sexta-feira, 25 de março de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

Registro 345: Uma flor para Elizabeth Taylor

Uma cena de Quem Tem Medo de Virgínia Woolf

Inesquecível em Um Lugar ao Sol, Assim Caminha a Humanidade, Gata em Teto de Zinco Quente, De Repente, no Último Verão, Disque Butterfield 8, Quem Tem Medo de Virgínia Woolf, Pecado de Todos Nós. Seus olhos eram piscinas azuis-violetas. Sua presença magnética. Sua vida um melodrama. Uma dama desregrada que enchia a tela de volúpia. Assisti quase todos os seus filmes, mesmo os ruins, mas sua presença diluía a má qualidade de certos filmes. Um ícone do século XX, ela sabia de sua importância no cansado século XXI. Flores para Elizabeth.

quarta-feira, 9 de março de 2011

344: Carnaval em Cachoeira - Bahia


Fugi do caos carnavalesco para Cachoeira. Não senti saudades de Salvador durante os dias que por lá passei. Cachoeira desperta em mim sentimentos contraditórios. Gosto do que vejo, da sua atmosfera... sinto-me bem na cidade. Por outro lado, me angustio ao ver que ela tem potencial que não é explorado. Explorado a partir de um projeto que respeite suas características e sua identidade, seu jeito de ser. Penso sempre em Parati todas as vezes que vou à jóia do Paraguaçu, preguiçosamente posta em sua margem num diálogo com sua cara metade, São Félix.
Tudo é beleza e tudo é ruína. Andar por suas ruas e ver como é lindo aquilo que está cuidado, restaurado, respeitado. É um prazer desfrutar da poesia que emana de seus casarões e das pequenas casas que compõem o cenário de ladeiras, praças e ruas estreitas, e becos que guardam silenciosamente camadas do tempo depositadas em cada janela, porta, telhado. É triste saber que muita coisa podia ser melhor cuidada e não é. Fico a sonhar com Cachoeira inteiramente restaurada, mas não tratada como parque temático ou algo parecido. Restaurada para se manter como uma cidade histórica viva e não morta. Uma cidade que precisa do seu jeito especial para sobreviver. O atrativo é sua arquitetura, sua história, sua vida cultural. Modificá-la é matá-la. E quando afirmo isto, não desejo que ela viva como um museu, mas que se espelhe em Ouro Preto, em Parati e outras tantas cidades brasileiras cujos moradores sabem o que significa morar em lugar que é diferente e diverso da mesmice que torna tudo moderno.
O rio. Fiquei horas olhando suas águas e pensando que o vapor já não navega como antigamente. Olhar São Félix tão longe, tão perto e deixar o espírito voar entre uma margem e outra e depois fazer a travessia pela ponte. Travessia que deve ser feita a pé.
Ver igrejas e capelas, sobrados e casas que de tão baixas se expõem para o visitante que se sente envergonhado e contém a curiosidade para não bisbilhotar a intimidade dos que aí vivem. Na Pousada do Carmo, um monumento com sua Igreja da Ordem Terceira inteiramente restaurada, ganhei horas de silêncio e reflexão, divididas entre leituras e conversas a meia voz. Pensando sempre como teria sido a vida dos que viveram alí nos séculos passados, imaginei ficções.
Na Pousada, o charme é a construção em si, mas muito desleixada como hotel. A sensação que tive é de que tanto faz. Basta o convento. Nas sala, antigo cemitério, uma caixa está jogada dentro de uma das sepulturas, uma mesa de bilhar encostada em um canto torna-se uma objeto inusitado em meio à sala. Procurei por um folheto que contivesse informações sobre o convento. Não há.
Na beira do rio, o antigo Hotel Colombo desmancha-se. Mas nem tudo está perdido. A Irmandade da Boa Morte ocupa dois casarões belissímos, assim como a Fundação Hansen Bahia. Fora uma capela que não consegui identificar, as igrejas estão conservadas. A Igreja da Ajuda é um primor arqutetônico. Muitas residências também merecem a atenção dos seus proprietários e A Heróica segue vencendo o tempo, o descaso e a limitação para se impor majestosa abrigando sua gente negra e mulata de sorriso simpático e voz mansa. Gente reservada, ciente de sua privacidade. 
Não fui abordado por ninguém pedindo ou tentando vender alguma coisa. Para uma cidade turística é uma dado para ser levado em conta.
Vi em algumas galerias quadros de um artista, mas não consegui identificar seu nome. Fotografei um deles, cuja imagem de Santa Luzia repete-se de maneiras variadas. Noutro trabalho, surge a imagem de Glauber Rocha e noutro a de São João Menino, cada qual num releitura muito particular.

