terça-feira, 30 de julho de 2013

Registro 434: Ideias para melhorar o mundo.


O texto que se segue, de autoria de Frei Betto, não é parte de um lobby. Se tem uma coisa que me irrita profundamente é a prática de lobby, seja ele qual for. Portanto, não posso ser acusado de proselitismo, até porque não acredito que ser homossexual deriva de uma campanha. Resolvi copiar e colar o texto para contribuir com a melhora do mundo, da convivência entre opostos. 

Aproveito a oportunidade para divulgar um livro recém lançado, A Civilização do Espetáculo do peruano Mário Vargas Llosa. De uma maneira lúcida e sem firulas,  o escritor trata de temas atuais. Vale a pena dar uma olhada. Alguns irão considerá-lo conservador. Llosa não esconde sua filiação liberal. De certa maneira, o livro é demolidor, mas ao destruir pontos de vistas, mitos, preconceitos, não deixa a terra arrasada , pois apresenta ideias que podem melhorar o mundo.



"CURA GAY”
MODESTA CONTRIBUIÇÃO

Frei Betto

"Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby."

São palavras do papa Francisco ao deixar o Brasil, no voo entre Rio e Roma. A mensagem é esperançosa, mas, ao contrário do que o papa diz, o problema no Brasil é o lobby antigay, liderado pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

Deputados que consideram a homossexualidade uma doença propõem a "cura gay". Querem alterar a resolução do Conselho Federal de Psicologia que impede seus profissionais de tratar homossexuais como doentes. O que é um gay? Como diz a palavra inglesa, é uma pessoa alegre. Se os homossexuais são felizes, por que submetê-los à terapia?

Terapia é própria para obsessivos, como é o caso de quem odeia constatar que homossexual é uma pessoa feliz. Isto sim é doença: a homofobia, aliás, como toda fobia. E há inúmeras: desde a eleuterofobia, o medo da liberdade que, com certeza, caracteriza os fundamentalistas, até a malaxofobia, o medo de amar sobretudo quem de nós difere.

Sugiro aos deputados cortar o mal pela raiz: proibir a promíscua narrativa de "Branca de Neve e os Sete Anões", a relação pedófila entre o lobo mau e a Chapeuzinho Vermelho e, na Bíblia, o relato da íntima ligação entre Jônatas e Davi, aquele que "ele amava como a sua própria alma". (1 Livro de Samuel, 18).

Segundo censo do IBGE, há no Brasil 60 mil casais assumidamente gays. São pelo menos 120 mil pessoas que, em princípio, deveriam ser "submetidas a tratamento". Considerando que a Parada de Orgulho LGBT reúne, em São Paulo, cerca de 4 milhões de pessoas, haveria que construir uma clínica do tamanho de 50 Maracanãs para abrigar toda essa gente.

O processo terapêutico certamente teria início com uma sessão de exorcismo, já que, no fundo, a obsessão fundamentalista considera a homossexualidade muito mais coisa do demônio do que doença.

Outra sugestão é comprar um armário para cada gay e obrigá-lo a ficar lá dentro. Dizem os moralistas que qualquer um tem direito de ser gay, não deve é sair do armário.

Imagino que, terminado o processo de "cura gay", haverá uma grande Parada de Ex-Gays subindo a rampa da Câmara em Brasília para agradecer aos deputados que, iluminados, aprovaram a medida.

Ainda que todos os gays sejam confinados na clínica dos deputados, de uma coisa não poderão se queixar: será divertido contar ali com shows de Daniela Mercury e sir Elton Hercules John.

Saiba Feliciano que Alan Chambers, ex-presidente da associação Exodus International, destinada a curar gays, declarou em junho deste ano que também é gay, pediu perdão pelos sofrimentos causados a homossexuais e fechou a entidade.

Publicado originalmente no jornal  Folha de S. Paulo, na edição de 30 de julho de 2013.

sábado, 20 de julho de 2013

Registro 433: Aplausos para Armindo Bião


O tempo vai agindo e em seus movimentos nos traz conhecidos, amigos e gente que nos atravanca o caminho. Armindo Bião está na categoria dos amigos. Na década de 70, quando desbundavamos pelas ruas, praias - Porto da Barra - e palcos de Salvador, Bião se mostrou um jovem antenado com seu tempo e de lá para cá construiu uma agenda para si. Uma agenda rica, pois atuou não apenas como ator, mas como jornalista, foi um dos criadores do jornal alternativo O Verbo Encantado, professor e gestor cultural. Defendeu animadamente seus projetos e a vida de muitos.

Passei muito anos sem manter contato com Armindo Bião, mas ele sabia por onde eu andava. Ao me encontrar, fazia-me recordar de momentos que não imaginava que ele soubesse. Ao me acolher com seu rigor, quando me submeti ao processo para a ingressar na Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, do qual foi fundador, Bião mostrou perspicácia ao me entrevistar. Sem facilitar em nada, abriu espaço para que eu expusesse o meu anteprojeto, bem como o meu desconforto por estar quase trinta anos longe da acadêmia, já que a minha vida profissional encaminhara-se para o palco.

Armindo Bião nos deixa para brilhar noutra esfera.