sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Registro 235: Depoimento I

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.

Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se

INAUGURANDO A SEÇÃO,

CELSO JÚNIOR

Nasci há 40 anos uma cidade fria, feia e longe, no interior do Rio Grande do Sul. De lá, peregrinei com meus pais pelo Brasil, até chegar à Bahia, no carnaval de 1980. Em Salvador, conheci muita coisa, estudei arquitetura e teatro. Sou ator e diretor de espetáculos. Aos poucos virei professor.

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Nunca perco uma oportunidade de assistir Andréa Beltrão em cena. É sempre um alento. Aqui em Salvador, tá complicado, não tem mais teatro direito... Mas quando uma peça traz Marcelo Prado, eu vou assistir sempre. Me interessa saber o que ele tem a dizer, e como.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Edward Norton, Kevin Spacey, Fanny Ardant, Kate Winslet. São muitos.

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
Ewald Hackler, na Bahia. Gerald Thomas, no Brasil.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
Não sei responder a esta pergunta. Acho que a atriz Yumara Rodrigues não teve o destaque que o talento dela merecia. Mas tem um problema de ego ali. Não sei.

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
Ano passado eu fui assistir a uma peça em São Paulo, me fiando apenas no título, que eu tinha achado bonito e poético: “O céu 5 minutos antes da tempestade”. No fim das contas, era um espetáculo realmente surpreendente. Uma das atrizes, inclusive, está indicada ao prêmio Shell.

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
No início dos anos 80, quando eu era adolescente e comecei a assistir as peças da Escola de Teatro, houve um momento antológico, numa mesma temporada, eu assisti “Em alto mar”, “A noite das tríbades”, “A caverna” e “Dias felizes”. Essa experiência modificou minha visão de mundo. Naquele momento, eu percebi que o teatro poderia ser um veículo para as coisas que eu pensava. Foi uma experiência ao mesmo tempo devastadora e epifânica. Destruiu muito do que eu acreditava e construiu novas coisas.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
“O livro de Jó”, de Antônio Araujo. Passei mal, chorei, sofri junto. Só um tempo depois, é que eu percebi que havia sido tragado por aquela manipulação emocional. É um espetáculo quase pornográfico, no sentido em que não permite ao espectador nenhum hiato de subjetividade. Tudo está explícito o tempo todo. Mas, naquele momento, eu caí feito um patinho.

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
“Entropia”, de Rodrigo Nogueira e direção de Marcelo Mello, que eu assisti no Rio. Perdi a noite, pensando sobre o espetáculo, depois de assistir. Saí do teatro com uma sensação de alívio: “Nossa, o teatro carioca não morreu!”

9 – Comédia é um gênero de segunda?
Eu comecei em teatro na Cia. Baiana de Patifaria, que fez um gênero muito especial de comédia, no final dos anos 80 e redefiniu a história do teatro em Salvador. A comédia é um gênero de primeira necessidade. Tanto fazer quanto assistir. Sem hierarquias. Tudo tem seu lugar.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
“Fim de partida”, de Samuel Beckett. Todas as vezes que eu li – devo ter lido umas quatro vezes, integralmente – foi uma leitura difícil. Mas é muito boa, apesar de tudo.

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
“A vida de Eduardo II”, de Christopher Marlowe, com direção de Harildo Déda. Não consigo entender por que eu não assisti a esta montagem, nos anos 80. Eu já era frequentador dos espetáculos da Escola de Teatro, não sei por que não fui. Pelas fotos e pelo que as pessoas dizem, foi uma montagem monumental.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
“Viva o povo brasileiro”, baseado na obra de João Ubaldo, sob direção de Wagner Salazar. O diretor veio a Salvador montar essa adaptação. Ele estava num momento muito especial da vida dele (ele tinha AIDS e morreu pouco depois da estréia) e conseguiu tingir a peça com esse momento dele. Foi um soco no estômago. Sem aviso, sem dó, na covardia. Saí do teatro devastado por aquilo tudo.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
“Nada será como antes”, de Claudio Simões, escrito há exatos 10 anos.
“Entropia”, de Rodrigo Nogueira, escrito já no século 21.

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
“O beijo no asfalto”, de Nelson Rodrigues. Essa peça deveria ser reencenada a cada – sei lá – 10 anos. Sempre encontro ali, cada vez que releio, novos caminhos a serem trilhados, novas possibilidades. É isso que faz de um clássico um clássico, não?

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Acho (e tenho esperanças) que Harvey Fierstein ainda será descoberto como um grande autor de peças. Atualmente, ele é visto apenas como um autor de comédias gays. Mas a visão de mundo dele – presente em suas peças – é de uma beleza e de uma poesia imensas.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
Gabriel Vilella. Nunca gostei muito das peças dele. E ele é incensado, festejado, premiado, endeusado. Acho o trabalho dele pretensioso, maquiado e sem tridimensionalidade.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
“Cartas abertas”, de Marcio Meirelles, uma pequena obra-prima delicada que foi – mais do que demolida – ignorada pela crítica, pelas premiações. Só não foi ignorada pelo público.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode citar três.
Gostaria de fazer um dos personagens de “Esperando Godot”, de Beckett, qualquer um.
Gostaria de interpretar Vânia ou Astrov, de “Tio Vânia”, de Tchékhov.
Gostaria de interpretar Henrique de Bolingbroke, da peça “Ricardo II”, de Shakespeare.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
Síntese e clareza. “Menos é mais.”

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
O excesso de signos desperdiçados e dispersos. O tempo perdido ali.