sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Registro 223: Em meio à correria de fim de ano

  • Por mais que tente me manter afastado da euforia festiva que toma conta de tudo e de todos no final do ano, termino levado por essa febril confusão, por esse compromisso em providenciar lembrancinhas, presentinhos, sorrisinhos e que tais. Chega. Não aguento mais. Quero ficar quieto no meu canto, ouvindo música: a da natureza e a criada pelos humanos, mas não seus alaridos.
  • Leio o jornal do dia e espanto-me com a notícia que de que a moça que pichou o prédio da Bienal, ainda que tenha sido suspensa sua prisão, continua presa. O pior de tudo é que o senhor Ivo Mesquita curador da 28. Bienal argumenta que a garota pichou um prédio tombado. Tornou-se então uma criminosa. Não quero fazer a defesa da pichação, mas considero hipócrita a sua posição. Assim também pensa o artista Roberto Aguilar. Ainda bem!
  • Se olharmos para as nossas cidades a cata de prédios tombados para ver como se encontram, perceberemos que nem todos merecem os cuidados que deveriam ter por parte do poder público, das instituições privadas e dos particulares insatisfeitos com o tombamento. Não quero radicalizar, exceções existem. Mas nesse imenso universo que é o patrimônio de pedra e cal, muita coisa sofre a ação nefasta de todos nós. Ação muito mais terrível do que a pichação de uma espaço vazio, uma proposta conceitual (haja conceito para dar conta!) no interior dessa coisa em crise que é a Bienal de São Paulo. Em crise por conta das administrações equivocadas e das curadorias que entram no jogo do mercado. O fato é que os donos das galerias ocuparam o centro das atenções mostrando seus artistas em espaços outros que não os do pavilhão. Além disso, no imenso território brasileiro existem muitos artistas produzindo fora do circuito oficial e fora do negócio de arte e não conseguem furar o cerco. Mas como chegar até eles se os curadores estão comprometidos com conceitos fechados e, pior ainda, submetidos ao jogo perverso do mercado de arte?
  • Mas voltando ao caso da jovem Caroline Piveta da Mota, me parece draconiana a punição, tendo em vista que criminosos de mão cheia estão por aí flanando e os que chegam a ser presos ficam menos de vinte e quatro horas no xilindró. Portanto, dois pesos, duas medidas. A Justiça é cega, mas somente na alegoria. Na vida real , ela pisca os olhos e sabemos para onde.
  • A pichação no interior do "vazio", proposta mais besta, deve ter sido apagada, restituindo-se a ordem e o progresso no interior da Bienal. Mas o fato é que o ato de Caroline provocou a ira daqueles que tentam nos impor um absurdo, deixando patente que o vazio não é da arte, mas das cabeças, que no momento, pensam sobre as artes visuais. Não exageremos, vozes discordantes e qualificadas apontaram a aberração que se viu. Um equívoco atrás do outro, desde o tobogã até o espaço vazio. Mas o evento chega ao fim e esperamos que a próxima edição da Bienal venha de fato provocar alguma coisa que não seja o evento midiático logo esquecido.
  • Inaugurou-se o Unibanco Glauber Rocha no lugar do ex-Cine Guarani, espaço mítico para os amantes do cinema. Ali, nas manhãs de sábado, sob o comando do crítico Walter da Silveira, assisti os filmes que ele exibia como parte da programação do Clube de Cinema da Bahia. Naquele tempo da delicadeza, enchia-se a sala para ouvir as palavras do crítico sobre o filme a ser exibido em seguida. Por fim, saíamos do escurinho do cinema preenchidos de imagens, impregnados de narrativas, enriquecidos de arte criativa. Enfrentávamos o sol do meio-dia na Praça Castro Alves, em meio aos que nela circulavam sempre bem apresentados, porque ir ao Centro da cidade requeria um certo jeito, um traquejo, um embelezamento. Isso não era prerrogativa de endinheirados. O povo, essa entidade que nos consome e nos dá rasteira quando queremos estudá-la, sabia da sua elegância e desfilava ladeira acima, ladeira abaixo, enchendo de vida uma praça charmosa que não é esse horror que vemos agora. As pessoas exibiam sua indumentária sem luxo nem riqueza, mas de uma dignidade que não se vê atualmente nas ruas de Salvador. Éramos muito mais educados, gentis, cordiais. Não pensem que as tensões e as insatisfações estavam suspensas e que alienados sorríamos como Polianas.
  • Espero que o Cine Glauber Rocha sirva de estímulo para outras iniciativas naquele sítio de topografia tão singular. E que elas sejam realmente de bom gosto, que criem harmonias e também contrastes, mas que não revelem estupidez e arrogância modernosa. Que a Praça viva! Que a estreiteza burocrática, imediatista não imponha sua vontade sobre nós. É preciso ouvir diversas vozes. O Teatro Gregório de Matos precisa de reforma e revitalização. O Centro Cultural da Barroquinha precisa funcionar sob o comando de alguém que saiba animar artística e culturalmente o pedaço.
  • Canções de Amor filme de Christopher Honoré é fina flor estranha que nos pega de surpresa, mas ganha quem está disposto a absorver não somente a história, mas a forma como ele escolheu para contá-la. História de perda e encontro, com uma sequência final muito bem construída. Construída com delicadeza. A frase final, "Ama-me pouco, mas por muito tempo", soa aos nossos ouvidos, pelo menos aos meus, de maneira aliciadora...