Ao poeta
Quero
falar mesmo é do poeta que faria 100 anos no dia de hoje, o poetinha Vinicius
de Moraes, de quem guardo uma lembrança inestimável. O que relato aqui faz
parte das minhas memórias, mas contá-lo ele se torna história.
Corria
o ano de 1974. Por volta de novembro, fui convidado pelo diretor baiano Álvaro
Guimarães para compor o elenco de As
Feras, texto de Vinicius de Moraes a ser produzido por sua mulher na época,
a atriz Gesse Gessy. Eu acabara de fazer Titus Andronicus, a tragédia de
Shakespeare encenada na Escola de Teatro da UFBA sob a direção de José Possi
Neto e com planos de residir em São Paulo para fazer carreira como ator. Um
sonho acalentado desde criança, quando vi os primeiro filmes no Cine Teatro Cliper
em Ipirá, propriedade de meu pai.
Ainda
que o papel em As Feras fosse pequeno, eu desejava trabalhar sob a orientação
de Álvaro Guimarães e em companhia de um elenco de atores baianos experientes,
Jurandir Ferreira, Mário Gadelha, Waldemar Nobre, Fernando Lona, Armindo Bião,
entre outros. O elenco feminino contava com Gesse Gessy como protagonista e a
competentíssima Sônia dos Humildes. Completavam o elenco, a jovem Hebe Alves,
Carlos Nascimento e eu.
A
ação de As Feras se passa no Rio de Janeiro num canteiro em construção reunindo
operários nordestinos divididos em dois grupos rivais. Por um flashback, o público toma conhecimento dos
motivos do desentendimento entre os grupos, causa de desfecho trágico.
Começamos os ensaios, com estreia prevista
para meados de janeiro estendendo-se por algumas semanas de fevereiro, num
espaço cenográfico criado por Calazans Neto, em uma garagem situada à Rua dos Ingleses.
Fizemos as primeiras leituras sem que houvesse o ator para o personagem Isaías
Grande, o protagonista. O elenco sugeriu
nomes, o diretor buscava outros e duas semanas depois, Vinicius de Moraes foi
ao ensaio. Ouviu a leitura e ao final, a conversa sobre a falta do ator
retornou. Depois de escutar uns e outros, Vinicius surpreende todos nós dizendo
que havia um ator para o papel. Fez-se silêncio expectante e ele apontou para
mim afirmando que eu faria Isaías Grande.
Se
para mim o impacto foi transtornante, para os meus colegas foi como se uma
bomba estourasse na sala. Ninguém disse nada, até que eu aleguei não ter a
idade para o personagem, um homem de 50 anos, responsável por um clã; que eu era um ator recém-saído da Escola. Usei de
outros argumentos, mas não houve jeito.
Aceitei a escolha do autor. Terminado o ensaio, tentei convencer Álvaro
Guimarães de esquecer tal empreitada. Em vão. Fui para casa. Durante o trajeto,
mesmo tempo temeroso, eu me sentia envaidecido. Mas a pergunta fatal rondava. E
se eu não desse conta do papel? Conciliar o sono foi uma barra. Ao acordar
disse para mim mesmo que agarraria a oportunidade com unhas e dentes. Claide Morgan me foi de grande valia como preparador corporal.
Na
estreia, ao findar o espetáculo, o poeta veio até mim e me abraçou afetivamente
elogiando a minha atuação. Soube então que eu dera conta do recado. Ao escrever
sobre As Feras, Sostrátes Gentil não poupou elogios ao meu trabalho e
aproveitou para comentar o meu desempenho em Titus. Logo depois, passando
férias em Salvador, o diretor paulista Emílio Di Biasi comentou meu desempenho
para Possi e este revelou que eu estava de viagem marcada para São Paulo com o
intuito de fazer teatro. Pronto, ganhei meu passaporte. No final de fevereiro
desembarquei em Sampa e tive o maior apoio de Emílio. Ele veio a ser um dos
grandes amigos paulistanos.
Sou
devedor do poeta. A ele, minha homenagem e gratidão no dia de seu aniversário.
Cito Vinicius “Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não tenham nada em comum, somente compartilhar as mesmas recordações, pois boas lembranças, são marcantes, e o que é marcante nunca se esquece! Uma grande amizade mesmo com o passar do tempo é cultivada assim!’’
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