quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Registro 408: Monteiro Lobato

Antes que o mundo acabe, ou melhor expurguem a obra de Monteiro Lobato para crianças, vou comprá-la, já que a minha coleção adquirida aos dezoitos anos, para espanto de meu pai, perdeu-se em meio a tantas mudanças. Inesquecíveis aventuras, elas não me tornaram preconceituoso nem outra coisa qualquer sem caráter, ao contrário. Os livros foram abertura para minha mente e por eles compreendi o mundo, inclusive as suas doenças. Assim venho tentando diuturnamente respeitar os outros com suas grandrezas ou não. Mesmo sabendo que tudo tem um limite.  Me assusta está postura equivocada do politicamente correto. Eu cantei aquela música que diz assim: "É proibido proibir..." Viva Dona Benta, Tia Nastácia, Emília, a personagem mais irreverente da literatura para crianças, Pedrinho, Narizinho, Visconde de Sabugosa, Tio Barnabé, Rabicó e todos os outros que encheram de alegria e dor a minha infância. A compra tardia se deu por motivos óbvios: quando eu era menino, a minha família não tinha tantas posses para destinar a uma coleção. Li alguns livros retirados da estante de minha tia professora. Mais tarde, retirei da biblioteca pública da c idade onde passei a minha infância, meu sítio do Pica-pau Amarelo, minha Terra do Nunca. Aos dezoito anos, passando férias no interior, surpreendeu-me um vendedor na porta de casa mercando os livros de capa dura na cor vermelha com o título em dourado. Com argumentos firmes consegui fazer com que meu pai, adquirisse aquele mundo de pura imaginação, de lições e de coisas divertidas que agora querem apagar. Tia Nastácia não iria gostar de tão absurda campanha. Apagar o livro Caçadas de Pedrinho é limitar a possibilidade de se discutir sobre preconceito, discriminação e outros monstros que assolam o Brasil. Proibir uma obra literária é um retrocesso. Seguindo está cartilha politicamente correta na forma que estão propondo, adeus literatura. Os livros estão cheios de bons e maus sentimentos. Querer passar uma borracha e apagar o que se escreveu no passado e no presente é fazer o que os nazista fizeram: acenderam fogueiras para incinerar o pensamento, a imaginação, a vida humana transformada em arte.

domingo, 2 de setembro de 2012

Registro 407: Absurdos no Novo Código Penal


O texto do professor Christiano Jorge Santos, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 2 de setembro, revela os absurdos equívocos da proposta do novo Código Penal.

CHRISTIANO JORGE SANTOS

Código Penal: entre baleias e seres humanos

Entre omitir socorro a um cão ou a uma criança, deixe para trás a criança. E saiba: o crime compensa, inclusive para os já presos, pois penas diminuirão

A árdua tarefa de reformar uma legislação de 1941 não poderia ser bem sucedida em apenas oito meses. Para a elaboração das propostas do novo Código Penal, não foram realizadas discussões com as principais faculdades de direito do país. Não houve ampla participação das instituições e entidades de classes da área jurídica. O diálogo com a sociedade não foi satisfatório.

As audiências públicas, pautadas principalmente em temas polêmicos como aborto e eutanásia, ofereciam apenas três minutos para a manifestação de cada um dos tantos interessados. O resultado da pressa não poderia ser diferente. O texto legislativo apresenta falhas graves. Trata-se de um código feito por dez advogados, dois procuradores de justiça e três juízes.

Entre os piores erros, destaca-se o ato de reduzir o racismo, o preconceito e a discriminação a fato impune, diante da ausência de sanção.

Há diversas penas desproporcionais. De acordo com o novo dispositivo legal, a vida de um animal vale mais do que a vida humana. Basta confrontar os crimes contra a pessoa (ou contra a dignidade sexual) e os crimes contra a fauna para que se percebam previsões equivocadas.

Pune-se no projeto a omissão de socorro a animais em perigo, com prisão de um a quatro anos. Em contrapartida, a omissão de socorro a um ser humano em idêntica situação gera prisão de apenas um a seis meses, ou multa. Portanto, entre se omitir no socorro a um cão atropelado ou uma criança, é mais vantajoso deixar a criança para trás.

O ato de promover uma "rinha de galos" é punido com dois a seis anos de prisão, pena bem superior ao ato de provocar intencionalmente uma lesão em um humano, que incorre em prisão de seis meses a um ano.
Molestar baleias e golfinhos gera pena de prisão de dois a cinco anos. Molestar sexualmente um adolescente, sem grave ameaça ou violência, deixa o criminoso no máximo dois anos preso. A comissão deixa claro que a proteção penal aos seres humanos é inferior à fauna.

A flora brasileira não teve o mesmo tratamento especial. Embora nossas florestas, especialmente a Amazônica, sejam alvo de cobiça internacional e de desmatamento, destruir inteiramente uma floresta nativa provoca uma reação penal pífia: prisão de três meses a um ano -a mesma pena para quem danificar a vegetação de logradouro público. Arrancar as pétalas de uma rosa na pracinha ou destruir a Amazônia se tornam condutas de igual gravidade.

O uso de drogas também merece destaque. Para a nova lei, deixou de ser crime portar entorpecentes para consumo pessoal -o suficiente para o consumo médio individual por cinco dias. Além da impossibilidade de se definir critérios do que seria "uma quantidade razoável", o novo código abre precedente para o tráfico difuso. Qualquer traficante flagrado com até 25 porções poderá alegar ser um mero usuário. Basta dividir a droga com outros "portadores" para poder traficar em larga escala e, o pior, dentro da legalidade.

Quanto aos delitos patrimoniais, o crime compensa. As penas do roubo simples caíram de quatro a dez anos de prisão para três a seis anos. A pena para roubo com emprego de arma caiu de cinco a 15 anos para quatro a oito anos de reclusão.

Os futuros criminosos serão contemplados com uma liberdade mais célere, inclusive os que já estão presos, já que a lei penal mais favorável ao réu retroage. O atual crime de extorsão -a exemplo da obtenção da senha de cartões bancários em seqüestros-relâmpagos- será considerado roubo por equiparação. Desta forma, não será mais possível somar as penas de roubo e extorsão, o que beneficia (e muito) o réu.
A aprovação do texto do atual projeto de lei representa um enorme risco à segurança jurídica e à sociedade brasileira. Pese a capacidade e o saber jurídico de vários de seus membros, a meritória intenção de reforma gerou várias inovações positivas, mas também maus resultados.

A esperança de evitarmos prejuízos à sociedade brasileira está nas novas emendas ao Projeto. O MP já encaminhou mais de cem propostas de emenda ao Senado Federal para corrigir estes e outros equívocos no novo Código Penal.

CHRISTIANO JORGE SANTOS, 45, é professor doutor de direito penal na PUC-SP e promotor de Justiça