quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Registro 341: Uma semana em Sampa

Viaduto do Chá, Teatro Municipal ao fundo - São Paulo, 2011. Raimundo Matos de Leão

Em função dos compromissos particulares e profissionais, deixei de viajar por um bom tempo. Tal situação me deixou deslocado, mesmo contando com as mídias que nos enchem de informação. Mas nada como sair da rotina e ver outros lugares. Fui a São Paulo, lugar onde vivi por quase trinta anos, sítio de muitas vivências, de muitas recordações e amarrações. Não voltaria a residir em Sampa: a cidade me deixa exausto, pois tudo é superlativo, as qualidades e os defeitos. Uma semana basta para deixar excitações que se prolongam por muito tempo, até que o cotidiano absorva a carga de energia provocada por uma cidade estimulante, exageradamente absorvente e exigente.

Meu objetivo era rever amigos. Vi poucos, mas muitos queridos. Com Fanny Abramovich, fui ao teatro e passamos muitas horas proseando num restaurante acolhedor e de comida gostosa, depois de termos ido ao Sesc Belémzinho, um lugar dos melhores. O Sesc em São Paulo é dez. Rimos muito de nós e também dos outros.

Teresa me hospedou e revivemos momentos passados, quando moramos juntos numa vila em Pinheiros. Sua gata Bianca, que não foi com minha cara, rejeitava meus carinhos, mas Teresa me disse que a felina é assim mesmo, estranha os estranhos. 

Almocei na casa do Jô, que reuniu Solange, Marilena, Catito e outros amigos, para um encontro que entrou pela tarde e se encerrou porque eu tinha de ir ao teatro para ver Ópera dos Vivos. Sobre o espetáculo não comentarei, visto que dos quatro atos só aguentei o primeiro. Me mandei, Fanny também. Coisa chata, velha, obviedade em cena; esqueceram o humor e a crítica para olhar a cultura brasileira a partir da década de 60. Teoria brechtiana de algibeira, simplória como cartilha. Aliás, o ranço da cartilha é o traço. Nem Marx, nem Prestes, nem Paulo Freire aguentariam tal espetáculo. Penso que nem no acampamento dos Sem Terra faria sucesso.

Visitei minha querida amiga, a atriz e professora Cleide Queiroz, e Maria Eugênia, cuidadora da biblioteca de seu pai, Osmar Rodrigues Cruz.  O acervo com obras raras sobre teatro está muito bem cuidado e merece apoio. Estamos correndo atrás, ela mais do que eu, um vice-presidente (não muito atuante) do Instituto Osmar Rodrigues Cruz. 

Passei par ver Tony em seu belo e antigo apartamento. Com Márcia, Irene, e duas Teresas, fui bebericar na Vila Madalena, um bar atrás do outro. E pensar que a Vila era uma lugar pacato com suas casas simples, morada de estudantes da USP e de artistas, gente que buscava uma alternativa para a caretice paulistana, isso na década de 70.  Agora virou point... de bacana.

No Sesc Pompéia encontrei Roberto Ceni. No belo espaço criado Lina Bardi, apartir da recuperação de uma antiga fábrica vi O Idiota, a versão para o palco do romance  de Fiódor Dostoiévski, sob a direção de Cibele Forjaz. Prometo escrever sobre o espetáculo que me deixou contente por ver teatro de qualidade.

Por fim, o almoço na casa de Agda, família querida. Seus netos cibernéticos estão crescidos e sabidos. 

Por acaso, dei de cara com Ricardo Muniz, com quem trabalhei no Sesc Pompéia na década de oitenta, hoje um animador do teatro com intercâmbios com a Alemanha e o Japão. Não nos víamos desde 1989. O reencontro se deu no belo Centro Cultural Banco do Brasil, onde fui ver a exposição Islã, arte e civilização. Deslumbrante mostra da arte islâmica

Não tornarei públicas as conversas com os amigos, mas registro a quantidade de afeto recebido. Afeto que o tempo e a distância não diminuiram. Os reencontros foram prazerosos e guardo comigo os sorrisos, os gestos, as atenções.

Andar pelo Centro da cidade sempre foi uma mania. E agora que a cidade de São Paulo está bem cuidada, é um passeio e tanto. O paulistano reclama do seu atual prefeito. Imagina se eles morassem em Salvador. Eu gostaria que o prefeito daqui desse um jeito na Cidade da Bahia, mas isso ele não vai dar, porque lhe falta competência. Competência que Salvador só vê quando dos preparativos para o Carnaval. Êta eficiência!! O prefeito, posto em sossego, pensa que iluminação verde esconde a feiúra, a sujeira, a desorganização da Cidade da Bahia. E pensar que a cidade foi um dia tão linda com seus neons, deixando-lhe magicamente bela. O que se vê agora é a destruição das camadas do tempo, dos tempos que estão na memória dos vivos que um dia se acabará, memória que será pó... Falta-nos um Gregório de Matos.

Mas São Paulo, com todos os problemas, está limpa e mostra-se sem a poluição dos anúncios que cobriam tudo, escondendo dos olhos a beleza de sua arquitetura. 

Um dos problemas da cidade é o trânsito. Quem mora lá padece. Como eu estava de férias, não dava bola. Os serviços são eficientes, desde a Rua 25 de março até os Jardins. No Mercado Municipal, o pecado da gula é exercitado sem remorso. Aliás, comida das melhores é que não falta na cidade.  Fui bem atendido em todos os lugares, menos numa loja em Congonhas. O calor é de matar qualquer um. Todos os executivos de terno usam mochila preta nas costas. Os sem terno também. Deve ser moda. A diversidade humana é mais visível, porque acentuada nos jeitos de vestir e se comportar. A elegância discreta já não é tão discreta.

Ah,como é bom tomar café em São Paulo! 

Vi dois filmes: Inverno na Alma (radiografia violenta da América profunda) e O Que Disse Primeiro, uma divertida comédia italiana desancada por Inácio Araújo, crítico da Folha. Não deu para ver Bravura Indômita. Verei aqui, no Unibanco Glauber Rocha, o cinema distinto de Salvador, ou no Circuito Sala de Arte, que tem uma boa programação, mas anda com uma projeção qualquer nota, com o som na maior altura, como se a platéia fosse surda problema . Quando reclamo, o funcionário faz cara de paisagem e tudo continua como está.  Parece que o surdo sou eu.

No MASP, apreciei o acervo em duas exposições temáticas: O Romantismo e O Retrato. Eficientes. A de fotografias de Win Wendres ocupa um dos andares com fotos em grandes dimensões.