domingo, 23 de dezembro de 2012

Registro 414: Mantra




Om Om Om 
Sarvesham Svastir bhavatu 
Sarvesham Shantir bhavatu 
Sarvesham Poornam bhavatu 
Sarvesham Mangalam bhavatu 
Om, Shanti, Shanti, Shanti 

Que bem-estar, paz, plenitude, felicidade, 
tranquilidade e prosperidade sejam alcançados por todos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Registro 413: O que resta da Bahia


O texto de Antonio Risério me foi enviado por uma amiga com quem gosto de trabalhar, embora trabalhemos muito pouco juntos. Ao ler o texto, lembrei-me de quando cheguei a Salvador, vindo do interior para estudar. Aos 15 anos, em vista das circunstâncias, tornei-me dono do meu nariz. Vivia em uma pensão de estudantes na Rua São Raimundo, 14. Havia uma simplicidade, um jeito elegante de agir, sem muitos rapapés, mas de uma maneira civilizada. Frequentava o cinema e como era bom assistir ao filme concentrado, como todos os espectadores que iam ao cinema para se deleitar com o filme e não para conversar, como agora. Hoje em dia, quando reclamamos da conversa ou dos celulares ligados, somos acusados de intolerantes. Um absurdo!

O casarão onde morei um bom tempo de minha vida de estudante ainda existe, mas está completamente desfigurado. Mas que fazer?A Cidade da Bahia está desfigurada.

Conforme Risério, perdemos o prumo, ou seja, andamos sem urbanidade. A grossura capeia leve e solta por todas as classes, um traço que nos une agora. Estamos boçais, mal-educados, arrogantes e sem distinção, de distinto, veja lá! Lá pelos anos 60, éramos bem educados; elegantes, finos, discretos. Tínhamos uma maneira honesta, correta e impecável de proceder, sem perder a alegria, a brincadeira, a  sensualidade. Não éramos grosseirões.

Eu, garoto de 15 anos, vivi intensamente está velha urbe que mantinha um padrão de civilidade, de cordialidade, demonstração de que tínhamos aprendido no interior doméstico como nos comportar no espaço privado e no espaço público. Ricos e pobres igualavam-se (os marxistas vão me odiar) na atitude que tinham consigo e com a coisa pública, com o outro. Se havia vulgaridade, ela se tornava como coisa doentia, não para ser expurgada pela higienização. Não. Ela desaparecia em meio aos atos sensíveis que tornaram o baiano e a Bahia uma referência, agora perdida para a grosseria. Triste Bahia...

A GROSSERIA BAIANA

                                                                                  Antonio Risério

Outro dia, numa conversa, nossa first lady Fátima Mendonça, comentando certas cenas que presenciara, se lamentou da crescente falta de educação das pessoas. Concordei imediatamente com ela.

E disse que isto era especialmente triste em Salvador, que já foi uma cidade de pessoas gentis e educadas, tanto em recintos fechados quanto nos espaços públicos. E em todas as classes sociais. Mas que hoje, e também em todas as classes sociais, é uma cidade onde a vulgaridade e a grosseria predominam. Não sei se ela concordou comigo.

Mas aproveito a ocasião para rabiscar uma nota sobre o assunto. Porque, diante do fenômeno urbano, é possível distinguir entre, pelo menos, quatro coisas: urbanização, urbanismo, urbanicidade e urbanidade. E não custa nada definir, mesmo que superficialmente, esses termos. Recorrendo livremente a John Palen – e colocando algumas azeitonas em sua empada.

Urbanização diz respeito ao aspecto quantitativo do fenômeno. Ao número e à dimensão de cidades num país – a coisas como “taxa de urbanização”, etc. Urbanismo, por sua vez, é o campo das reflexões, dos projetos e desenhos, das configurações físicas da cidade. Mas não  é com urbanização ou urbanismo que lidamos, neste momento. E, sim, com urbanicidade (como pano de fundo) e com urbanidade (a questão que provocou as observações de nossa primeira dama).

Urbanicidade é um termo que diz respeito ao aspecto sócio-cultural da questão. É o lado cultural humano da urbanização. Diz respeito aos padrões sociais e comportamentais associados ao viver em cidades. À personalidade do urbanita (atenção: é urbanita mesmo e não urbanista; o urbanita é o indivíduo citadino). Às mudanças sociais, culturais, psicológicas, etc., provocadas pela urbanização. Aos estilos e técnicas citadinos de viver.

Urbanidade, por fim, tem dois sentidos. De uma parte, é um ideal de comportamento urbano – tanto da sociedade quanto no plano individual. De outra parte, diz respeito à educação urbana, à lhaneza no trato social. Meu amigo Marcelo Ferraz, em suas discussões de arquitetura e urbanismo, costuma lembrar que o pai dele costumava empregar a expressão.

De fato, não faz tempo, falava-se de urbanidade no sentido de educação pessoal e social. A urbanidade de um lugar era o seu grau de polidez e respeito aos outros e aos bens comuns. Quando alguém empregava a expressão “um sujeito urbano”, por exemplo, estava se referindo a uma pessoa polida, educada. E é exatamente isto o que estamos perdendo ou já foi perdido: a urbanidade. E é a perda de urbanidade que choca nossa querida Fátima Mendonça.

Com inteira, inteiríssima razão. Urbanismo à parte, esta nossa cidade do Salvador, por exemplo, possui um grau razoável de urbanização, um baixíssimo grau de urbanicidade – e parece já não ter a mínima noção do que é ou do que foi urbanidade. Lamentavelmente. Vemos isto em festas, em recepções, nos restaurantes supostamente chiques, em filas para isto ou aquilo, nas relações interpessoais, no atendimento dos serviços públicos, no comportamento diante dos bens coletivos, nos absurdos agressivos do trânsito, etc., etc.

O educado e informado Marcelo Ferraz se pergunta sempre – e, certa vez, me perguntou: em que momento foi que algo se esgarçou e rompeu, para que perdêssemos assim o trato urbano, no sentido da urbanidade, da condição de viver civilizadamente numa cidade? Sinceramente, Marcelo, confesso que não sei em que momento foi. Mas perdemos.

Em A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água (por favor, revisor: não coloque “morte” em caixa baixa, seguindo o atual padrão acadêmico de citar, que foi adotado pelos professorais daqui, mas não  tenho nada a ver com isso), Jorge Amado fala dos “ritos de gentileza” do povo da Bahia. Mas esses ritos pertencem já ao passado. É uma pena. Chegamos hoje a um grau baixo demais, em matéria de educação doméstica e urbana.

E isto – esta queda – nada tem a ver com pobreza. De jeito algum. Vivi minha juventude numa cidade pobre, mas que sabia o que era trato urbano. Neste sentido de civilidade. De urbanidade. E adianto, sem que ninguém me pergunte, que me envergonha o fato de que hoje o povo baiano seja imbatível, no contexto brasileiro, em matéria de grosseria e grossura. De falta de educação.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Registro 412: Homenagens




Malala Yousafzai

Mais uma texto copiado e colado. Seu autor é MOISÉS NAÍM, e foi publicado em a Folha de S. Paulo (23.11.2012). Comungo com o teor do texto, portanto assino em baixo.Não posso concordar com as aberrações que feriram Malala e Savita. Como não posso concordar com a estupidez do parlamento de Uganda que quer aprovar uma lei brutal: a pena de morte para a homossexualidade. Se eles fizerem isso, milhares de ugandenses poderiam ser executados, apenas por serem gays. Em pleno século XXI não é cabível tais atos, mas diante do fatos, o que fazer? Denunciar. É o que faço publicando o texto de Naím. 

Aproveito a oportunidade para felicitar o Brasil e ao Ministro Joaquim Barbosa. Venceu o mérito. 

Ouviu falar em Malala e Savita?
Moisés Naím

A trajetória dessas duas mulheres ilumina aspectos do mundo em que vivemos neste início de século 21

Malala Yousafzai e Savita Halappanavar. Não é trava-língua. São os nomes de duas pessoas que não poderiam ter menos em comum.

Mas com ambas ocorreram coisas que iluminam aspectos tanto trágicos quanto esperançosos do mundo em que vivemos.

Malala Yousafzai, paquistanesa, 15. Há um mês, quando voltava para sua casa no ônibus escolar, recebeu um tiro que lhe atravessou a cabeça e o pescoço, alojando-se no ombro. Sobreviveu milagrosamente. Seu pecado? O ativismo em favor do ensino para as meninas.

