segunda-feira, 28 de junho de 2010

Registro 313: Homenagem a Anton Tchekhov



Luiz Felipe Pondé, o polêmico articulista da Folha de S. Paulo, escreve sempre às segundas-feiras. Com seus textos, ele me inquieta. Nem sempre concordo com seus argumentos, mas não deixo de lê-lo com simpatia, visto que me faz pensar. Seu posicionamento diante de variados assuntos, lidos à primeira vista e apressadamente, pode parecer reacionário, mas lidos com atenção revelam alguém que não pensa como o rebanho que segue a mesmice, não querendo desdoar do coro dos contentes. Ele fustiga o politicamente correto e outras formas do pensar pós-moderno, revelando sua visão humanista e libertária. Às vezes me assusto com suas posições, mas não fico indiferente ao que ele escreve.

Na edição de hoje, ele escreve sobre o querido dramaturgo russo Anton Tchekhov. Disse querido, e insisto em afimar isso, pois o dramaturgo e contista das estepes geladas toca profundamente na alma humana escavando-a fundo e sempre apaixonadamente. Por isso gosto profundamente de sua peças e contos. Ele olha seus personagens com carinho, mesmo aqueles pusilânemes. Expõe as nossas mesquinharias, Fala de longe sobre o nosso presente e futuro. É terno, comovente, irônico, corrosivo, mas sempre terno, provocando em nós um sorriso, mesmo quando as situações beiram ao dramático. Mas Tchekhov não faz drama por isso mesmo se espantou quando Stanislavski, o encenador russo, carregou as montagens de seu texto de uma seriedade de climas pesados.

Junto-me a Pondé para homenagear Tchekhov em seus 150 anos de nascimento. Leia abaixo o texto de Luiz Felipe Pondé.

LUIZ FELIPE PONDÉ

A medicina de Tchekhov
O escritor russo nascido há 150 anos tinha um sentido aguçado para a miséria concreta da vida humana


HÁ 150 ANOS o escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904) nascia. Médico, Tchekhov tinha um sentido aguçado para a miséria concreta da vida humana.

Partilho com ele de um grande ceticismo com relação à crença cega no progresso, tão comum entre os tolinhos de hoje em dia.

Qual a visão de mundo de Tchekhov? Qual é a marca profética (comumente referida na crítica especializada) dos autores russos do século 19 com relação à modernização? No caso de Tchekhov, contra o delírio de autossuficiência moderna, essa marca está na sua visão de que a humanidade vive contra um cenário infinito que ultrapassa cada um de nós e a cada "era histórica", retirando-nos a possibilidade de avaliar o verdadeiro sentido de nossos atos.

Apenas aqueles que viverão 500 anos depois de nós poderão, talvez, ver algum obscuro sentido em nossas vidas.

Ao contrário dos "ocidentalizantes" (termo comum na Rússia do século 19 para descrever os que abraçavam o avanço moderno sem dúvidas), que se viam como donos do próprio destino, Tchekhov logo percebeu que a modernização seria apenas mais uma experiência, como tudo que é humano, de fracasso com relação à posse do destino.

Contra o ridículo orgulho moderno, ele vê que a modernidade seria uma série de encontros e desencontros com as eternas sombras do humano. Quais seriam as sombras "modernas"? Os ganhos sociais (a superação do "chicote", como dizia Tchekhov, um descendente de servos) e técnicos (os ganhos da medicina no combate, por exemplo, à cólera, que tanto ocupou sua vida de médico de província) que cobrariam um alto preço (perda dos laços comunitários, mergulho na desumanização instrumental em busca de uma vida melhor, "bregarização da vida"), representado de forma cirúrgica em sua obra.

Esta paciência para com o obscuro sentido de nossas vidas é atípica em uma época como a nossa, marcada pela impaciência com o vazio da vida. Fingimos que sabemos o sentido de nossas vidas, vendo-o como sendo o "avanço" ou o "progresso" técnico, ético e social. Para cada avanço, um afeto se esvazia sob o dilaceramento das relações (burocratizadas) que se dissolvem no ar. Os afetos e não as ideias nos humanizam, e afetos não são passíveis de uma geometria do útil.

