sábado, 8 de agosto de 2009

Registro 280: Uma manhã com os estudantes do Colégio Salesiano

Quando sou convidado para conversar sobre meus livros nas escolas, não me faço de rogado. Peço apenas que os alunos tenham lido um dos meus livros e que alguém venha buscar-me em casa. Vou com prazer e muita das vezes retorno do encontro meio decepcionado. Principalmente quando noto que os estudantes leram por obrigação, ouvem você desinteressadamente e no final pedem um autógrafo, mais em caderno que no livro. Mesmo assim não deixo de aceitar o convite.
Além de escrever literatura para crianças e jovens sou professor. Mas não é só isso que me mobiliza, ainda que os dois fatores sejam muito fortes. O que me estimula a conversar é querer contar a minha experiência com a leitura. Desejo encantar o outro como fui encantado desde a infância pelas histórias ouvidas e lidas. Espero sempre tocar os outros naquele lugar sensível, que tenho certeza todos têm, e daí fazer aquele que comigo dialoga desperte em si o gosto pela leitura.
Confesso ser um leitor compulsivo. E ler para mim é como comer. No meu restrito universo, o ato de ler tem o mesmo peso que o ato de comer. Como os momentos das refeições são considerados profanamente sagrados, os momentos de leitura se constituem instante de elevação. Entrego-me ao livro em comunhão e daí retiro o necessário para me manter vivo. Dito assim parece que tenho uma relação utilitarista com o livro e com a leitura. Mas não é isso. O ato de comer e ler é, sobretudo, um momento de prazer.
Compro livro como compro comida.
Toda essa explicação é para contar sobre a minha ida ao Colégio Salesiano do Salvador, no dia 7 de agosto, para participar do Café Literário do Ensino Fundamental II. Fui levado por Zé Maria da FTD e ao chegar naquela imensa e antiga construção fui recebido afetuosamente pela Supervisora Pedagógica, pelo Coordenador Geral, pelo Diretor e por professoras e todos os envolvidas com o evento. Gente calorosa.
A minha percepção deu sinais inequívocos de que a manhã não seria como imaginara: eu sentado diante de um auditório a deitar falação sobre o livro, leitura e outros assuntos derivados do tema central. Risível engano.
Conduziram-me para um pátio coberto com várias mesas preparadas para um lauto café. Em torno das mesas alunos e pais esperavam-me e passei por todas elas ouvindo os estudantes sobre o meu livro Sob o Signo das Luzes, ficção histórica que tem como assunto a Revolta dos Alfaiates, um acontecimento de grande importância para história da Bahia e do Brasil. Surpreso e embevecido tomei conhecimento de um processo trabalhado com muita propriedade pelos educadores do Colégio Salesiano. Garotos e garotas falavam sobre a história e seus personagens com tal propriedade que rendi-me a eles, os narradores do meu livro. A atidude da garotada era uma demonstração de que a atividade derivava de um planejamento pedagógico, mas não caía na rotina desgastante da obrigatoriedade da leitura. Projeto interdisciplinar desenvolvido nas disciplinas Língua Portuguesa e História, penso ter sido conduzido com muita clareza por parte dos professores.
Havia envolvimento, percepção do todo e das partes, entendimento das ideias discutidas, clareza com relação aos personagens e a situação histórica. Chamava a minha atenção a forma com que eles fizeram a leitura do que era ficcional e do que era resultado da pesquisa que tratava do aconteciemnto histórico. Esse cruzamento entre Literatura e História, muitas vezes depreciado, foi apontado pelos leitores como um atrativo.
Ouvi muito; para quem estava preparado para monologar falei pouco ou na medida. Não deixei de responder às perguntas que me fizeram. Procurei não ser chato, visto que os estudantes estavam interagindo comigo de maneira curiosamente viva, como Eleutério, o adolescente personagem do livro. Uma integração prazerosa, demonstrativa de que estávamos sintonizados uns nos outros. Estávamos de fato interessados, pois tínhamos como centro do nosso interesse o outro.
Passei uma manhã das mais gratificantes. Retornei preenchido para o meu recanto trazendo comigo as palavras que ouvi e que ecoarão por muito tempo em mim. Sou grato aos educandos e aos seus educadores pelo evento, já que o Café Literário foi organizado em minha homenagem pela obra Sob o signo das Luzes. Mais agradecido ainda pela onda de carinho que me banhou na manhã azulada de uma sexta-feira de agosto. Manhã em que os jornais traziam as maracutaias no Senado Federal, os crimes estúpidos e a violência contra mulheres, a iminência de uma greve de policiais e muitas páginas destinadas a assunto que não interessam a maioria dos mortais...Bobas escolhas que só interessam a editores e jornalistas que gravitam em torno do seu próprio umbigo.
Cansado pelo sempre igual, sinto-me revigorado pela manhã que educandos e educadores proporcionaram-me. Há sempre um substrato de humanidade que ultrapassa a violência, a bossalidade, a falta de ética, o jeitinho, a falta de educação em qualquer lugar e principalmente no trânsito, a arrogância de quem se acha superior...