sábado, 19 de outubro de 2013

Registro 441: Lembrando Vinicius de Moraes



Ao poeta

Tinha como propósito escrever sobre a decisão da Comissão de Direitos Humanos de proibir a presença de homossexuais em templos evangélicos e católicos. Mais uma insanidade comandada pela tropa nazifundamentalista encastelada na Comissão, por uma conluio entre as forças progressistas (?) e direita mais xiita deste país sem jeito. Um descuido, e a qualquer hora vão obrigar o uso do triângulo rosa na lapela. Assim fica mais fácil apedrejar os indesejados. Mas não vou dar trela a essa gente estúpida que anda com vontade de poder. Vade retro!

Quero falar mesmo é do poeta que faria 100 anos no dia de hoje, o poetinha Vinicius de Moraes, de quem guardo uma lembrança inestimável. O que relato aqui faz parte das minhas memórias, mas contá-lo ele se torna história.

Corria o ano de 1974. Por volta de novembro, fui convidado pelo diretor baiano Álvaro Guimarães para compor o elenco de As Feras, texto de Vinicius de Moraes a ser produzido por sua mulher na época, a atriz Gesse Gessy. Eu acabara de fazer Titus Andronicus, a tragédia de Shakespeare encenada na Escola de Teatro da UFBA sob a direção de José Possi Neto e com planos de residir em São Paulo para fazer carreira como ator. Um sonho acalentado desde criança, quando vi os primeiro filmes no Cine Teatro Cliper em Ipirá, propriedade de meu pai.   

Ainda que o papel em As Feras fosse pequeno, eu desejava trabalhar sob a orientação de Álvaro Guimarães e em companhia de um elenco de atores baianos experientes, Jurandir Ferreira, Mário Gadelha, Waldemar Nobre, Fernando Lona, Armindo Bião, entre outros. O elenco feminino contava com Gesse Gessy como protagonista e a competentíssima Sônia dos Humildes. Completavam o elenco, a jovem Hebe Alves, Carlos Nascimento e eu.

A ação de As Feras se passa no Rio de Janeiro num canteiro em construção reunindo operários nordestinos divididos em dois grupos rivais. Por um flashback, o público toma conhecimento dos motivos do desentendimento entre os grupos, causa de desfecho trágico.

 Começamos os ensaios, com estreia prevista para meados de janeiro estendendo-se por algumas semanas de fevereiro, num espaço cenográfico criado por Calazans Neto, em uma garagem situada à Rua dos Ingleses. Fizemos as primeiras leituras sem que houvesse o ator para o personagem Isaías Grande, o protagonista.  O elenco sugeriu nomes, o diretor buscava outros e duas semanas depois, Vinicius de Moraes foi ao ensaio. Ouviu a leitura e ao final, a conversa sobre a falta do ator retornou. Depois de escutar uns e outros, Vinicius surpreende todos nós dizendo que havia um ator para o papel. Fez-se silêncio expectante e ele apontou para mim afirmando que eu faria Isaías Grande.

Se para mim o impacto foi transtornante, para os meus colegas foi como se uma bomba estourasse na sala. Ninguém disse nada, até que eu aleguei não ter a idade para o personagem, um homem de 50 anos, responsável por um clã; que eu era um ator recém-saído da Escola. Usei de outros argumentos, mas não houve jeito.  Aceitei a escolha do autor. Terminado o ensaio, tentei convencer Álvaro Guimarães de esquecer tal empreitada. Em vão. Fui para casa. Durante o trajeto, mesmo tempo temeroso, eu me sentia envaidecido. Mas a pergunta fatal rondava. E se eu não desse conta do papel? Conciliar o sono foi uma barra. Ao acordar disse para mim mesmo que agarraria a oportunidade com unhas e dentes. Claide Morgan me foi de grande valia como preparador corporal.

Na estreia, ao findar o espetáculo, o poeta veio até mim e me abraçou afetivamente elogiando a minha atuação. Soube então que eu dera conta do recado. Ao escrever sobre As Feras, Sostrátes Gentil não poupou elogios ao meu trabalho e aproveitou para comentar o meu desempenho em Titus. Logo depois, passando férias em Salvador, o diretor paulista Emílio Di Biasi comentou meu desempenho para Possi e este revelou que eu estava de viagem marcada para São Paulo com o intuito de fazer teatro. Pronto, ganhei meu passaporte. No final de fevereiro desembarquei em Sampa e tive o maior apoio de Emílio. Ele veio a ser um dos grandes amigos paulistanos.