É exatamente da inutilidade dos afetos que fala Tchekhov em peças como "Tio Vânia" ou "Três Irmãs", nas quais as pessoas são tragadas pelos avassaladores detalhes da vida numa marcha cega em direção ao desperdício da sensibilidade humana. Na peça "A Gaivota", uma infeliz gaivota abatida torna-se metáfora de todo o drama: assim como é abatida uma gaivota (pelo diletante desejo humano da caça), somos todos abatidos ao longo da vida, por diletantismo do destino.

Entretanto, que os tolinhos de plantão não pensem que um grande anatomista da alma humana como Tchekhov pensaria bobagens como "se não matarmos gaivotas o mundo será melhor".

É no confronto com as contradições internas da sua obra que podemos perceber que Tchekhov não era um "tolinho progressista" que acreditava numa humanidade higienizada de suas misérias morais.

No conto "O Homem Extraordinário", um homem insuportavelmente honesto, reto e justo (o "insuportável" fica por conta da fala de sua esposa na agonia do parto) destrói a possibilidade da vida cotidiana, em nome de uma vida absolutamente ética: sem luxos, sem desperdício, sem abusos.

Este homem extraordinário dificilmente abateria gaivotas por diletantismo, mas, no lugar do diletantismo da caça, ele asfixiaria a respiração humana sob a caricatura morta de uma vida corretíssima.

No "Jardim das Cerejeiras", uma família da pequena aristocracia rural russa empobrecida, dona de uma propriedade com um jardim de cerejeiras, perde a posse das terras para um descendente de servos, agora livre, burguês e crente no futuro. No lugar deste velho e inútil jardim será construído um loteamento de férias para a "classe média" vir com seu direito brega à felicidade e seu amor ao "futuro".

Pois é ele, o habitante brega desses loteamentos, o herdeiro da Terra e dele será o reino dos céus.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Registro 312: Protesto

Baltasar Garzón e os direitos humanos


WADIH DAMOUS

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O afastamento de Garzón é um duro golpe nos direitos humanos; não é aceitável que as leis de anistia sirvam para acobertar genocídios
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Baltasar Garzón é um dos mais importantes magistrados espanhóis. Juiz da Audiência Nacional, Garzón tem sido responsável por algumas das mais relevantes investigações conduzidas pelo Judiciário da Espanha.

Foi proferida por ele a decisão de prender o general Augusto Pinochet, acusado de ser responsável por tortura e morte de espanhóis que viviam no Chile durante o período da ditadura naquele país. Mais recentemente, Garzón presidia as investigações sobre a prática de genocídio na Argentina, de que foram vítimas também cidadãos espanhóis, quando aquele país vivia sob o regime militar.

Sua atuação nos dois casos é o ponto culminante de trajetória profissional que envolve a investigação de delitos que vão do tráfico ao terrorismo, passando por crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Livre de compromissos partidários, a atuação de Garzón tem, por vezes, gerado descontentamento em diferentes setores da política espanhola. Assim, ele já foi objeto de críticas vindas tanto do PP (partido de centro-direita) quanto do PSOE (de centro-esquerda).

Por isso, embora provoque profunda decepção nos espíritos democráticos, não surpreende a decisão do Conselho Geral do Poder Judicial da Espanha que suspendeu Garzón do exercício da magistratura, afastando-o das investigações que conduzia. A acusação que recai sobre ele é a de ter proferido "decisão ilegal e abusiva" ao determinar a investigação de crimes praticados durante o regime franquista. O propósito de Garzón era permitir a identificação dos restos mortais de milhares de desaparecidos durante e em seguida à Guerra Civil Espanhola.

Na sua interpretação, crimes contra a humanidade não poderiam estar abrangidos pela lei de anistia espanhola, editada em 1977, razão pela qual as investigações deveriam ter lugar. O afastamento de Garzón é um duro golpe no direito internacional dos direitos humanos. Não é aceitável que leis de anistia sirvam para acobertar genocídios ou crimes contra a humanidade, crimes que não violam apenas os direitos de cidadãos de uma nação.

Por isso, o afastamento de Garzón de suas funções tem provocado intensa reação internacional, sobretudo por parte das organizações de defesa dos direitos humanos. Cabe aos democratas de todo o mundo protestar. É estranho que país democrático, como a Espanha de hoje, desconheça o princípio da independência da magistratura.