Ao reivindicar o ataque, o Taleban explicou que Malala "é o símbolo dos infiéis e da obscenidade". Quando, em 2009, os talebans controlavam sua cidade, no vale do Swat, Malala começou a escrever um blog. Ela relatava como já não podia ir à escola, o fechamento de muitas escolas e como às vezes os talebans simplesmente as incendiavam. Uma vez que o Exército paquistanês retomou o controle de Swat, Malala se converteu numa voz inteligente em favor da educação das meninas. Para os talebans, essas ideias merecem a morte.

Savita Halappanavar, uma bela dentista de 31 anos de origem indiana, vivia em Dublin. Em princípio, a Irlanda deveria ser menos perigosa para as mulheres que o vale do Swat.

Mesmo assim, um obscurantismo semelhante ao que motivou a tentativa de assassinato de Malala levou à morte de Savita. Grávida de 17 semanas, ela começou a se sentir mal e foi com o marido ao hospital Universitário de Galway. O diagnóstico foi evidente e o tratamento indicado, também. Os médicos concluíram que o feto era inviável.

Desconsolada, Savita se resignou e pediu que realizassem um aborto. "Não podemos", explicaram os médicos. "A lei nos permite fazer abortos apenas quando o coração do feto deixou de bater." Foram forçados a esperar. O coração do feto parou de bater na quarta. E o de Savita, no sábado seguinte.

A autópsia revelou que a causa da morte dela foi infecção generalizada. O marido disse à BBC: "Era nosso primeiro bebê, e ela estava radiante. Não há dúvida de que Savita estaria viva se pudesse ter encerrado a gravidez que a matou."

Por que proteger um feto que é inegavelmente inviável e não tem esperança de vida é mais importante que a proteção de uma jovem mãe de 31 anos com saúde perfeita? Você sabe a resposta. Tanto a tentativa fracassada de assassinato de Malala quanto a morte "por razões legais" de Savita provocaram indignação mundial. Embora isto ainda não seja o suficiente para mudar as coisas radicalmente no Paquistão ou na Irlanda, as duas tragédias tiveram efeitos esperançosos.

Os políticos irlandeses foram forçados a prometer reformar as leis que impediram salvar a vida de Savita. No Paquistão, ficou mais difícil defender a ideia de que as meninas não precisam ir à escola.

Essas mudanças não são suficientes. Mas ao menos as histórias de Malala e Savita lembraram ao mundo que o obscurantismo não é um fenômeno da Idade Média. Está presente e cobra vidas no século 21.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Registro 411: Gostei do texto. Leia

Como você pode ver, o texto não é meu, mas valeu copiar e colar. Como ando com preguiça (mãe de todos os vícios) de escrever, lanço mão do que me agrada, pois me faz pensar.

A fé no progresso

CONTARDO CALLIGARIS


ASSISTI A "Lincoln", o novo filme de Spielberg, no dia da estreia, na sexta-feira passada, numa lotadíssima sessão da tarde, em Manhattan. No Brasil, "Lincoln" chegará só no fim de janeiro.


O filme, que é uma obra-prima imperdível, se concentra sobre o esforço político de Lincoln para que a Câmara dos Representantes ratificasse, em 1865, a 13ª emenda da constituição dos EUA -a que aboliu a escravatura no país.


A escravatura era a aposta central da guerra, que durava havia quatro anos, entre o Norte e o Sul escravocrata. Mas, mesmo no Norte, nem todos eram abolicionistas, e muitos temiam que os negros liberados se tornassem um dia cidadãos e, pasme, pudessem votar.

Ninguém, naquela sala de cinema, na sexta passada, podia evitar de pensar que, três dias antes, o país reelegera seu primeiro presidente negro. Em menos de 150 anos, foi um progresso e tanto.

Falo de progresso só porque essa mudança promove valores nos quais aposto: quando eles avançam, acho que a gente progride. Não acredito na ideia de uma evolução "natural" da civilização (nota para os amigos filósofos: concordo com Voltaire, não com Condorcet, ainda menos com Saint-Simon).


Lembro-me de discussões intermináveis, no fim dos anos 1960, com Nicola, um jovem salernitano que fazia uma pós-graduação em geologia do petróleo em Genebra e que era decididamente anticomunista. A cada almoço, eu e meu amigo Enzo tentávamos convencer Nicola de que o futuro do socialismo seria radioso. Não funcionava.


Um dia, achei um escrito (filosoficamente duvidoso, mas de uma procedência que pareceu confiável a Nicola) segundo o qual, radioso o não, o futuro socialista era inelutável, previsto pelo marxismo "científico". Nicola acreditava na ciência, era ingênuo, e o texto o abalou. Não sei se ele se converteu, mas sumiu do restaurante universitário durante um tempo, e a gente se perdeu de vista.


Bom, Nicola, é um pouco tarde, mas talvez você esteja trabalhando numa plataforma do pré-sal e leia este jornal (o mundo é pequeno, mesmo). Nesse caso, aceite minhas desculpas: o marxismo "científico" é uma ideia calhorda, e o comunismo nunca foi inelutável. Já naquela época, aliás, eu sabia que nada acontece na história sem o engajamento subjetivo dos atores (por isso preferia, por exemplo, Henri Lefebvre a Louis Althusser -e por isso continuo gostando de Alain Badiou, porque ele nunca deixou de pensar que, sem engajamento dos sujeitos, não acontece nada, não há progresso algum).


Tudo isso parece óbvio? Vamos devagar: o sonho comunista pode estar morto, mas nossa (cômoda) crença num progresso "natural" e garantido continua bem viva.


Por exemplo, na semana passada, na eleição americana, junto com a vitória de Obama, aconteceu a derrota de dois candidatos a senador cuja oposição à legalização do aborto (mesmo em caso de estupro) era de um machismo e de uma estupidez ultrajantes. Na mesma eleição, houve também Estados que aprovaram o casamento de pessoas do mesmo sexo.


Nasci e cresci numa Itália em que a desigualdade de fato e de direito era sinistra, e o amparo era pouco. Nesse mundo, as mulheres estavam longe de ter direitos comparáveis aos dos homens, não existia divórcio, qualquer aborto era criminoso, o consumidor de droga era igualado ao traficante, e a homossexualidade era uma vergonha que era melhor esconder.


Para que essas realidades mudassem, lutei -ou seja, junto com muitos outros, votei, escrevi, desfilei, militei. Mesmo assim, tenho a estranha impressão de que fomos carregados por uma espécie de movimento "natural", ao qual era possível resistir, mas que sempre ganharia no fim -um progresso na direção do grande ideal cristão: a maior liberdade possível dos indivíduos sem renunciar à solidariedade.


Essa impressão de progresso "natural" é falsa e perigosa. Na história, nada é garantido: tudo é, sempre, conquistado.


O que nos separa de outros mundos possíveis (e horríveis) não é a inelutabilidade do progresso, mas a obstinação de pequenos grandes gestos. Entre nós e as trevas, há o corpo ferido de Malala Yousafzai, 14, baleada na cabeça pelo Talibã paquistanês porque promovia o "secularismo' (ou seja, queria ir para a escola e pensar com a sua cabeça).


Ou, a coragem da catarinense Isadora Faber, 13, que continua seu "Diário de Classe" on-line, embora hostilizada por professores, por administradores e talvez por um pintor negligente (Folha, 11 de novembro).


Publicado pela Folha de S. Paulo, em 15 de novembro de 2012.

sábado, 27 de outubro de 2012

Registro 410: Aplausos para Regina Dourado



Cena de Seu Quequé
Em primeiro plano Regina Dourado (Santinha) 
e Raimundo Matos (Quinquim)

Meu contato mais vivo com Regina Dourado se deu em São Paulo em 1982, quando gravamos o tele-romance Seu Quequé, sob a direção de Edson Braga, exibido pela TV Cultura de São Paulo. A memória dá conta deste encontro. O outro, em Salvador, na década de 70 é permeado de incertezas. Em Seu Quequé, contracenamos e nos divertimos, ela mais do que eu. Era a minha primeira experiência na teledramaturgia, fato que me deixava tenso a cada gravação.

Regina tirava de letra e esfuziante animava o estúdio. Quando as cenas eram externas, ela não reclamava do desconforto, estava sempre alegre e empenhada em fazer bem o seu personagem. Ainda recordo do seu riso sonoro, logo transformado numa gargalhada que  amenizava a canseira das gravações. Nossos personagens faziam parte de um núcleo importante da história. Ela era Dona Santinha, uma das três mulheres de Quequé, personagem de Osmar Prado. O meu, era Quinquim, um viúvo apaixonado por Santinha.  

