terça-feira, 24 de março de 2009

Registro 252: Pequenas Porandubas (Notícias)

Fui ver Gran Torino, mais um filme de Clint Eastwood e cada vez gosto mais do jeitão dele filmar. Se o cinema também é uma arte de contar histórias isso se mostra grande no ator-cineasta. Habilmente ele conta sobre um homem cheio de certezas, endurecido pela vida e pelos recalques, ranzinza e preconceituoso. Trancando em si mesmo e em sua casa de viúvo recente. o personagem amarga a solidão sem dar o braço a torcer. Habitante de um bairro de Detroit, cuja população em sua maioria é de imigrantes asiáticos e negros, Walt Kowalski destila sua rejeição manifestando abertamente contra eles e também contra os judeus, sem levar em conta que ele também é filho de imigrantes, visto que seu nome revela tal origem. Americano médio, aposentado da Ford, o personagem defende os valores da "valorosa" América que para ele anda conspurcada pela presença de gente que para ele é indesejável. O filme começa com o funeral de sua mulher e desenrola-se no ambiente do bairro e sua adjacências, centrando sua trama na relação que vai se estabelecendo entre Kowalski e os vizinhos vietnamitas os adolescentes Sue Loar e seu irmão mais jovem Thao Vanhg Loar.

Filme de culpa e redenção.

Filme onde o diretor descontrói o mito criado por ele, personagens durões que encarnou durante parte de sua vida, homens que tomam para si a tarefa de fazer justiça com as próprias mãos. Filme de auto-conhecimento e de auto-avaliação, que nos pega de surpresa, visto que a solução que o personagem dá para si e para a situação em que se encontra e os outros personagens, nos deixa sem fôlego, embora concordemos com ele.
Vale a pena dar um pulo no cinema para ver bom cinema. E Gran Torino, que também é o carro ícone que Kolwaski tem na garagem, é imenso nas sua proposições. Diante delas nos rendemos. Saímos do cinema confortados e emocionados não só por tudo que vimos, mas também pelo achado final, quando ouve-se a canção cantada pela voz rouca de Clint Eastwood-Kolwaski.

Depois fui ver O Visitante. Nas suas diversidades, os filmes parecem encontrar um ponto de convergência. Que ator deslumbrante é Richard Jenkins; que economia de gestos, de expressões revelando os desvãos da alma. Que atriz deslumbrante é Haaz Sleiaman. Os dois dão um banho de interpretação. E tudo isso com a delicadeza de quem sabe o que faz e sabe que faz bem. Filme de atores. Ganhei meu fim de semana.
Álbum de Família de Nelson Rodrigues, inspirada encenação de Paulo Henrique Alcântara com os alunos da terceira turma de concluintes do curso de Artes Cênicas da Faculdade Social foi ao Fringe (Festival de Teatro de Curitiba) e voltou com ótimas críticas. Quando de sua estréia em Salvador escrevi um comentário apreciativo. tenho certeza de que acertei no meu julgamento. Beth Néspoli que faz crítica teatral no jornal O Estado de S. Paulo escreveu em seu blog:

"Também ontem, à tarde, vi no Fringe uma montagem de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, do grupo Minotauro, de Salvador, dirigida por Paulo Henrique Alcântara. Destaca-se da média dos espetáculos dessa mostra não por um resultado excepcional, mas por ser uma realização de quem claramente domina a linguagem teatral, a construção de uma poética cênica. Não é um mero levantamento do texto. Há um pensamento por trás, um motivo para fazer, um desejo de sublinhar aspectos. Nelson dizia, não lembro exatamente com que palavras, que basta um sopro para o homem cair de quatro. Essa é a ideia sobre a qual a encenação se baseia, dessa família que vive na fronteira entre selva e civilização. Pode parecer óbvio, é a primeira leitura, mas foi compreendida e recriada cenicamente. O cenário não é mera decoração, baús e paredes que remetem a ossários 'guardam' memórias familiares, e ancestrais. Assim como os figurinos buscam significar e não apenas vestir. Mas qualidade e problema vêm juntos, na ênfase excessiva, na falta de sutileza. A relação incestuosa - comum na natureza, interdita pela civilização - é reforçada in extremis. Nonô, nu, nessa encenação é o que Nelson chamaria do selvagem absoluto, sujo, cabelos longos e desgrenhados, urrando como animal durante um tempo excessivo. A favor do espetáculo não estar impregnado do amadorismo, no sentido da precariedade, que aparece em tantas, tantas e tantas peças do Fringe.