domingo, 3 de maio de 2009

Registro 260: Augusto Boal

Morreu Augusto Boal.
O teatro brasileiro perde uma das suas mais expressivas figuras. Ainda que discorde de alguns encaminhamentos que deu para o teatro depois de sua experiência frutuosa no Teatro de Arena de São Paulo, não me sinto confortável em apontar o que me incomoda no Teatro do Oprimido e seus derivados, Teatro Fórum, Teatro Invisível. Lembro que uma aluna, de quem gosto muito, fez seu trabalho de conclusão de curso tomando Boal e o Teatro do Oprimido como objeto de sua pesquisa. Na ocasião, disse-lhe que estava disposto a colaborar, mas que seria um crítico da tal metodologia. Ela não me ouviu. Depois me entrevistou, incluindo a minha fala no seu texto. A atriz finalizou sua pesquisa exitosamente, saindo-se muito bem, tanto no trabalho escrito quanto na sua apresentação pública. Foi segura na sua exposição e me emocionou.
Durante os meus anos de teatro que se estende de 1968 até agora, só conheci Boal pelos livros que deixou ou por aquilo que se escreveu sobre ele, e não é pouco. Não vi nenhum dos seus trabalhos para o palco, o que lamento.
Para quem se interessar em conhecer o trabalho de Augusto Boal, recomendo o livro de Edelcio Mostaço, Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião, uma interpretação de cultura de esquerda (1982). Embora esgotado, pode-se encontrar um exemplar nas boas bibliotecas - se houver - das instituições de ensino do teatro. Outro texto interessante é de José Arrabal, Anos 70: momentos decisivos da arrancada, publicado em uma nova e cuidada edição da Aeroplano (2005). Vale a pena conferir os dois e se deter sobre eles. Existem outros. Mas esses estão sobre a minha mesa de trabalho, já que preparo material para as minhas aulas de História do Teatro Brasileiro II . Aproveito para lembrar que Mostaço nos deve uma reedição de seu livro. Sei que ele vem batalhando por isso. Tanto um autor quanto o outro apresentam Agusto Boal para o leitor e dimensionam seu trabalho, apontando os aspectos positivos de sua trajetória e de suas ideias, sem deixar de lado os aspectos que avaliam como negativo.
Através do cenógrafo Flávio Império, ouvi muitas histórias sobre o Teatro de Arena. Não as revelo, já que são confidências. E como Flávio Império não me autorizou a contá-las, calo-me. São histórias de bastidores. Falar de Augusto Boal é falar do Teatro de Arena, para mim, muito mais que do Teatro do Oprimido. É no Teatro da Teodoro Baima que ele vai dar corpo ao fazer-pensar teatro, marcando a sua passagem pela cena teatral brasileira de maneira muito forte. Toda essa experiência e a posterior estão registradas por ele em seus livros; Boal deixa como um legado de suma importância para quem deseja conhecer um percurso, uma vida dedicada inteiramente ao teatro. Um vida dedicada inteiramente ao teatro. Nos anos sessenta os jornais registram sua passagem por Salvador, participando de um Seminário na Escola de Teatro e de apresentações de espetáculos do Arena entre nós.
Aproveito a ocasião para reproduzir o texto publicado no jornal Folha de S. Paulo (03.05.2009):
Morreu na madrugada de ontem, aos 78 anos, no Rio, o teórico, diretor e dramaturgo Augusto Boal, expoente do teatro de resistência à ditadura no Brasil. Ele teve insuficiência respiratória, complicação decorrente de uma leucemia.Boal estava internado desde terça-feira com infecção nas vias respiratórias, segundo o Hospital Samaritano. Lutava contra a leucemia "havia vários anos", de acordo com seu filho Julian.
O corpo será cremado no fim da tarde de hoje, no Cemitério São Francisco Xavier.O diretor tornou-se mundialmente conhecido pelo teatro do oprimido, metodologia criada por ele em 1972 que conjuga teatro e ação social.Em 25 de março deste ano, em Paris, ele foi nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Na ocasião, encerrou seu discurso assim: "Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!".
Nascido em 1931, no Rio, Boal formou-se químico aos 21 anos, mas, aos 24, decidiu cursar teatro na Universidade Columbia (EUA). Um ano depois, em 1956, estreou como diretor no Teatro de Arena, em São Paulo, com a peça "Ratos e Homens", de John Steinbeck.Em 57, criou seu primeiro texto, a comédia "Marido Magro, Mulher Chata". Dois anos mais tarde, o sucesso de "Chapetuba Futebol Clube", com direção dele, confirmou o acerto da decisão do Arena de investir em dramaturgia nacional.
No começo dos anos 60, Boal foi um dos articuladores de um intercâmbio entre os grupos Arena e Oficina, que gerou espetáculos como "A Engrenagem" e "José, do Parto à Sepultura". Diretor deste último, Antônio Abujamra disse ontem que Boal "era a demonstração de que um diretor de teatro é um bicho social que tem de atuar com uma visão crítica". A partir de 62, ainda no Arena, esteve à frente de um movimento de nacionalização de textos clássicos, que incluiu montagens de "A Mandrágora", de Maquiavel, e "Tartufo", de Molière. Pouco após o golpe de 64, dirigiu no Rio o show "Opinião", que reuniu artistas num gesto de resistência ao regime. A partir daí, assinou musicais que recriavam biografias de personagens históricos, como "Arena Conta Zumbi" e "Arena Conta Tiradentes". Nessa série, criou o chamado "sistema coringa", em que atores se revezavam nos papéis.Entre 68 e 70, excursionou com o Arena por EUA, México e outros países.
Em 1971, foi preso pelo regime militar, pelas ligações com o Partido Comunista do Brasil. Três meses depois, ao ser solto, foi para os EUA e, em seguida, para Argentina e Portugal. Ali, começou a difundir o teatro do oprimido, em suas palavras, "uma metodologia transformadora que propõe o diálogo como meio de refletir e buscar alternativas para conflitos interpessoais e sociais".No exílio, escreveu "Mulheres de Atenas" (adaptação de "Lisístrata", de Aristófanes), com letras de Chico Buarque, que ontem lembrou: "A gente se correspondia muito e disso resultou a canção "Meu Caro Amigo" (1976), parceria com Francis Hime, destinada a ele. Nos últimos tempos [...], deixamos de nos ver, mas a amizade se manteve".Com a anistia, Boal retornou ao Brasil, em 1984. Em 1993, enveredou pela política: foi eleito vereador e usou as técnicas do teatro do oprimido para ouvir as queixas da população e elaborar projetos de lei.
Ficamos mais pobres.