quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Registro 237: Evoé Baco

Viva Zé Pereira
Viva quem gostar
Viva Zé Pereira
No dia do Carnaval!

Carnaval traz boas recordações...
Desde a mais tenra infância, gostei muito da festança, pois em casa o meu pai comemorava a folia com tudo que tinha direito. No interior da Bahia, a partir da metade do anos 50, esperávamos, eu e meus irmãos, os três dias, desde o fim de janeiro. Aprendíamos as marchinhas ouvidas pelo rádio ou então pelo serviço de auto-falante. Esperávamos o Carnaval como desejávamos o São João e o Natal, sabendo o significado de cada uma das festas e suas particularidades. Essas festas eram comemoradas pela família e cabia a meu pai dar o tom, o pique, a alegria.
No Carnaval...
Lembro-me do meu pai com o grupo de amigos, todos vestidos de mulher, a dançar pela rua junto com o bando de mascarados e bloco de sujos. Essa imagem de desregramento e de comportamento fora da ordem fascinava-me. Ao mesmo tempo deixava em nós, seus filhos, um sensação de estranhamento. Era como se perdêssemos o pai. E perdíamos.
Durante os desfiles dos cordões e batucadas, quando o sol amenizava e a brisa cortava a avenida principal, as famílias colocavam cadeiras em frente às suas casas e viam o movimento da calçada, o subir e descer dos cordões, a batucada e Corró evoluindo montado na mulinha. E lá íamos nós, irmãos, primos, amigos, cada um com seu saco de confetes e rolos de serpentina, que eu não conseguia jogar. E lança-perfume Rhodo Metálico. Quanta inocência!
Apesar dos objetos desejados e curtidos delirantemente, nunca estávamos fantasiados. Bastava uma máscara de nome Dominó e pronto. Então, seguíamos a orquestra, cantando a plenos pulmões, indo e rindo no ritmo brincante, esperar o Rei Momo. E ele chegava todo paramentado, calças bufantes de cetim vermelho, túnica dourada de mangas também bufantes e gola de filó enfeitada com guizos. Peruca, rosto empoado, coroa de areia prateada, a purpurina da época, e cetro encimado por balões coloridos. Esse rei fanfarrão era meu pai, mas nem eu nem meus irmãos tínhamos acesso a ele, porque ele era da multidão dançante em torno dele.
A partir dos sete anos, frequentei um dos bailes da cidade. Por conta da rivalidade político-partidária separando as famílias, os partidos organizavam cada um o seu baile. Quando as tensões não eram tão fortes, a rígida divisão não se sustentava. Mas houve Carnaval em que não pude seguir meus amigos por conta de brigas eleitorais. Como eu não aceitava essa divisão estúpida, logo tratei de romper com tal esquema, tornando-me mal visto por um dos lados ou pelos dois, já que eu instaurava um ruído ao me relacionar com meninos e meninas dos dois partidos. Às vezes, tive que controlar a minha rebeldia e aceitar a imposição familiar, fato que não impedia a minha alegria, finda apenas ao receber as cinzas na quarta-feira e ao ver meu pai sem a sua fantasia e assumido ar de seriedade.