Como disse, a memória não dá mais conta do primeiro encontro, mas trabalhei com Regina Dourado na TV Aratu, no início da década de setenta. Fazíamos um programa para criança comandado por um Palhaço e com ele um grupo de animais: o Macaco, a Onça e o Galo (símbolo da empresa). Havia também outro ator, Kerton Bezerra.  Cabia a Regina Dourado fazer a Onça, enquanto eu fazia o Galo. O programa era ao vivo e Regina, muito jovem. Éramos todos jovens; atores em início de carreira. Naquela época, eu era muito crítico e não conseguia brincar, ainda que mascarado. Às vezes, sentia-me ridículo debaixo da máscara de Galo que vestia. Não era o caso de Regina.

Regina se foi depois de uma bela carreira na televisão, cinema, teatro. Para ela, uma lágrima e muitos aplausos. 

Inesquecível!   

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Registro 409: Apoio a Hebe Alves


Faço parte do grupo de professores recém concursados. Portanto, considero-me novo na Escola de Teatro, embora velho, pois fui aluno do Curso de Formação do Ator. Em seguida, como estudante da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, cursei uma disciplina optativa e convidado por Possi Neto tornei-me seu assistente na inesquecível encenação de "A Casa de Bernarda Alba". Foi aí que eu me aproximei de Hebe Alves, aluna e uma das atrizes. Quando fiz "As Feras", último trabalho antes de seguir para São Paulo, Hebe estava no elenco. Ao retornar, depois de muitos anos, Hebe e Deolindo me convidaram para dirigir o XVI Curso Livre de Teatro, experiência que me fez reatar com o teatro. Em todos os momentos, a presença de Hebe foi sempre a do artista que se mostra apaixonado por sua arte e por ela se impõem no mundo. 

Como eu acredito que a Escola de Teatro necessita de alguém que tenha uma profunda ligação com as artes cênicas, é que eu apoio Hebe Alves para a direção. Não farei desta consulta um campo de batalha, mas não posso trair meus princípios. Tenho profundo carinho e respeito pela comunidade da Escola de Teatro, seus estudantes, seus técnicos, seus professores, mas o que eu quero, agora, é ver uma outra coisa. Sem nostalgia, devemos olhar o passado e retirar dele aquilo que ficou como potência, o irrealizado, as promessas. Quem esquece o passado não pode olhar para frente. Eu quero seguir em frente... A alternância de pessoas e ideias é salutar para qualquer instância de poder, já que a manutenção pode se tornar perigosa. Por tais motivos, a minha opção é pelo plano de trabalho apresentado por Hebe Alves.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Registro 408: Monteiro Lobato

Antes que o mundo acabe, ou melhor expurguem a obra de Monteiro Lobato para crianças, vou comprá-la, já que a minha coleção adquirida aos dezoitos anos, para espanto de meu pai, perdeu-se em meio a tantas mudanças. Inesquecíveis aventuras, elas não me tornaram preconceituoso nem outra coisa qualquer sem caráter, ao contrário. Os livros foram abertura para minha mente e por eles compreendi o mundo, inclusive as suas doenças. Assim venho tentando diuturnamente respeitar os outros com suas grandrezas ou não. Mesmo sabendo que tudo tem um limite.  Me assusta está postura equivocada do politicamente correto. Eu cantei aquela música que diz assim: "É proibido proibir..." Viva Dona Benta, Tia Nastácia, Emília, a personagem mais irreverente da literatura para crianças, Pedrinho, Narizinho, Visconde de Sabugosa, Tio Barnabé, Rabicó e todos os outros que encheram de alegria e dor a minha infância. A compra tardia se deu por motivos óbvios: quando eu era menino, a minha família não tinha tantas posses para destinar a uma coleção. Li alguns livros retirados da estante de minha tia professora. Mais tarde, retirei da biblioteca pública da c idade onde passei a minha infância, meu sítio do Pica-pau Amarelo, minha Terra do Nunca. Aos dezoito anos, passando férias no interior, surpreendeu-me um vendedor na porta de casa mercando os livros de capa dura na cor vermelha com o título em dourado. Com argumentos firmes consegui fazer com que meu pai, adquirisse aquele mundo de pura imaginação, de lições e de coisas divertidas que agora querem apagar. Tia Nastácia não iria gostar de tão absurda campanha. Apagar o livro Caçadas de Pedrinho é limitar a possibilidade de se discutir sobre preconceito, discriminação e outros monstros que assolam o Brasil. Proibir uma obra literária é um retrocesso. Seguindo está cartilha politicamente correta na forma que estão propondo, adeus literatura. Os livros estão cheios de bons e maus sentimentos. Querer passar uma borracha e apagar o que se escreveu no passado e no presente é fazer o que os nazista fizeram: acenderam fogueiras para incinerar o pensamento, a imaginação, a vida humana transformada em arte.

domingo, 2 de setembro de 2012

Registro 407: Absurdos no Novo Código Penal


O texto do professor Christiano Jorge Santos, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 2 de setembro, revela os absurdos equívocos da proposta do novo Código Penal.

CHRISTIANO JORGE SANTOS

Código Penal: entre baleias e seres humanos

Entre omitir socorro a um cão ou a uma criança, deixe para trás a criança. E saiba: o crime compensa, inclusive para os já presos, pois penas diminuirão

A árdua tarefa de reformar uma legislação de 1941 não poderia ser bem sucedida em apenas oito meses. Para a elaboração das propostas do novo Código Penal, não foram realizadas discussões com as principais faculdades de direito do país. Não houve ampla participação das instituições e entidades de classes da área jurídica. O diálogo com a sociedade não foi satisfatório.

As audiências públicas, pautadas principalmente em temas polêmicos como aborto e eutanásia, ofereciam apenas três minutos para a manifestação de cada um dos tantos interessados. O resultado da pressa não poderia ser diferente. O texto legislativo apresenta falhas graves. Trata-se de um código feito por dez advogados, dois procuradores de justiça e três juízes.

Entre os piores erros, destaca-se o ato de reduzir o racismo, o preconceito e a discriminação a fato impune, diante da ausência de sanção.

Há diversas penas desproporcionais. De acordo com o novo dispositivo legal, a vida de um animal vale mais do que a vida humana. Basta confrontar os crimes contra a pessoa (ou contra a dignidade sexual) e os crimes contra a fauna para que se percebam previsões equivocadas.

Pune-se no projeto a omissão de socorro a animais em perigo, com prisão de um a quatro anos. Em contrapartida, a omissão de socorro a um ser humano em idêntica situação gera prisão de apenas um a seis meses, ou multa. Portanto, entre se omitir no socorro a um cão atropelado ou uma criança, é mais vantajoso deixar a criança para trás.

O ato de promover uma "rinha de galos" é punido com dois a seis anos de prisão, pena bem superior ao ato de provocar intencionalmente uma lesão em um humano, que incorre em prisão de seis meses a um ano.
Molestar baleias e golfinhos gera pena de prisão de dois a cinco anos. Molestar sexualmente um adolescente, sem grave ameaça ou violência, deixa o criminoso no máximo dois anos preso. A comissão deixa claro que a proteção penal aos seres humanos é inferior à fauna.

A flora brasileira não teve o mesmo tratamento especial. Embora nossas florestas, especialmente a Amazônica, sejam alvo de cobiça internacional e de desmatamento, destruir inteiramente uma floresta nativa provoca uma reação penal pífia: prisão de três meses a um ano -a mesma pena para quem danificar a vegetação de logradouro público. Arrancar as pétalas de uma rosa na pracinha ou destruir a Amazônia se tornam condutas de igual gravidade.

O uso de drogas também merece destaque. Para a nova lei, deixou de ser crime portar entorpecentes para consumo pessoal -o suficiente para o consumo médio individual por cinco dias. Além da impossibilidade de se definir critérios do que seria "uma quantidade razoável", o novo código abre precedente para o tráfico difuso. Qualquer traficante flagrado com até 25 porções poderá alegar ser um mero usuário. Basta dividir a droga com outros "portadores" para poder traficar em larga escala e, o pior, dentro da legalidade.

Quanto aos delitos patrimoniais, o crime compensa. As penas do roubo simples caíram de quatro a dez anos de prisão para três a seis anos. A pena para roubo com emprego de arma caiu de cinco a 15 anos para quatro a oito anos de reclusão.