Sou devedor do poeta. A ele, minha homenagem e gratidão no dia de seu aniversário. Cito Vinicius “Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não tenham nada em comum, somente compartilhar as mesmas recordações, pois boas lembranças, são marcantes, e o que é marcante nunca se esquece! Uma grande amizade mesmo com o passar do tempo é cultivada assim!’’

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Registro 440: O que corre por aí.

*A Folha de S. Paulo lançou a coleção Grandes Pintores Brasileiros  uma iniciativa das mais elogiáveis, não fosse a falta de nome que gravitam ou gravitaram no eixo Rio-São Paulo. Não sabemos quais os critérios para a escolha dos que estão sendo publicados. É inegável o valor de todos eles, mas vale uma pergunta: por  que deixar fora uma artista da grandeza de Guignard, João Câmara, Siron Franco? Deixaram de fora o trabalho expressivo de Emanoel Araújo e também de Caribé, da mesma forma que ignoraram Renina Katz e Maria Bonomi. São tantos os que não foram contemplados... Fico intrigado e pergunto-me sempre sobre as escolhas. Por que não contemplar um grande artista de cada Estado. Esse poderia ser um critério. Questionável é certo, mas não seria tão tendencioso. De qualquer maneira, venho adquirindo os exemplares que estão em algumas bancas de jornais e revistas. Aqui na Bahia chegam sempre atrasados fazendo com que percamos tempo para ir comprá-los sem que encontremos o exemplar que sai aos domingos. Aí, temos que encomendar ao jornaleiro e esperar a segunda ou até mesmo o meio da semana.

*Sei que a minha opinião a respeito da polêmica desencadeada pelos artistas que desejam a proibição de biografia não autorizadas não será levada em conta, visto que não sou uma personalidade pública ou do show business. Mas sou defensor incondicional da liberdade de expressão. Os argumentos até então apresentados não me convenceram a mudar de opinião. O que salta de tudo isso é somente a força da grana. Todos sabem que a Constituição possibilita o exercício da livre expressão da mesma forma que fornece os mecanismos para que se proíba biografias mentirosas ou que degradem a figura do biografado. Mas uma coisa é patente, todos os reclamantes são pessoas que agem publicamente e as revistas estão cheias de reportagens e notas sobre as vidas de todos eles. Alguns gostam e precisam desta divulgação, pois é uma forma de mantê-los em evidência. Vivemos num país de pouca memória e se não podemos mais contar a vida de alguém o seu legado ficará na sombra. 

*Soube que o Balé Stagium foi pressionado a pagar direitos autorais para a herdeira de Tarsila do Amaral para poder usar um reprodução do famoso quadro O Abapuru eme seu espetáculo sobre a Semana de Arte Moderna. Num gesto grandioso, os dirigentes do Stagium Márika Gidali e Décio Otero pagaram o exigido pela "sensível e culta" herdeira e retiraram a reprodução do quadro que, se não me engano, nem pertence mais ao Brasil, pois vendido foi para um colecionador portenho.

Se a coisa anda assim, é bem capaz dos autores começarem a exigir pagamento para as citações em teses, dissertações e artigos. Poupe-me! êta país complicado. 

Eu, que vivi a minha adolescência e juventude debaixo da opressora e castradora Censura, fico estarrecido ao ver os meus ídolos, que não são mais os mesmos, defenderem tal bandeira.

*Outra coisa que me deixa de cabelo em pé, uma metáfora, pois não os tenho mais, é saber que a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou uma resolução proibindo a entrada de gays, bichas mesmo, em templos. Que templos? Os católicos, os neopentecostais, os budistas, os espíritas, os terreiros. Outro absurdo!!! E ninguém faz nada? É preciso reagir a estes desmandos de quem se acha dono da verdade. A história está cheia de gente que se arvorou em paladino da verdade e desencadeou horrores. Mas a gente esquece...

Um fato me intriga, pois ainda não tenho dados suficientes para fazer uma avaliação ditada pela emoção. Por tal motivo, gostaria de saber qual a motivação dos rapazes e moças e rapazes mascarados depredando tudo o que encontram pela frente. O que querem? Qual a proposta para ocupar a destruição e o vazio que deixam ao longo das ruas? Lutar contra os sistema? Mas eles todos, ou quase todos, estão inseridos no sistema. Quantos não desfrutam dos benefícios produzidos pelo sistema? Não acho que vivemos em um país justo, mas não creio que o caminho seja a barbárie. Em junho, quando os protesto começaram, acreditei no poder construtivo das manifestações. Mas agora a minha perplexidade aumenta a cada dia. 

Sinto-me impotente, mas não alienado.