas que de tão baixas se expõem para o visitante que se sente envergonhado e contém a curiosidade para não bisbilhotar a intimidade dos que aí vivem. Na Pousada do Carmo, um monumento com sua Igreja da Ordem Terceira inteiramente restaurada, ganhei horas de silêncio e reflexão, divididas entre leituras e conversas a meia voz. Pensando sempre como teria sido a vida dos que viveram alí nos séculos passados, imaginei ficções.
Na Pousada, o charme é a construção em si, mas muito desleixada como hotel. A sensação que tive é de que tanto faz. Basta o convento. Nas sala, antigo cemitério, uma caixa está jogada dentro de uma das sepulturas, uma mesa de bilhar encostada em um canto torna-se uma objeto inusitado em meio à sala. Procurei por um folheto que contivesse informações sobre o convento. Não há.
Na beira do rio, o antigo Hotel Colombo desmancha-se. Mas nem tudo está perdido. A Irmandade da Boa Morte ocupa dois casarões belissímos, assim como a Fundação Hansen Bahia. Fora uma capela que não consegui identificar, as igrejas estão conservadas. A Igreja da Ajuda é um primor arqutetônico. Muitas residências também merecem a atenção dos seus proprietários e A Heróica segue vencendo o tempo, o descaso e a limitação para se impor majestosa abrigando sua gente negra e mulata de sorriso simpático e voz mansa. Gente reservada, ciente de sua privacidade. 
Não fui abordado por ninguém pedindo ou tentando vender alguma coisa. Para uma cidade turística é uma dado para ser levado em conta.
Vi em algumas galerias quadros de um artista, mas não consegui identificar seu nome. Fotografei um deles, cuja imagem de Santa Luzia repete-se de maneiras variadas. Noutro trabalho, surge a imagem de Glauber Rocha e noutro a de São João Menino, cada qual num releitura muito particular.

Não encontrei artesanato original para comprar. Fui até Coqueiro, um lugarejo à beira do rio, para adquirir a cerâmica de Dona Gadu, uma simpatia.

Fiz muitas fotos e deixo algumas para apreciação dos interessados. Espero que tenham vontade de ir até Cachoeira para ver de perto os seus contrastes. Não é longe de Salvador, a estrada é ótima, conservada e sinalizada.