sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Registro 197: "Tanto négocio, tanto negociante" e muita estupidez

Nem tudo que Caetano Veloso faz e diz eu aprecio. Mas gosto sempre de Caetano Veloso. Desde que ouvi Domingo, o disco com Maria das Graças, ele se tornou uma referência pra mim. O seu jeito de ver o mundo, a sensibilidade para expressar sentimentos sobre as pessoas e as coisas ecoa em mim de uma maneira acolhedora. Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim. O jeito como lida com a língua portuguesa me encanta. Invejável! Acompanhei seu trabalho desde o disco referido e de suas aparições na televisão, quando se mostrava conhecedor do cancioneiro popular brasileiro. Daí para cá me mantenho atento aos seus passos, caminhos e descaminhos. Uma relação de amor, sempre. De desamor às vezes.

Essa resumida introdução deve-se à carta que ele enviou ao jornal A Tarde, da Cidade da Bahia, e publicada em 15 de agosto de 2008. Vou transcrevê-la porque gosto da sua lúcida argumentação. Ele sai em defesa do calçadão da Barra, aquele de pedras portuguesas, que o imediatismo, a burrice, a simplificação, a desinformação sepultaram. Não digo para sempre, porque, quem sabe um dia, alguém resolve que o calçadão deve retornar ao que era, até que a sanha modernizadora de uma gestão incompetente botasse abaixo. Não é a primeira vez que isso acontece em Salvador. Os registros da estupidez dos políticos (muitos), péssimos administradores, são inúmeros. Eles decidem tudo nos bastidores. O pior de tudo é que encontram apoio. Apoio de gente desinformada que se encanta com a novidade, a comodidade. Não me alinho a essa maioria inculta.

O monstrengo que virou o Campo Grande depois da reforma (gestão anterior) que retirou a calçada desenhada lindamente com pedras portuguesas está aí para quem quiser conferir. Aquelas estátuas de resina são ridículas. Isso numa cidade que teve lindas estátuas de mármore em seus jardins públicos. Par onde levaram as da Praça da Piedade? Onde se encontra a que havia no centro da Praça Tomé de Souza?

A propósito, espero que a reforma do Passeio Público seja feita com inteligência, sensibilidade e informação sobre o logradouro. Não faço aqui a defesa do imobilismo, mas um pouco de história não faz mal a ninguém. Um dos elementos que singulariza a Cidade da Bahia é sua história. Isso faz a diferença. Quando ela virar uma cidade qualquer, lamentaremos.

A questão do piso de pedras portuguesas na Bahia não funcionar é porque, atualmente, eles são mal feitos. Propositadamente mal feitos.

Mas deixo ao leitor as palavras do santamarense.

“Cheguei da Europa e soube, aqui, do crime que o prefeito de Salvador está cometendo no Porto da Barra. Não posso ficar calado. É uma indecência manter as pessoas desinformadas a ponto de entrarem na guerra suicida à calçada portuguesa. O calçamento português é marca importante da nossa vida física e espiritual. Os incômodos que porventura venham de sua má conservação não são motivo para destruí-lo. Em São Luís (atualmente a cidade mais bonita do Brasil), as antigas calçadas portuguesas foram restauradas com o esmero técnico adequado e não provocam trepidação em carrinhos de bebê nem engolem saltos de madames. E são vastas e extensas áreas da cidade que as ostentam. As praças de Lisboa apresentam a mesma firmeza e a mesma elegância. Por que há tantos baianos votando a favor desse descalabro? Será que voltamos ao mau gosto vulgar que dominava antes de Jaime Lerner recuperar o Largo da Ordem em Curitiba? Regredimos para a visão grosseira que teria deixado o Pelourinho, em Salvador, o Largo da Lapa, no Rio, virarem pó e serem substituídos pelo caos dos restos da arquitetura moderna que enfeiam o Brasil? São restos culturais de baixa qualidade que se oferece aos grupos emergentes da sociedade, em nome da democracia. É caso para ouvirem especialista, respeitarem-se os locais históricos e míticos, esboçar-se uma reestruturação inteligente da cidade. Se isso não agrada de imediato a uma (suposta) maioria desavisada, não importa. O essencial está num texto escrito por Ordep Serra: um texto excelente sob todos os pontos de vista. Então, um lugar como o Porto da Barra pode ser violado assim? Não. Protesto veementemente. Não se pode adotar piso de concreto e granito polido na curva do Porto e tampouco a retirada das árvores. O que é que há com Salvador que o prefeito começou a construção de uma favela nas areias da orla e esse esboço continua lá, enquanto uma horda de desinformados apoia a destruição do porto da Barra?”

Caetano Veloso

Assino embaixo,
Raimundo Matos de Leão
Escritor e professor