Se havia discordância em relação à decisão do magistrado, que se tentasse reformá-la por meio do sistema de recursos. Se o ordenamento jurídico não comporta recurso adequado para impugnar a decisão monocrática de um juiz, por maior que seja sua estatura constitucional, isso significa que o sistema é falho e deve ser reformado.

Do ponto de vista da promoção dos direitos humanos, a decisão que atinge Garzón é desastrosa. Do ponto de vista institucional, com ela o sistema espanhol torna-se exemplo de como não se deve organizar o Judiciário e conceber as garantias dos juízes.

WADIH DAMOUS, advogado, é presidente da OAB-RJ (seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil). Texto publicado em 24 de junho 2010, Folha de S. Paulo.

sábado, 19 de junho de 2010

Registro 311: Não fosse real, seria cômico

O diálogo aqui reproduzido não é de minha autoria. Recebi por e-mail. É anônimo, não devia. Quem escreveu que assuma. Mas não vejo problema em publicá-lo. Como não tenho rabo preso...nem aqui nem ali. O texto revela uma situação... É divertido, mas toca em questões sérias para se pensar.  O outro lado deve ter suas justificativas. Muitas, mas não acredito mais nelas. Opine.

FÁBULA DA CULTURA NA BAHIA
Num Pelourinho densamente povoado por baratas, conversam uma Cigarra e uma Formiga:

Cigarra- Voce viu, o que Caetano escreveu sobre o Pelourinho?
Formiga- Caetano não entende nada do Pelô!
Cigarra- Como é?!
Formiga- Foi o Governador que disse...
Cigarra- Ah. E se o governador disse...?
Formiga- Quem discordar é de direita e é viúva do carlismo!
Cigarra- Mas e o Secretário? Não foi financiado durante décadas pelo carlismo?
Formiga- Você não entende nada de carlismo. ACM vive e o Secretário é de esquerda!
Cigarra- Diz o povo do Band'olodum que quando o diabo não vem manda o secretário.
Formiga- Se o Secretário é viúva, é porem honesta.
Cigarra- Honesta?! Parece que os atores do Olodum não ganham cachê até hoje.
Formiga- São todos artistas privilegiados e ainda querem ganhar cachê?

Num Pelourinho densamente povoado por baratas conversam uma Cigarra e uma Formiga:

