quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Registro 231

Quando li o artigo de Daniel Finkelstein fiquei assustado com as suas colocações. Procurei entendê-las, mas não encontrei argumentos que sustentassem sua perspectiva. Ao ler a Folha de S. Paulo, edição de 14 de janeiro, encontrei o elucidador texto de Marcelo Coelho, articulista que sempre leio, pois seus textos sempre trazem um ponto de vista com o qual, na maioria das vezes concordo. Por esse motivo, ainda que não tenha lhe pedido permissão, transcrevo-o, pois acho que seu texto é merecedor de um lugar no modesto Cenadiária.

Caso você discorde ou concorde pode deixar comentário, procurando ler também o texto anterior que trata da questão em pauta, as ações tenebrosas em Gaza. Esse lugar na Terra Prometida vem se tornando a imagem de um campo de extermínio. Esclareço mais uma vez que não faço a defesa do terrorismo nem de ações que colocam em risco a vida de tanta gente sofrida. O texto de Marcelo Coelho abre a nossa percepção e é uma resposta ao texto de Daniel Finkelstein. Uma resposta lúcida, não sectária nem tendenciosa. Gostaria de ter escrito o texto

SOMOS TODOS JUDEUS
Marcelo Coelho

É MUITO EXALTADO e revelador o artigo de Daniel Finkelstein, colunista do "Times" londrino, que o suplemento "Mais!" reproduziu neste domingo. Um trecho:"A origem do Estado de Israel não está na religião ou no nacionalismo:está na experiência da opressão e do assassinato, no medo da aniquilação total e na conclusão amarga de que não foi possível confiar na opinião mundial para proteger judeus. Israel foi ideia de um jornalista.

Theodor Herzl era o correspondente em Paris da "Neue Freie Press" quando testemunhou manifestações antissemitas violentas contra o capitão Alfred Dreyfus, judeu (...).

Essa experiência levou Herzl a perder sua fé na assimilação. Ele se convenceu de que os judeus só poderiam viver em segurança se tivessem seu próprio país. Muitos judeus resistiram a sua conclusão durante muitos anos. (...) Mas a experiência de judeus de todo o mundo na primeira metade do século 20 (...) acabou confirmando a visão de Herzl.

Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria ideia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem tutelados da opinião mundial".

Não será uma loucura todo esse raciocínio de Finkelstein? A odiosa perseguição antissemita ao capitão Dreyfus terminou em vitória contra o preconceito. A Segunda Guerra Mundial terminou em vitória contra Hitler. A insegurança dos judeus, no mundo ocidental, diminuiu a quase zero no Pós-Guerra.

A criação de um Estado judeu no Oriente Médio tem sido o único fator a reverter esse processo.

A opinião pública mundial sempre esteve disposta a defender os judeus. Não mais, quando para reagir ao fundamentalismo cego do Hamas e do Hizbollah se matam as irmãs árabes de Anne Frank.

É justamente nesse momento que o articulista do "Times" se sente liberado para dizer que a opinião pública mundial não deve tutelar os judeus. "Opinião pública mundial" termina virando sinônimo, na verdade, do bom senso e da moralidade básica de qualquer ser humano.

Nada entendo de táticas de guerra, mas imagino que o Exército israelense, capaz de brilhantes operações como as de Entebbe e da Guerra dos Seis Dias, poderia conceber meios melhores para debelar os assassinos do Hamas do que mísseis que matam crianças e civis.

Israel dissemina o terror numa população que nem sequer tem condições de fugir. O terror, a fome e a miséria criarão novos militantes que nada têm a perder.Quantas fotos, ao lado daquelas das crianças mortas, não mostram também crianças protestando e jogando pedras contra os judeus? O ódio é incutido desde cedo; semeia-se com bombas de última geração a insegurança de Israel nos próximos 20 anos.Certamente, atos de violência e bombardeios localizados nem sempre são ineficazes. Mísseis caíram sobre o palácio do ditador líbio Muammar Gadafi e isso ajudou a torná-lo minimamente razoável.

Não sei se o mesmo acontecerá depois de Israel destruir tudo o que existe em Gaza. Mas sei que cada criança morta ali é também um atestado da morte moral do Estado judeu.Quiseram construí-lo para segurança dos judeus? A interpretação é pobre, mas vá lá: o fato é que essa segurança pouco existe. Existe mais nas democracias ocidentais, de que o sionismo desconfiava tanto.

Quiseram construí-lo, numa interpretação melhor, em nome da moralidade e da inocência de um povo injustamente atacado e perseguido? Seria melhor cumprir então o que está atrás dessa ideia, e ser antes vítima que perseguidor, antes inocente que assassino.

Para mim, a sorte do judaísmo simboliza a sorte da humanidade toda, na exata medida em que não há Estado a defendê-la. O lar dos judeus, o verdadeiro lar, é um mundo em que todos sejam iguais. É este o lar que quero para mim, que me sinto judeu. Pois são judeus todos aqueles submetidos à perseguição, ao preconceito e ao racismo. Judia é aquela criança carregada pelos pais, morta pelos mísseis de Israel.