Os futuros criminosos serão contemplados com uma liberdade mais célere, inclusive os que já estão presos, já que a lei penal mais favorável ao réu retroage. O atual crime de extorsão -a exemplo da obtenção da senha de cartões bancários em seqüestros-relâmpagos- será considerado roubo por equiparação. Desta forma, não será mais possível somar as penas de roubo e extorsão, o que beneficia (e muito) o réu.
A aprovação do texto do atual projeto de lei representa um enorme risco à segurança jurídica e à sociedade brasileira. Pese a capacidade e o saber jurídico de vários de seus membros, a meritória intenção de reforma gerou várias inovações positivas, mas também maus resultados.

A esperança de evitarmos prejuízos à sociedade brasileira está nas novas emendas ao Projeto. O MP já encaminhou mais de cem propostas de emenda ao Senado Federal para corrigir estes e outros equívocos no novo Código Penal.

CHRISTIANO JORGE SANTOS, 45, é professor doutor de direito penal na PUC-SP e promotor de Justiça

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Registro 406: Para educadores



Tomei a liberdade de copiar da Folha de S. Paulo e colar neste blog, o texto logo após a esta resumida introdução. Tamanha é lucidez na análise da proposta que ronda o ensino médio no Brasil, com a adoção de um sistema que privilegia o ensino em áreas que se agregam e ministradas à cargo de uma professor generalista, Sei bem o que é uma professor generalista. Na área da Arte, que é a minha, a batalha para romper com a excrecência do professor generalista foi muito dura, pois temos a certeza de que um professor não conseguirá ministrar conteúdos de Teatro, Música, Dança e Artes Visuais com a competência necessária e fazer com que os estudantes mergulhem no universo das linguagens da Arte de maneira adequado e vertical como deve ser este encontro. Ainda não conseguimos fazer com que as escolas públicas e privadas em sua totalidade compreendam a necessidade de um professor para cada linguagem da Arte. Há exceções, mas via de regra, os profissionais são levados a assumir a tarefa de ministrar aulas de Arte tendo apenas a formação numa das linguagens, o que descaracteriza uma proposta educativa séria. Agora, diante dos baixos índices educacionais, os burocratas da educação inventam uma moda que em vez de avançar retroage a um modelo  vigente no tempo da ditadura civil-militar. Mas deixemos que o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. exponha seu pensamento. Comungo com suas ideias e espero que mentes lúcidas consigam agir de maneira a barrar tal estupidez.

Reforma estapafúrdia

PAULO GHIRALDELLI JR

Querem professores de ensino médio generalistas como os do ensino básico. O aluno esperará a faculdade para ter professores especialistas. Será tarde demais.

A ideia que o Ministério da Educação (MEC) tem para melhorar a educação brasileira é a extinção do "professor de colégio". Nunca pensei que se chegaria nisso. É fantástico: não havendo mais a figura do professor, tudo se resolve.

A reforma que o MEC propõe para o ensino médio se resume nisto: ficam extintas as disciplinas tradicionais -português, história, física, filosofia etc. Seus conteúdos devem ser diluídos em "áreas", criadas sem respaldo epistemológico, mas apenas como reflexo do mal arrumado Enem.

A proposta foi tema de dois textos nesta seção no último sábado. Com ela, o MEC atual repete o erro da ditadura militar. Pela Lei de Diretrizes e Bases de 1971, foi feito algo parecido, tendo sido necessário voltar atrás sete anos depois, quando foi constatado o fracasso da reforma.

Como não nasci ontem, posso dizer quais as principais consequências da reforma atual proposta.

1) A primeira é gravíssima: desaparecendo a disciplina, desaparece a figura do professor da escola média, ou seja, o tradicional professor de colégio, uma vez que é pelo domínio de um conteúdo específico que ele se caracteriza.

O professor do ensino médio será um generalista igual ao professor do ensino das primeiras séries do ensino fundamental. Ele poderá ser despejados dentro das tais áreas e, conforme o jogo de forças interno a elas, descartado. Professor sem disciplina no âmbito do colégio não é professor.

2) Não havendo mais a profissão de, por exemplo, professor de física, de filosofia ou de história, para que serviriam os cursos de licenciatura na universidade brasileira? Para nada. Isso vai causar desprestígio ainda maior da carreira do magistério e o fechamento das licenciaturas na universidade.

3) Não existindo mais disciplinas na escola média, queiram ou não, haverá um vácuo de três anos na vida do jovem.

As áreas não funcionarão de imediato (se é que algo assim possa funcionar um dia!), como sempre ocorre nesses casos de mudanças esdrúxulas. Haverá, então, o caos na escola: não se saberá que tipo de professor deverá ficar com os alunos e, ao fim e ao cabo, teremos rapidamente na universidade duas ou mais gerações com três anos a menos de ensino.

4) Descaracterizada dessa maneira, a escola média irá se configurar como um "lugar de espera". Será um tipo de playground para adolescentes (!), que deverão ficar lá, "na bagunça" -provavelmente eles próprios perceberão que não se sabe o que fazer com eles. A escola será um lugar para segurar uma juventude que deverá esperar a universidade para voltar a ter professor especialista!

A universidade, por sua vez, terá de arcar com a tarefa de suprir o que se perdeu nesses três anos. 

Obviamente, não conseguirá dar conta disso. O ensino universitário sofrerá pressão no sentido de baixar seu nível, uma vez que a maioria dos alunos não estará entendendo coisa alguma em sala de aula.

Tecnicamente, no jargão da sociologia da educação, trata-se aí de "expropriação do saber" do professor, uma conhecida antessala para arrocho salarial e contenção de despesa.

PAULO GHIRALDELLI JR., 55, é filósofo, professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e autor de "As Lições de Paulo Freire" (Manole)

Folha de S. Paulo, 29 de agosto de 2012

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Registro 402: Para os eleitores


Aos eleitores de Salvador, Bahia e de qualquer cidade do Brasil. Basta fazer as adaptações ao seu contexto 

No texto que se segue, Aninha Franco nunca foi tão mordaz como agora. Humorada, mas terrivelmente agressiva, ela diz o que a grande maioria de nós quer dizer ao ver tantas caras sorridentes pelas ruas da Cidade do Salvador. Perspicaz, ela toca na ferida que se esconde por trás de tantos sorrisos. Sorrisos de quem vislumbra  um futuro promissor. Leia e desfrute o texto, mas não esqueça o que Aninha aponta. Só não vê quem não quer. Um texto oportuno. Pena que os políticos, que raça horrível, continuarão escondendo sua sordidez por trás de um sorriso manso, suave. Cuidado!


Quem ri por último, pode rir melhor, se quiser

Aninha Franco, 
A Tarde, 26 de agosto de 2012 

Por que riem os candidatos ao executivo e legislativo soteropolitanos? Nas placas que enfeiam, ainda mais, a linda cidade da Baía, destacam-se os dentes. Alvos, quase exuberantes, riem sobre a urbe destroçada. Riem de quê? Do lixo, dos buracos, do fedor de mijo que afligem os cidadãos do território sem cidadania? Do extermínio da produção artística criativa dos Anos 1990? Da inexistência de políticas públicas municipais para o que quer que seja? 

Do tráfico e da polícia que, concorrentes, matam, como nunca antes na história deste Estado, jovens das periferias? Do mensalão do PT? Da CPI de Cachoeira do PSDB? Ou do poder onipresente de Sarney, o corrupto mor do País, na frágil democracia de 1963, em toda a ditadura, de 1964 a 1989, e na democracia de agora? Riem do constrangimento e da vergonha de serem políticos, como Maluf, os candidatos ao executivo e legislativo soteropolitanos?

De que riem os candidatos ao executivo e legislativo soteropolitanos? Dos analfabetos absolutos ou funcionais que vitimizam a si mesmos, à cidade, aos municípios, e ao Estado? Da educação pública, da saúde pública, da péssima qualidade dos serviços públicos, ou das casas caras que ocuparam para fazer campanha, e das casas ainda mais caras que ocuparão depois, se vencerem, aumentando patrimônios a galope, sem que ninguém lhes impeça ou fiscalize? Riem dos salários que os três Poderes se autocontemplaram, às escondidas, e que a Lei de Acesso tem exposto?