Cigarra- Caetano disse que tinham abandonado o Pelourinho porque era obra de ACM.
Formiga- Caetano é de direita.
Cigarra- No mês que o Teatro Municipal do Rio foi reinaugurado ao custo de 200 milhôes, aqui o Teatro Jorge Amado está fechando...
Formiga- Jorge Amado é carlista e é de direita.
Cigarra- Em Buenos Aires o Teatro Colón foi todo reformado como uma das principais salas do mundo e aqui o telhado (a cobertura) da Concha Acústica do TCA caiu.
Formiga- Vamos interiorizar a Concha.
Cigarra- Aqui não se inaugura nada! Numa favela do Rio inauguraram o Centro Cultural Waly Salomão.
Formiga- Quem?!
Cigarra- Esqueça. O jornal A Tarde revelou que cerca de 50% dos projetos aprovados em editais da Secult não receberam recursos. Pode?
Formiga- Os artistas só ficam se lamentando... Reclamar é coisa de artista carlista.
Cigarra- Mas voce realmente acha correto lançar outros editais quando quase metade dos anteriores não foram pagos?! Divulgar o edital e depois não pagar ou cancelar não é uma fórmula nazista de manipulação da mídia!
Formiga- A cultura tem que ser autosustentável! Voces ainda vão ver os resultados dessa política...
Cigarra- Mas em todos os principais países do mundo a cultura é subsidiada pelos governos. Você já ouviu falar nisso, não?!
Formiga- Vamos criar aqui um novo modelo para o mundo.
Cigarra- Modelo novo? Aqui há tempos não acontece nada de importante. Os espaços estão vazios e os grupos de música, teatro e dança estão à míngua. O movimento cultural de Salvador é o mesmo de uns 30 anos atrás...Modelo... novo?!
Formiga- Não aguento mais... Vocês só dizem a mesma coisa?
Cigarra- Quando todo mundo diz a mesma coisa é a opinião da maioria... ou não?
Formiga- São todos viúvas do carlismo.
Cigarra- Voce quer dizer que todo o povo do Cultura na UTI e mais Caetano, João Ubaldo, Emmanoel Araújo, Nizan Guanaes, Aninha Franco, Fernando Guerreiro, Edgard Navarro, Elísio Pitta, Geraldo Maia, Washigton Queiroz, Gideon Rosa, Smetak, a família Amado, a família Caymmi e tantos, tantos outros são todos carlistas?
Formiga- Claro! E nós não podemos nem dialogar com carlistas.
Cigarra- E Rodin?
Formiga- Hem?
Cigarra- O Museu Rodin é um projeto carlista! E dos mais questionáveis!!
Formiga-... É?
Cigarra- E ao fim do mandato vai ser a grande obra cultural do governo Wagner.
Formiga- Mas nós vamos interiorizar a cultura.
Cigarra- O Museu Rodin então faz então de Wagner um governador carlista?
Formiga- Claro que não! Wagner é um governador de esquerda!!
Cigarra- Um governador carlista de esquerda??
Formiga- Mas Rodin é... importante.
Cigarra- Então vamos ficar eternamente auto-sustentados entre o Rodin carlista (real) e a interiorização (imaginária) da propaganda?
Formiga- Não esqueça da cultura popular.
Cigarra- E aí vamos ter de aturar que enquanto em SP eles fazem a "virada cultural" com mais de mil eventos na capital e mais de mil eventos no interior em uma única noite, aqui a "virada" é contra o fechamento do Teatro Jorge Amado. Enquanto no Rio eles planejam um novo Museu da Imagem e Som (65 milhões) no Rio aqui temos de ficar discutindo o fechamento... do Armazém Cenográfico (no máximo 30 mil reais).
Formiga- É por isso que vamos interiorizar...
Cigarra- Mas quando? Quer dizer que se Wagner continuar a Secult tambem continua como está??!! Isto é: sucateamento do Pelourinho, do Balé Folclórico, do Balé do TCA, da Fund. Casa de Jorge Amado, do Teatro XVIII, editais midiáticos, cinismo, dirigismo e arrogância??
Formiga- Vamos i n t e r i o r i z a r...
Cigarra- E você ainda diz que nós é que dizemos sempre a mesma coisa.
Formiga- É como disse La Fontaine: ri melhor quem ri por último.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Registro 310: Diga não às drogas. Diga mesmo!

O poeta Ferreira Gullar sempre acerta em seus textos publicados aos domingos na Ilustrada, um dos cadernos do jornal Folha de S. Paulo. Este que transcrevo aqui é de uma lucidez impressionante. Esqueci de registrar a data da publicação. Nele, o poeta trata de um tema preocupante, a desgraça do tráfico e de quem o alimenta. Ele nos chama para a real e nos coloca diante da nossa omissão. Somos omissos por que aceitamos os consumidores sociais da droga, um número bastante grande em todas as camadas da população brasileira, principalmente nas classes mais abastadas. É esse usuário irresponsável o incentivador o mercado. Tenho a seguinte opinião: por trás do traficantes existem pessoas poderosas e importantes no cenário nacional e internacional. E por isso, penso eu, o malefício se alastra como um rastilho de pólvora. Gullar nos fala também sobre os dependentes, um caso de saúde pública. Seu texto é uma alerta e deve ser lido em todos os lugares. Essa é a minha intenção: divulgá-lo. Leia. pense e tome uma atitude. Houve um tempo, lá pelos idos do 60 e 70 que os jovens não queriam ser rotulados de caretas e por esse motivo, muitos deles passaram a consumir drogas. Outros, usaram as substâncias visando a expansão da consciência e ampliar a sua capacidade criativa, outros brincaram. Alguns se deram bem, outros se perderam. Mas vivíamos tempos bem diferentes dos de hoje. A violência era de outra ordem. Hoje, sou mais pela caretice, mano!