Não encontrei artesanato original para comprar. Fui até Coqueiro, um lugarejo à beira do rio, para adquirir a cerâmica de Dona Gadu, uma simpatia.

Fiz muitas fotos e deixo algumas para apreciação dos interessados. Espero que tenham vontade de ir até Cachoeira para ver de perto os seus contrastes. Não é longe de Salvador, a estrada é ótima, conservada e sinalizada.



sexta-feira, 4 de março de 2011

Registro 343: Dona Aracy, O Anjo de Hamburgo

Lá se foi dona Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, aos 102 anos, uma benfeitora da humanidade. Conheci dona Aracy já idosa, mas muito lúcida, sempre elegante. Este privilégio devo ao meu amigo, o professor Wellington Vieira de Camargo com quem trabalhei no Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem.

Eu conhecia um dos netos de dona Aracy, o saudoso Plínio Tess, mas Wellington me aproximou da família, gente discreta, de carinhosa acolhida. Certa feita, seu filho, Eduardo Tess presenteou-me com uma caixa contendo toda a obra de Guimarães Rosa. Anos mais tarde recebi o livro que traz a correspondência entre o avô Rosa e as netas Vera e Beatriz. O livro, Ooó do Vovô (EDUSP, PUC Minas, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), é delicioso.

Quando recebi a obra de Guimarães Rosa não contive o ímpeto de solicitar o autógrafo de dona Aracy, mas não querendo incomoda-lá com o meu pedido, pedi ajuda a uma das netas. O meu exemplar de Grande Sertão, Veredas, dedicado a ela pelo escritor, ganhou sua assinatura.

Para os que não sabem, dona Aracy é chamada de O Anjo de Hamburgo por ter salvo muitos judeus, conseguindo  vistos assinados pelo marido, cônsul-adjunto brasileiro na Alemanha, quando Hitler entendeu de exterminar os judeus da face da terra.

O trabalho no consulado facilitou a atividade subversiva de dona Aracy. Subversiva porque vivíamos sob o Estado Novo, a ditadura getulista simpatizante da política do Eixo. Para sorte de muitos, dona Aracy estava no lugar certo e na hora certa. Ela era encarregada do setor de vistos da embaixada e foi assim que atuou, indo de encontro às normas do governo brasileiro quanto a imigração de judeus. E tudo começou quando Hitler iniciou a perseguição com a Noite dos Cristais, ataque de grupos de nazistas as sinagogas e lojas, em 9 de novembro de 1938. Por sua solidariedade, dona Aracy tem seu nome inscrito no Jardim dos Justos entre as Nações do Museu do Holocausto de Israel, honra concedida aos não judeus que arriscaram a vida para salvar judeus do extermínio nazista.

Lembro que, ao frequentar a casa da família, encontrei-me com uma senhora salva por dona Aracy e que se tornou sua amiga, visitando-a constantemente apesar da idade. Soube hoje que Maria Margareth Bertel Levy, a amiga alemã vinda para o Brasil, ajudada por dona Aracy,faleceu no dia 21 de fevereiro aos 102 anos.  


Dona Aracy nasceu na cidade de Rio Negro, Paraná, em 20 de abril de 1908. Sinto orgulho de ter nascido no mesmo dia em que ela. Seu pai era português e sua mãe alemã. Casou-se com Johan Tesse, separando-se dele num tempo em que no Brasil não havia divórcio, uma prova do quão arrojada era está mulher, culta e poliglota, por quem Guimarães Rosa se apaixonou, quando a conheceu trabalhando no consulado em Hamburgo.

Flores para Dona Aracy (1908-2011), e a minha homenagem.