De que tanto riem os candidatos ao executivo e legislativo soteropolitanos? Da falta de novas lideranças políticas? Das promessas que, quase todos fizeram sem falta e, as quais, quase todos faltaram, sem dúvidas? Da grana que precisa ser investida no Centro Histórico, pós avacalhação 2007.2010? Riem da gestão de Joãozinho Oito que se encerra com a cidade mais provinciana que em 2004? Riem de não terem rejeitado suas contas, tolerando que se ele se candidate a governador em 2014? Que tanto têm para rir os candidatos ao executivo e legislativo soteropolitano à gestão 2013.2016. Como quem ri por último ri melhor, temos a opção da não reeleição absoluta. 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Registro 401: Sobre a política cultural, o teatro e os editais


SOBRE EDITAL, PROFISSIONAL E PÁ DE CAL
Por Gil Vicente Tavares


Em seu discurso de posse como Secretário de Cultura da Bahia, o professor Albino Rubim citou, para ciúme das outras artes, o teatro profissional baiano. Era início de 2011, reeleição de Jaques Wagner, e seu discurso, oportunamente, referiu-se à área que mais embate teve com a gestão passada da pasta.

Pouco tempo depois, o secretário fez uma reunião com alguns artistas da cidade, com foco na discussão do teatro profissional em Salvador; o que causou ciumeira nos que não foram chamados, e um entusiasmo perigoso nos que estavam presentes.

2011 foi um ano fraco para o teatro. O Fazcultura, demonizado como um programa do governo onde as decisões ficam na mão da iniciativa privada, foi a ferramenta que conseguiu dar um fôlego para que o ano não passasse em branco. O Vivo Encena patrocinou o festival Bahia em Cena e o espetáculo Sargento Getúlio, abrindo exceção por ser uma data comemorativa e a abertura do festival citado acima; visto que o programa da Vivo não tinha como foco patrocinar, através do Fazcultura, montagens de espetáculos. Namíbia, não! foi exceção que confirmou a regra da ineficiência dos editais e muito pouco se fez.

A despeito do descrédito do Prêmio Braskem, o reflexo do arrefecimento da produção profissional baiana ficou claro nas indicações de melhor espetáculo. Dos cinco indicados, um era de alunos da Escola de Teatro, outro, uma peça de formatura da mesma, além de Fim de Partida, produção da Companhia de Teatro da UFBA.

A Secretaria de Cultura justificou a falta de incentivo por conta das dívidas herdadas da gestão passada, e todos aceitaram um ano de vacas magras para que a casa fosse arrumada e os artistas e produtores fossem pagos.

O ano de 2012 começou sem perspectivas claras para aquecer o mercado teatral em Salvador. Uma contenda entre Secretaria de Cultura e Vivo Encena fez o segundo se afastar, com seus investimentos, do teatro profissional na cidade. Como em samba de pombo urubu tá sempre errado, prefiro me abster de entrar nessa confusão, apenas registrando que, nessa contenda, quem mais perdeu foram os artistas. A Coelba e a Bahiagás chegaram a lançar propostas via Fazcultura, mas, de fato, até o momento não vimos nenhuma empresa de porte marcando presença na produção teatral da cidade.

Desde o início do século XXI que o “teatro baiano” (na verdade, o teatro produzido em Salvador) começou a passar por problemas de produção e sustentabilidade. O empresariado baiano foi paulatinamente sumindo, com seus investimentos, e uma ideia de democratização, descentralização e incentivo dos desfavorecidos, em detrimento dos que vinham produzindo por diversos mecanismos de isenção fiscal, patrocínios diretos e, raramente, editais, acabou por, junto com a verba, pulverizar a produção da capital.

Houve um enfraquecimento do Fazcultura, com uma produção pouco atrativa aos olhos dos empresariados que, noutras épocas, chegavam a ir atrás dos artistas para patrocinar ou apoiar financeiramente. A concentração na política de editais e o fortalecimento de um Fundo de Cultura do Estado da Bahia – concentrando, inclusive, recursos outrora destinados, pelas empresas, ao Fazcultura – provou não dar conta de uma efetiva, diversificada e contundente produção em Salvador.

Muitos espetáculos passaram a cumprir a temporada exigida e depois sumir, sem fazer carreira, circular, participar de festivais e ter uma sobrevida que justificasse um investimento público. Considero um desperdício de verba pública destinar-se a um projeto seja 50, 100 ou 150 mil reais, e esse projeto não ter uma carreira, não atingir uma meta mínima de público, não ter um planejamento que não o torne dependente apenas do edital. A obra de arte precisa ser vista e penso que quando o governo investe nela, é pra que essa obra possa dialogar com a sociedade, seja algo que dê um retorno ao público comum com o que a arte tem de mais essencial para o homem: a poesia que falta no dia-a-dia, a reflexão que passa por outros caminhos que não o panfleto e o discurso da mídia.

Num ano de pouca e pobre produção teatral, a Fundação Cultural do Estado da Bahia lançou um edital chamado Setorial de Teatro onde o conceito era que qualquer projeto vinculado às artes cênicas poderia ser contemplado de acordo com sua relevância para a comissão, ao contrário dos editais da gestão passada, que eram divididos em categorias como montagem, circulação e manutenção.

Foram dezoito projetos aprovados. Como o próprio site da FUNCEB divulga, foram nove projetos de difusão/circulação, quatro de formação, três de criação e dois de produção. Esse resultado é um reflexo da crise que se instaurou no teatro de Salvador. Dos dezoitos, treze foram de formação, circulação e difusão. Com isso, percebe-se uma tendência na comissão. Há, inevitavelmente, uma constatação: incentivar a formação, difusão e circulação são quase decorrências das necessidades profissionais, em boa parte, de uma classe. A necessidade de formação é para se ter uma técnica apurada para a realização de um espetáculo. E é preciso grandes espetáculos para que a circulação e difusão sejam válidas. Contudo, justamente esse elo da cadeia produtiva, o fundamental e que fortalece todo o resto, foi enfraquecido.

Três festivais foram contemplados. Ora, um festival é algo estrategicamente fundamental. Algo que não deveria concorrer em editais, deveria ser algo que tivesse verba direta e não precisasse concorrer com outros projetos. Mas a comissão teve que escolher entre um festival de cerca de noventa mil e montagens de duzentos mil. É de uma covardia e esquizofrenia sem tamanho, e uma concorrência desleal, pois deixar de contemplar dois festivais que, juntos, somam menos de duzentos mil, para aprovar uma montagem de duzentos mil chega a ser loucura. Por quê? 

Justamente porque devem ser políticas diferenciadas dentro de uma secretaria de cultura.

Como foi dito acima, os artistas que mais tempo vêm fazendo teatro, estando regularmente nos palcos, criando obras que possam ter uma carreira e dialoguem com o mercado de forma a que o projeto gere um mínimo de sustentabilidade, esses artistas poucas, pouquíssimas ou até mesmo nunca produziram suas obras através de editais.

Eu, por exemplo, ainda iniciante, com apenas treze anos de carreira, só fiquei um ano sem produzir nada em teatro: 2007 (coincidência, ou não, primeiro ano do PT na Bahia). Em treze anos de carreira concorri umas trinta vezes entre editais de montagem estaduais e federais e ganhei apenas uma vez, com Os javalis. Se eu, neófito, já estou calejado e acostumado a perder editais, quanto mais profissionais com anos de profissão: e edital não é política pública e nem o x da questão. Infelizmente, mais uma vez, após o resultado do Setorial de Teatro, as discussões pareceram girar em torno de quem ganhou e quem deixou de ganhar. 

Mais uma vez, a classe, difusa e desunida, aproveitou-se de um edital “balaio de gato” para alfinetar e se enfraquecer internamente, quando o foco não era, não é e nem pode ser quem ganhou e quem perdeu, e é engraçado como alguns vestem a carapuça das críticas que são direcionadas ao Estado, e não a nenhum artista específico. “A casa dividida não fica de pé” (Mateus 12.25b), e a falta de união pelo bem comum só corrobora o pouco caso dos poderes públicos.

Uma reportagem foi feita discutindo os rumos do teatro profissional em Salvador. Esse teatro que é feito com regularidade, que se pretende inserido num mercado consumidor, com carreira, temporadas, festivais. E neste aspecto, como saiu na reportagem em uma citação minha, esse edital foi uma pá de cal no profissionalismo que se poderia pretender para o teatro na cidade, pela analogia com o escasso incentivo à produção local.