QUEM MANTÉM O TRÁFICO É O USUÁRIO

Ferreira Gullar


Só uma operação em larga escala, que envolva famílias, escola e Estado, poderá deter o avanço da droga


SEI QUE o combate às drogas é um assunto polêmico e realmente de difícil solução. Sei também que as pessoas que se empenham nesse combate estão de boa-fé e convencidas das posições que defendem.

Um dos pontos mais difíceis de abordar é a repressão ao usuário de drogas, que é visto não como um contraventor, mas como uma vítima da dependência química.

De fato, não teria sentido tratar o viciado, que não consegue livrar-se da droga, do mesmo modo que o traficante, que se vale disso para ganhar dinheiro. Não obstante, me pergunto se todos os que consomem drogas são efetivamente dependentes, sem condição de livrar-se delas.

Já abordei aqui este assunto, quando usei do seguinte argumento: assim como a maioria dos consumidores de bebidas alcoólicas não é constituída de alcoólatras, também a maioria dos consumidores de drogas as consome socialmente.

Em grande parte, é gente de classe média alta e até mesmo executivos. Não podem ser vistos pelas autoridades do mesmo modo que os consumidores patológicos.

Este é um aspecto importante a ser considerado no combate às drogas, uma vez que o consumidor é o fator decisivo para a manutenção ou extinção do tráfico: não haverá comércio de drogas se não houver quem as compre. Sem consumidor, não há produção nem mercado.

Insisto neste ponto porque, como disse acima -e todos o sabem- será impossível extinguir o tráfico (e mesmo reduzi-lo drasticamente) se o número de consumidores se mantiver alto. E o fato é que o consumo de drogas cresce de ano para ano.

Se se admite, portanto, que é o consumidor quem garante a existência e expansão do tráfico, não resta dúvida de que é nele -no consumidor- que reside a chave do problema.

Atualmente, prepondera o combate direto ao tráfico, de que resulta uma verdadeira guerra, travada, quase sempre, nos subúrbios e nas comunidades pobres, que enfrentam grandes dificuldades para se manter e a suas famílias, e pagam alto preço pelas consequências dessa guerra.

E ao que tudo indica, com poucos resultados positivos. O tráfico continua a se expandir, envolvendo em suas malhas jovens cada vez mais jovens e até mesmo crianças cooptadas em suas escolas.

Paremos para refletir: se é o consumidor que mantém o comércio de drogas, não é evidente que o modo efetivo de combatê-lo é reduzir progressivamente o número de consumidores?

O erro cometido até aqui -se não me equivoco- terá sido reprimir tanto o traficante quanto o usuário de drogas, sem distinguir entre estes os que se drogam por necessidade patológica e os que o fazem socialmente. Mas, de qualquer maneira, a simples repressão, tanto ao usuário quanto ao traficante não resolverá o problema.

Por estar convencido disso, proponho que se encare essa questão a partir do consumidor, ou seja, impedindo que o número destes continue a crescer e, mais que isso, tentar reduzi-lo progressivamente.

Talvez as pessoas, que ainda não refletiram seriamente sobre o problema, tenham dificuldade de considerá-lo em sua verdadeira dimensão.

Sem exagero, a droga, como fenômeno mundial, pode ameaçar a própria civilização, já que se vale da juventude, isto é, daqueles que amanhã terão a sociedade em suas mãos.

Afora isso, a simples destruição de uma vida ou de uma família já justificaria todo o esforço possível para resolver tal problema. Por essa razão mesmo, acredito que o objetivo principal da luta a ser travada é manter os jovens e as crianças fora do alcance do traficante.

Estou convencido de que só uma operação em larga escala, que envolva não apenas as famílias, mas também a escola e os órgãos do Estado, poderá deter o avanço da droga. Não se trata de simplesmente promover uma campanha de esclarecimento, acreditando que isso seria suficiente. Não o seria.

Trata-se, a meu ver, de um trabalho permanente a ser desenvolvido por todos os setores da sociedade, devidamente organizado e mantido, evidentemente, pelo governo, com a participação da sociedade.

Um trabalho de reeducação e esclarecimento em caráter permanente, visando o futuro, mas implantado depois de muita reflexão e cuidadosamente elaborado. Tarefa para os novos governantes.