O texto seguinte não é de minha autoria, recebi-o por e-mail, com solicitação para divulgá-lo. Acho oportuno publicá-lo junto a homenagem que presto a dona Aracy


"Irena Sendler, uma senhora de 98 anos, faleceu há pouco tempo. Durante a 2ª Guerra Mundial, Irena conseguiu uma autorização para trabalhar no Gueto de Varsóvia, como especialista de canalizações.  Mas os seus planos iam mais além... Sabia quais eram os planos dos nazistas relativamente aos judeus (sendo alemã)! Irena leva crianças escondidas no fundo da sua caixa de ferramentas e levava um saco de sarapilheira na parte de trás da sua caminhoneta (para crianças de maior tamanho). Também levava na parte de trás da caminhoneta um cão a quem ensinara a ladrar aos soldados nazis quando entrava e saia do Gueto. Claro que os soldados não queriam nada com o cão e o ladrar deste encobria qualquer ruído que os meninos pudessem fazer. Enquanto conseguiu manter este trabalho, conseguiu retirar e salvar cerca de 2500 crianças. Por fim os nazistas apanharam-na e partiram-lhe ambas as pernas, braços e prenderam-na brutalmente.

Irena mantinha um registo com o nome de todas as crianças que conseguiu retirar do Gueto, que guardava num frasco de vidro enterrado debaixo de uma árvore no seu jardim. Depois de terminada a guerra tentou localizar os pais que tivessem sobrevivido e reunir a família. A maioria tinha sido levada para as câmaras de gás. Para aqueles que tinham perdido os pais ajudou a encontrar casas de acolhimento ou pais adotivos.

No ano passado foi proposta para receber o Prêmio Nobel da Paz... mas não foi selecionada. Quem o recebeu foi Al Gore por uns dispositivos sobre o Aquecimento Global.Não permitamos que alguma vez esta Senhora seja esquecida!! Estou transportando o meu grão de areia, reenviando esta mensagem. Espero que faças o mesmo. Passaram já mais de 60 anos, desde que terminou a 2ª Guerra Mundial na Europa. Este e-mail está a ser reenviado como uma cadeia comemorativa, em memória dos 6 milhões de judeus, 20 milhões de russos, 10 milhões de cristãos e 1.900 sacerdotes católicos que foram assassinados, massacrados, violados, mortos à fome e humilhados com os povos da Alemanha e Rússia olhando para o outro lado. Agora, mais do que nunca, com tantos governos e sociedades e proclamando vergonhosamente que o Holocausto é um mito, é imperativo assegurar que o Mundo nunca esqueça."

quarta-feira, 2 de março de 2011

Registro 342: Diário da província

O calor, o fim das férias, o caos carnavalesco que se abate sobre Salvador, afastaram-me do blog. Mas venço a morrinha e registro algumas anotações...

A cidade está entregue às baratas ou melhor a quem organiza o carnaval. Os órgãos públicos fecham os olhos aos desmandos, quem manda mesmo são os empresários carnavalescos. Tudo está estragulado e pelo que se vê, o pupulacho vai ficar mais espremido, enquanto os bacanas se esbaldam nos supercamarotes. Os bacanas e os deslumbrados com a "bacanice" dos outros.

O bom gosto na decoração dos camarotes passou longe, mais uma breguice no cenário muito brega. Os anúncios divulgando os artistas são medonhos. Direção de arte não existe, bom fotógrafo pra quê? No ano passado eram as caretas horríveis dos políticos asombrando o nosso cotidiano durante a campanha eleitoral, agora são os cantores, uma enxurrada de desconhecidos, horríveis. Os conhecidos, as ditas superestrelas,  agem como se estivessem acima do bem e do mal.

Outro dia vi num anúncio de empreedimento imobiliário uma frase que chamou minha atenção pelo inusitado. A frase, obviamente, vendia as excelências do empreendimento e estava escrita em português informando sobre os itens do mega edifício, mas repentinamente surgia uma palavra em inglês - garden -, como se nossa maltratada língua não contivesse a palavra adequada, jardim para identificar aquele lugar onde se plantam flores, árvores e que tais. O publicitário deve ser uma jóia de superlativa babaquice. Para ele e os empreendedores, o termo em língua estrangeira da visibilidade ao projeto. Coisa mais jeca!

A mania de nomear edifícios em outra línguas, notadamente inglesa e francesa é uma constante por aqui e pelo Brasil. E como a maioria da população não sabe a pronúncia correta, os nomes se tornam engraçados, quando não uma aberração.

Andei indo ao cinema, mas não vi O Cisne Negro nem O Discurso do Rei. Gosto demasiadamente de Inverno na Alma. Como não vi a primeira versão de Bravura Indômita, o filme dos  dos irmãos Coen me satisfaz plenamente. Fico livre de comparações. Aguardo Poesia.