Para quem não sabe, a utilização da expressão “pá de cal” refere-se ao último ato feito no enterro de um defunto. Um mero edital equivocado, difuso e que, em sua perspectiva de contemplar tudo, acabou por desequilibrar a balança entre produção e os outros elos da cadeia, não tem relevância, por si só. Contudo, ele é o reflexo de toda uma conjuntura onde a fuga do empresariado, opções complicadas  e decisões aparentemente equivocadas das políticas públicas acabaram por enfraquecer de vez o mercado do teatro em Salvador.

O teatro é uma arte coletiva. Tanto no fazer quanto no aparecer. Uma andorinha só não faz verão e a sensação que tenho, quando olho os roteiros de teatro da cidade, é desoladora. Não adianta me dizerem que o Teatro NU fez uma temporada em julho de Os javalis, uma em agosto de Sargento Getúlio, e depois vai viajar para Porto Alegre. Se o mercado não está aquecido, se estão acontecendo, raramente, grandes produções, projetos de visibilidade e qualidade – sim, há teatro de qualidade e há o teatro ruim que, além de ser ruim pela sua simples existência, ainda afasta o público fazendo um desserviço à classe –, se a efemeridade, fragilidade e irrelevância de produções impera, não há como tocar um projeto de teatro sério, profissional e a médio e longo prazo na cidade.

Estamos numa encruzilhada. De cá, para conforto dos de lá, nos engalfinhamos em picuinhas, revanchismos, invejas e disputas. De lá, o poder público nada faz de eficiente e programado, somos cada vez menos estimados pelos empresários, as perspectivas se fecham e a situação é calamitosa.

Resta, por enquanto, torcer para que os projetos aprovados no Setorial de Teatro inundem de qualidade e energia os palcos da capital e do interior. Que o pouco que foi aprovado traga uma relevância e uma significância imensa ao público, tão desacreditado em relação ao que se produz aqui. Precisamos voltar a pôr a cabeça pra fora da lama, precisamos ser vistos, precisamos voltar a ter credibilidade, dignidade, relevância no cenário artístico da Bahia. O antes tão bem falado, criticado e viajado “teatro baiano” precisa se reerguer. O profissional dessa classe precisa voltar a produzir e dar continuidade aos seus projetos.

Ano que vem é Copa das Confederações. Daqui a dois anos, Copa do Mundo. Precisamos de um novo prefeito que cumpra sua obrigação de incentivar nossa cultura, coisa que estupidamente não vem sendo feita. Precisamos ter a chance de mostrar que Salvador não é só aquela imagem batida, e que temos uma cultura forte, sólida e diversificada que pode, também, ser de interesse do turista, pode ser mercado, pode gerar renda e fortalecer a economia. É preciso incentivar a produção local para apresentarmos nossa diversidade e riqueza, e há recursos, estão investindo muita grana nessas copas. Porém, dinheiro teria também para o centenário de Jorge Amado e por enquanto a grande ação cultural do Governo Estadual foi colocar placas de outdoor pela cidade.

Não será com promessas vãs de um Secretário de Cultura (que domaram os protestos da classe), com o descaso do governo estadual, com a ignorância do governo municipal, com o descrédito de empresários e com editais pífios e esquizofrênicos que chegaremos lá.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Registro 400: Uma delícia de ver.



QUEM MONTOU A SEQUÊNCIA É UM GÊNIO. USOU A MÚSICA STAYING ALIVE COM CENAS DE DANÇAS DE FILMES ANTIGOS ESTRELADOS POR ASTROS DO PASSADO. INCRÍVEL. VALE A PENA DEDICAR 5 MINUTOS PARA ASSISTIR! BASTA CLICAR!

domingo, 22 de julho de 2012

Registro 399: Enquanto escuto Erasmo Carlos e amigos...


     1- De uma maneira geral, e com raras exceções, os críticos cinematográficos resolveram detestar Na Estrada, o filme de Walter Salles Junior a partir de On The Road, a bíblia beat de Jack Kerouac. Penso que se deixaram influenciar por opiniões desencadeadas apressadamente em Cannes quando na estreia do filme no Festival.
     Boa parte dos críticos não respeitam a leitura que o cineasta brasileiro, um dos melhores, fez do livro, quase cinquenta anos depois da viagem que o autor empreendeu pelos Estados Unidos da América na companhia de amigos. Está viagem emblemática se dá em dois níveis: o exterior, marcado pelos encontros e desencontros, a paisagem e os embates que aí se dão. O outro nível, mais profundo, porque mexe com a interioridade do Eu, este que absorve o que vê, ouve e escuta e se transforma.
     A viagem é sempre transformadora, mesmo que indique uma parada no final da estrada, ou o retorno ao mesmo, ao conhecido. A literatura de ontem e de hoje está repleta de viagens. Mesmo assim, o sujeito que parte e retorna não é o mesmo que partiu, ainda que guarde em si o que de fato é, mergulhando então na nostalgia de ter deixando algo por fazer.
        Octavio Ianni, no belo texto A viagem como metáfora, nos diz que a história dos povos está marcada pela viagem. Para ele, a humanidade trabalha "a viagem, seja como modo de descobrir o 'outro', seja como modo de descobri o 'eu'. É como se a viagem, o viajante  e a sua narrativa revelassem todo o tempo o que se sabe e o que não se sabe, o conhecido e o desconhecido, o próximo e o remoto,  o real e o virtual.
    A experiência da viagem realizada por Sal Paradise e Dean Moriarty acompanhados por Marylou mexe com as nossas certezas e figura a ultrapassagem de fronteiras, ao mesmo tempo dissolvendo-as ou recriando-as, Ianni novamente. 
      Ao ver na tela, a viagem movida sexo, drogas e jazz, na perspectiva do cineasta, um ser sempre fascinado pelos deslocamentos advindos da estrada, o filme traz as lembranças de um tempo em que eu, já passado da adolescência, buscava formar em mim um sujeito de espírito livre.
        Mesmo condicionado por uma formação católica repressiva eu encontrava acolhida nas páginas do livro que agora apreciei na tela. Os desregramentos vividos pelos personagens calavam fundo e mesmo sem ultrapassar a medida, eu sabia que era possível botar o pé na estrada, mesmo que a estrada fosse imaginária. E foi por ela que caminhei sempre. Vez em quando, ela se tornava real e eu caía nela desrespeitando os condicionamentos ditados pelo social.  
        Se não há tanta loucura como acusam faltar no filme, ainda há inquietação e muita. E há também beleza! Diante de uma sociedade massificada pelo consumo e pela necessidade, o livro e o filme são um tapa na cara de quem se acha muito louco nos dias de hoje. A moçada de hoje, a que se diz pra frente e libertária,  já encontrou estradas e picadas abertas por jovens que nos anos quarenta pularam fora dos condicionamentos e escreveram sua história com liberdade invejável. E pensar que eu nem era nascido! Mas fui bafejado por este fluxo libertário que vem de longe...
      Se há um erro em Na Estrada, ele está na escolha de Sam Riley, o ator que interpreta Sal Paradise, que na verdade é Kerouac. Que ator mais sem graça. Fora Riley, os outros atores e atrizes são ótimos e intensos como são os personagens que representam. 
        Veja o filme sem preconceitos.

2 - A companhia italiana de Fondazione Pontendera de Teatro esteve em Salvador com dois espetáculo: Abito e Lisboa. Como não conhecia o trabalho de Roberto Bacci, animador e encenador da Fondazione, corri apressado para ver Abito que dirigiu com Anna Stigsgaard. 
      Que decepção!
     Inspirado no Livro do Desassossego do poeta Fernando Pessoa na pessoa de Bernardo Soares, seu semi-heterônimo, o espetáculo promete muito nos vinte minutos iniciais e depois se repete numa chatisse infindável. Um fórmula pós-dramática que se repete e nada acrescenta. Não emociona. Nem esteticamente. Seus efeitos impressionam aos desavisados. Fui embora antes de terminar. No dia seguinte, conversando com colegas de trabalho, descubro que não perdi nada, pois nada mudou nem surpreendeu.
       Em meio ao texto retirado do Livro do Desassossego, inseriram poesias de Pessoa, de seus Outros (Caeiro, Reis, Campos) que lhe habitam. Uma delas, a que fala do menino Jesus e de um poeta, despertou em mim a vontade de ouvir o CD Rosa dos Ventos, aquele mágico show de Maria Bethânia dirigido por Fauzi Arap. E foi o que fiz ao chegar em casa. A cantora diz o texto como ninguém.
    O registro sobre a passagem do Pontendera por Salvador sai superatrasado. Eu andava travado pela preguiça...

3 - Um amigo de infância e juventude, muito querido, a quem não vejo faz muitos e muitos anos, comunicou-me o nascimento do seu segundo neto. Desejo-lhes o melhor dos mundos! Eu que só tenho sobrinhos, queridos, não serei avô. Serei somente tio-avô, mas não é a mesma coisa. Não lamento. 

4 -  Leia e sinta o prazer que senti. Mas leia com calma. 

RUBÁYÁT

OMAR KHAYYÁM
TRADUÇÃO LUIZ ANTÔNIO De FIGUEIREDO

VII
Enche a Taça de Vinho, e tua roupa severa
atira ao fogo acolhedor da Primavera!
Chega de contrição! O Pássaro do Tempo
abriu as asas rumo ao Fim que nos espera!

XII
Um Livro de Poesia sob a Rama Florida,
o Vinho e o Pão, ao lado a Mulher preferida,
cantando no deserto uma Canção singela,
fariam deste areal a Terra Prometida!

XXI
Amada, enche-me a Taça, vou deixar de lado
os medos de Amanhã e a mágoa do Passado!
Amanhã! Poderei considerar-me o mesmo,
com meus sete mil anos, sem estar cansado?

XXIV
Vamos gozar, Amor, cada breve Momento!
Logo seremos Pó, levado pelo Vento!
Pó jazendo no Pó, e sob o Pó da tumba,
sem Vinho, sem Cantor, sem Música ou lamento!

XXXV
Meu lábio degustou a sagrada Bebida
num Caneco de Argila, para entender a Vida.
Argila aconselhou: - "Contente-se em Beber,
não haverá mais Vinho após a Despedida!"

XLI
Sem mais interrogar o humano e o divino,
às mãos do Vento errante entrega teu Destino,
e teus dedos enlaça nas tranças do esbelto
jovem que oferta o Vinho - e viva o desatino!

XLII
Se o Vinho que bebes e os beijos de tua boca
têm Princípio e têm Fim, e tudo que nos toca,
morre, lembra que és Hoje o mesmo ser de Outrora,
e o mesmo de Amanhã nesta Existência louca!

SOBRE O TEXTO O matemático e astrônomo persa Umar Ibn Ibráhim Al Khayyámi, ou apenas Omar Khayyám (1048-1131), escreveu o "Rubáyát" -101 quadras (rubái) "de rara limpidez de forma e profundidade de pensamento", nas palavras de Manuel Bandeira-, que ganha edição integral no Brasil. Marcada por descrença e desencanto, sua filosofia preconiza o prazer que se pode extrair de uma taça de vinho, da companhia da mulher amada, de uma flor. Traduzido do persa para o inglês por Edward FitzGerald (1809-83), trabalho que deu origem à presente tradução, o "Rubáyát" influenciou o budismo e autores modernos como Jorge Luis Borges e Fernando Pessoa. O livro sai em agosto pela Editora Unesp (164 págs., R$ 35). Publicado em Ilustríssima, Folha de S. Paulo, 22 de julho de 2012)

terça-feira, 10 de julho de 2012

Registro 398: Sou solidário



'FIQUEI FELIZ POR DILMA 
NÃO ENCONTRAR AHMADINEJAD'

A ativista iraniana Mina Ahadi, porta-voz do Comitê Internacional Contra o Apedrejamento de Mulheres, participou na semana passada do Fórum Mulheres Reais que Inspiram, organizado por Ana Paula Padrão. Ela falou à coluna de Mônica Bérgamo (Folha de S. paulo, 10 de julho de 2012) por e-mail.


Folha - Quais os exemplos de violência contra mulheres nos países ocidentais?

Mina Ahadi - No ocidente existem formas de violência à mulher como a doméstica, a prostituição e o estupro. Não há apedrejamento. Entretanto, os governos ocidentais têm ajudado aqueles que defendem o apedrejamento a ganhar o poder. Eles não ajudam a conter o avanço da política contra a mulher nos países de regime islâmico. E eles têm mantido o silêncio sobre esse e outros crimes, como o apartheid de gêneros.

É possível pensar em um mundo sem apedrejamento de mulheres?

Sim, claro! Com a campanha contra a execução de Sakineh Ashtiani [condenada por adultério], o Comitê Internacional Contra Apedrejamento conseguiu suspender o ato contra ela. Os aiatolás da República Islâmica começaram a pensar em formas alternativas de punição. Esse é o começo do fim dessa violência por outros governos islâmicos. O apedrejamento é uma vergonha para a humanidade e precisa se tornar algo do passado. A Organização das Nações Unidas deveria propor um documento que condene e proíba crimes religiosos como apedrejamento, apartheid de gêneros, circuncisão de mulheres e uso de véus.

Foi certo convidar o presidente Mahmoud Ahmadinejad para a Rio + 20?

Eu fiquei mais feliz pelo fato de a presidente Dilma Rousseff e outras autoridades brasileiras não terem se encontrado com ele. Ahmadinejad vai a essas conferências para fazer de conta que tudo é normal no Irã. E que ele pode agir como um presidente de um outro país qualquer. Mesmo que a situação ambiental no Irã seja preocupante e vergonhosa -e esse era o tema central da Rio +20-, o objetivo do regime islâmico nessas visitas é completamente político.

Qual sua opinião sobre Dilma Rousseff? O Brasil deveria cortar relações com o Irã?

Estou certa de que o governo brasileiro pode cortar relações diplomáticas com o regime islâmico e dar o exemplo para outros países ocidentais. Não se pode manter relação com um regime que apedreja pessoas e mata milhares por razões políticas.

sábado, 9 de junho de 2012

Registro 397: Homenagem a Carmem Bittencourt



Conheci Carmem Bittencourt desde a primeira vez que assisti a uma espetáculo no Teatro Vila Velha. Corria o ano de 1966. A peça encenada, Estórias de Gil Vicente, por João Augusto reunia textos do dramaturgo português e finalizava com a adaptação para o palco de uma livreto de Cordel, A Entrada de Lampião no Inferno. A partir daí acompanhei a trajetória da atriz até me transferir da Bahia para São Paulo.

Carmem Bittencourt, uma dos fundadores da Sociedade Teatro dos Novos, juntamente com Carlos Petrovich, Echio Reis, Othon Bastos, Sonia Robatto, Maria Francisca, Tereza Sá, liderados por João Augusto, depois do rompimento da turma com a Escola de Teatro e seu diretor na ocasião, Martim Gonçalves, os dissidentes partiram para uma aventura que deu certo. 

O grupo tornou-se uma referência do moderno teatro na Bahia, etapa iniciada pelas atividades de Martim Gonçalves junto a Escola de Teatro da então Universidade da Bahia. A Sociedade Teatro dos Novos se impôs e por seu trabalho e pertinácia construiu no Teatro Vila Velha, Passeio Público, no terreno doado pelo governador Juracy Magalhães. 

Descendente de família tradicional de Salvador, Carmem Bittencourt teve um papel prepoderenante na consolidação da Sociedade e do espaço, não somente como atriz, mas como adminstradora e faz tudo. Muitas vezes comprei ingresso de suas mãos, pois quando não estava em cena, ela exercia também a função de bilheteira, assim como outros atores da Sociedade. 

Um talento dramático à toda prova, Carmem Bittencourt não se limitava aos papéis "sérios", revelando-se uma comediante das mais expressivas. Como não atuei no Teatro Vila Velha, minha relação mais próxima com a atriz se deu quando do seu ingresso no elenco de A Casa de Bernarda Alba, de Garcia Lorca, sob a direção de José Possi Neto, que realizava em 1973, a sua primeira e inesquecível encenação, uma leitura muito particular e pertinente para a época do texto do dramaturgo e poeta espanhol. Como assistente de direção, acompanhei de perto a criação do personagem Maria Josefa por Carmem Bittencourt.

Ao entrar em cena como Maria Josefa, a atriz infundia pura poesia e na loucura da personagem dizia palavras lúcidas sobre a casa, a sua dona e sobre a repressão infundida por ela às suas filhas e criadas. Em meu livro Transas na Cena: teatro e contracultura na Bahia, dedico muitas páginas ao espetáculo, seu processo de feitura e acabamento; registro acontecimentos importantes envolvendo o elenco e a atriz em foco.