Po falar em cinema, lá se foi Annie Girardot, atriz francesa, inesquecível em Rocco e Seus Irmãos, a obra-prima de Visconti. Girardot fez tantos filmes, mas sua Nádia no filme do italiano é memorável, como persogem muito bem concebido e interpretado com grandeza pela atriz. Foi-se Jane Russell, a morena estonteante que exalava sensualidade pelos poros. Nos deixou também Carminha Brandão, atriz brasileira que a nova geração não sabe quem é.

Fui até o fim de Biutiful, muito mais pelo ator que pelo filme. Iñárritu perdeu a mão. São tantos os temas em seu filme que é uma overdose de problemas do mundo globalizado e pós-moderno. Talvez uma bula para entender tal mundo ou desentendê-lo de vez. O filme não conseguiu estabelecer nenhuma empatia, portanto não me comoveu nem me faz refletir. Um sessão tediosa, um filme hiperbólico. Em seus outros filmes, o diretor já demonstrava tendência ao exagero, mas o seu colaborador, Arriaga, conseguia conter os excessos, assim penso eu.

Tetro vai bem até certo ponto. A partir  da tal cerimônia de entrega do prêmio na Patagônia, desanda e Carmem Maura, uma atriz excelente está um tanto ridícula no personagem. Além do mais aguentar Vicent Gallo durante duas horas, urgh! Não tenho nenhuma simpatia pelo ator. Na verdade, acho que ele é mais uma personalidade excêntrica, que um ator. Coppola ainda me diz muito, mesmo quando escorrega e pesa a mão. Deve-se prestar atenção em Alden Ehrenreich, uma promessa e uma beleza e tanto. 

Não vi a entrega do Oscar, não aguenta mais tal cerimônia. Basta ler os jornais nos dias seguinte e pronto.

Em casa, vi Dois Destinos, o tocante filme de Valerio Zurlini. O filme é de 1962 e continua inteiro. Revi Histórias Extrodinárias  (1968), baseado em contos de terror de Edgard Allan Poe, direção de Vadim, Malle, Fellini. A história de Vadim perdeu a força. Adquiri para rever  Boccaccio 70 (1962), Moniceli, Fellini, Visconti e De Sica e Ontem, Hoje e Amanhã, de Vittorio De Sica
Hoje, terminei um quadro feito a pedido de uma amiga. Gostei do resultado, faz tempo que não pegava nos pincéis. Isso em meio à preguiça de um verão insuportável.

Fugirei do carnaval, sempre! E olha que sou folião desde criança, afinal sou filho de um pai que era Rei Momo. Mas carnaval selvageria não dá. A minha intuição diz que os níveis de violência vão pro alto.

Conclui as dez sessões de Rofling com Celso Nunes, diretor de teatro e também terapeuta. Uma experiência e tanto. A terapia corporal mexeu positivamente comigo.

Agora planejo fazer os ajustes nos meus planos de curso, esperar a edição do livro que escrevi sobre o ator Harildo Déda e torcer para o outono chegar com promessas de temperaturas mais amenas.

Conclui a leitura de O Poder da Arte, de Simon Schama (Companhia das Letras, 2010). Pode-se discordar da argumentação e dos juízos do autor sobre os artistas que escreve. São oito ensaios sobre as genialidades de Caravaggio, Bernini, Rembrandt,David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rotko. Sem erudição presunçosa, Schama nos lança para dentro da obra-vida dos artistas escolhidos. Dentendo-se em analisar alguns dos trabalhos dos mestres com linguagem clara e envolvente, ele aproxima os artistas de nós, pobres mortais. Quem se interessa por arte vai gostar de ler suas 501 páginas e apreciar as belas ilustrações. vale a pena.

Presenteei uma amiga judia e comunista com um oratório de Iemanjá. Ela telefonou contente com o presente feito por mim. Hoje, da parte dela, recebi um postal com a figura de Lenin feita a bico de pena. Minha amiga é uma pessoa interessantíssima: estudou em colégio protestante, sua mãe lhe contava histórias de fadas, cuja figura do príncipe confundia-se com a de Luiz Carlos Prestes. Certa vez confidenciou-me que gostava de ver as meninas vestidas de noiva para a Primeira Comunhão e tinha inveja delas. Uma figura e tanto a minha amiga. Invejável espírito aberto ela tem e me anima a ser da mesma forma.