Distante da Bahia, não acompenhei a saída de cena de Carmem Bittencourt, mas ao retornar para Salvador, no horizonte do século 2, em minhas andanças pela cidade, uma tentativa de me recontrar com a soterópolis que deixara, encontrei Carmem caminhando pela Graça, bairro onde residia. No primeiro momento não me reconheceu, mas ao ouvir as lembranças ao seu trabalho em A Casa de Bernarda Alba, ela me abraçou, disse que não atuava mais e seguiu em frente. Fiqui parado vendo-a distanciar-se. A figura magra, de traços angulosos, muito parecida com outras mulheres criadas por Lorca, andou firme. Desde aquele encontro não soube mais da atriz, até abrir as páginas de um dos jornais que circulam por aqui e saber de seu falecimento no dia 7 de junho.

Lá se foi Carmem Bittencourt que além de atriz, trabalhou muitos anos na Sociedade Orfãos de São Joaquim. Aos 94 anos, ela deixou este palco-mundo e foi representar noutras plagas. Mas fica registrado aqui a sua força, sua integridade, sua firmeza a sua grandeza de atriz. Muito além desde registro há um legado nas fotografias dos espetáculo que fez:  Almanjarra (1957), Auto do Nascimento (1959), O Beijo no Asfalto (1961), Eles Não Usam Blequetai (1964), Estórias de Gil Vicente (1966), A Morte de Quincas Berro D’Água (1972) e Branca de Neve e os 7 Anões (1973), entre outros. E se existem cópias, os fotogramas do filme Moleques de Rua (1963) de Álvaro Guimarães e de Entre o Amor e Cangaço (1965), de Aurélio Teixeira, demonstram as qualidades dessa atriz insequecível. Como é inesquecivel a sua Romana, em Eles não Usam Blequetai, nas palavras de Harildo Déda que apreciou a sua criação no palco:

Eu me lembro de momento de Carmem, que fazia Romana, catando feijão. Ela não chora, a atriz não chora, mas a queda de cada grão de feijão dentro da vasilha de alumínio é como se fosse lágrimas. Era muito bonito.


Aplausos!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Registro 396: Dois espetáculos, Salmo 91 e Olorum



SALMO 91
Salmo 91, texto de Dib Carneiro Neto é mais um trabalho derivado do livro Estação Carandiru de Drauzio Varella, transposto também para o cinema por Hector Babenco. Um assunto como o da vida na penitenciária paulista, e o massacre que dizimou mais de cem mortos nela trancafiada foi abordado por três das linguagens da arte: a literatura, o cinema e o teatro. Daí a sua importância, pois o tema, visto por ângulos diversos e submetido aos elementos de cada uma dos meios, forma um painel sobre a des-esperança
.
Além disso, o massacre do Carandiru, como ficou conhecida a chacina, inspirou o intenso trabalho de Nuno Ramos: a instalação denominada 111, exposta na Bienal Brasil Século XX (1994), um conjunto de meteoritos negros com inscrições, manifestação no campo das artes visuais ou plásticas. Portanto, o tema despertou o interesse de vários artistas.

É notável um traço comum entre os trabalhos, a densidade presente em todos eles, sem nenhum ranço da arte panfletária, muita acostumada ao tematizar tais acontecimentos. Os discursos citados acima seguem outra proposta e despertam sentimentos e pensamentos mais profundo que um panfleto.

Salmo 91 esteve em cartaz na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador, depois de uma temporada no Teatro Molière. Dirigido por Djalma Thürler, Salmo 91 é composto por dez monólogos correspondendo aos personagens interpretados por cinco atores, Lucio Tranchesi Rubio, Fábio Vidal, Duda Woyda, Rafael Medrado e Lucas Lacerda.

Originalmente, o texto não determina um cruzamento entre os monólogos, já que se mostram independentes, mas o diretor faz com que eles se cruzem, com os atores interagindo na dramaturgia cênica, opção que dinamiza o espetáculo de maneira intensa, com belas cenas retiradas de um material não tão belo: a vida passada, as condições de vida na prisão, os relacionamentos entre os presos. Colabora para a plasticidade da encenação, o espaço trabalhado pelo cenógrafo carioca José Dias e pela iluminação que recorta a cena, dando-lhe contornos para cada momento específico deste bom trabalho diretivo.

Djalma Thürler conduz seu elenco com precisão, retirando de cada intérprete bons momentos, marcando a cena de maneira orgânica, ainda que alguns intérpretes se destaquem pela entrega emocional e pela técnica que sustenta a criação. Mantendo a atmosfera e delineando cada personagem, os atores não resvalam em nenhum momento para a caricatura. A intensidade de algumas interpretações não beira o exagero.

Espetáculo bem acabado, Salmo 91 precisa ser visto e discutido. Para tanto, espera-se que retorne ao palco não somente para o amadurecimento de suas constituintes, mas para apreciação por parte do público interessado em bom teatro. Seu tema pode afastar espectadores, mas não aqueles atraídos pela humanidade que emana do tema e que podem se deixar tocar por suas contradições, sua violência e jogos de poder. Dib Carnerio Neto, ao adaptar o livro para o palco, não trata seus personagens sob a tinta do maniqueísmo. Ao expor cada um na sua inteireza, adentra por um universo rico de nuances reveladoras de uma vida no crime. O autor, o diretor e, sobretudo, os intérpretes reviram as almas atormentadas destes homens encarcerados, expondo para o espectador os personagens, mas sem tomar partido e sem julgamento prévio. O que se passa no palco é uma fatia tragicômica da realidade revestida de poesia, mas sem mascaramento. Os personagens são o que são e buscam sobreviver diante das circunstâncias. O espetáculo vive pela sua intensa poesia, pois o real se metamoforseia em objeto estético.

OLORUM
Em cartaz no Espaço Xisto Bahia, temos Olorum, texto de Gildon Oliveira sob a direção de Elisa Mendes, espetáculo do Grupo NITA. O autor reconta no palco o mito da criação do mundo e do homem, a partir da matriz africana. Ao recontar a aventura de Oxalá e Odudua, sua irmã (na versão adaptada), Gildon trabalha com a estrutura do épico, opção que facilita, de maneira criativa, a compreensão do mito por parte do espectador.

Transitando por universo aparentemente conhecido, o autor conduz a criança, espectador para o qual se destina o espetáculo, para o interior da narrativa fecunda, pois constrói seu desenrolar intercalando a ação dramática com intervenções de narradores que fazem avançar o que se conta. Por veze, esta escolha rompe com a representação de situações ricas que a poesia dramática possibilita quebrando-lhe a atmosfera e interrompendo o fluxo emocional, ponto central do drama, para ressaltar a objetividade do gênero épico., um traço determinante da encenação concebida por Elisa Mendes.

A diretora arma o espetáculo em um espaço neutro, tendo ao fundo um painel formado por pequenos recortes brancos que lembram bandeirinhas, mas que nada contribui para o todo da encenação. E não funciona nem como elemento decorativo. Mas a solução encontrada para caracterizar o Orum (céu), uma árvore em miniatura à beira do proscênio, é teatral e plena de significados.

O figurino esclarece enquanto elemento da linguagem. Em alguns casos, como o de Oxalá e Odudua, tornam-se peças expressivas caracterizadoras dos personagens, pois são criativas bem adequadas ao contexto da peça. Coube a Hamilton Lima a responsabilidade pelo cenário e figurinos.

Com excessivas cenas de dança que não contribuem para o desenrolar da ação, o espetáculo se sustenta na qualidade do texto, nos bons desempenhos dos atores (Mariana Freire, Jussara Matias, Marinho Gonçalves, Leandro Villa), dos bailarinos (Denys Silva, Claudionor Neto, Beatriz Costa), na sensível iluminação de Marcelo Marfuz e sobretudo nas canções de autoria de Gildon Oliveira e Ângelo Castro.

Por fim, a escolha do tema é exitosa, pois coloca de maneira apropriada um tema pertencente ao contexto cultural baiano, coim suas raízes na matriz africana, marco também da brasilidade. Vale conferir Olorum, demonstração de que o teatro para criança em Salvador atinge uma qualidade visível como neste espetáculo. Espera-se que a cena destinada a um público numeroso saiba manter-se em um nível estético sem concessões ao comercialismo que por vezes ronda os produtos culturais oferecidos aos espectadores em formação. Assim, os responsáveis por levar as crianças ao teatro podem escolher de maneira criteriosa aquilo que elas apreciariam sem diminuir-lhes a inteligência e a sensibilidade

Èpa Bàbà!