terça-feira, 24 de abril de 2007

Registro 52: O Judeu

ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA: ENTRE DOIS MUNDOS
Nosso [teatro]
É filho dos rituais das bacantes
Do coro das tragédias gregas
Das religiões afro-negras
Das procissões portuguesas católicas
E não tem igual

Caetano Veloso


A figura ímpar de Antônio José da Silva é vista como aquele que preenche o “vazio” da cena teatral brasileira após o ato inaugural do teatro anchietano, sob a égide da catequese. Para enfocá-lo na distância do tempo, revolvo as fontes secundárias para retirar delas os fragmentos necessários para compor esse artigo evocativo sobre o autor brasileiro, significativa presença na cena teatral portuguesa e brasileira.

No horizonte da narração, está presente a visão benjaminiana[1] sobre o tempo histórico como explosão de um instante monádico, nos quais os grandes e os pequenos acontecimentos são vistos no “tempo de agora”. Na rememoração, procuramos retirar do apagamento da memória as construções, os atos, os sofrimentos e as alegrias dos antecessores, não para perpetuar o legado dos vencedores, mas sim olhar compreensivamente para os esquecidos.

Nessa constelação irregular que é o tempo histórico, levantam-se as ações humanas decorrentes que são dos fenômenos econômicos, sociais, políticos e mentais. O tempo histórico, formado por diferentes durações, reúne passado e presente. Portanto, o presente segundo Homi K. Bhabha (2005: 23), leitor de Walter Benjamin,

(...) não pode mais ser encarado simplesmente como uma ruptura ou um vínculo com o passado e o futuro, não mais uma presença sincrônica: nossa autopresença mais imediata, nossa imagem pública, vem a ser revelada por suas descontinuidades, suas desigualdades, suas minorias. Diferentemente da mão morta da história que conta as contas do tempo seqüencial como um rosário, buscando estabelecer conexões seriais, causais (...).

Ao mapear no presente a figura de Antônio José da Silva, consideramos os desencadeamentos do tempo histórico. Aproveitamos a “oportunidade para extrair uma época determinada do curso homogêneo da história” (BENJAMIN, 1994: 231) e ressaltar a vida do dramaturgo, desvinculada da acumulação, mas encenada em “suas descontinuidades, suas desigualdades”.

Este texto persegue os passos dos estudos anteriores, já que não estamos trabalhando sobre fontes primárias. Procuramos animar o leitor com informações colhidas nos escritos de Décio de Almeida Prado, Edwaldo Cafezeiro, J. Galante de Souza, Francisco Maciel Silveira e Sábato Magaldi, entre outros autores, que abordam temas e tópicos do teatro no Brasil, procurando dar conta do fenômeno entre nós. Para tanto, estes escritores tomam como referência as diversas fontes que registram a presença da atividade teatral entre nós desde que chegaram os primeiros colonizadores: os relatos dos viajantes, as cartas dos padres da Companhia de Jesus e os documentos oficiais.

Considerando a existência dos baianos Gonçalo Ravasco Cavalcanti de Albuquerque, José Borges de Barros, Manuel Botelho de Oliveira (principalmente)[2], do carioca Salvador de Mesquita e do poeta mineiro Cláudio Manoel da Costa, literatos que escreveram para o palco e apresentaram obras sem muita consistência e originalidade, é importante nomear que a atividade dramatúrgica entre nós sofreu o revés da distância e da dependência dos cânones europeus, da inexistência da Imprensa e da própria circunstância do teatro que se fez nos trópicos nos primórdios de sua existência.

Além desses nomes, registre-se a presença de Luís Alves Pinto, cujo texto Amor Mal Correspondido, sobe à cena na Casa de Ópera, de Recife em 1780. Para Galante de Souza (1960: 125), a comédia representada vem a ser a primeira peça de um dramaturgo brasileiro aqui encenada. Ao tomarmos Galante com referência, vemos, no entanto que a primazia é do carioca Antônio José da Silva, mesmo que se façam restrições a “o Judeu”, visto que sua obra é considerada muito mais portuguesa que brasileira. Essa questão vem sendo tratada pelos estudiosos da literatura e do teatro brasileiro, oferecendo argumentações que problematizam ser ou não brasileira a dramaturgia de Antônio José da Silva, autor que para nós vive entre dois mundos: o tropical e o europeu, o barroco imaginativo e o iluminista racionalista, o católico e o judeu, marcas refletidas nas tramas e nas tessituras de sua obra dramatúrgica.

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[1] Cf. notadamente Sobre o conceito de História, in Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história. São Paulo: Brasiliense, 1994.
[2] Botelho de Oliveira, baiano que viveu de 1636 a 1711, é considerado o primeiro autor brasileiro a ter suas obras publicadas. Poeta, deixou como herança duas peças: Hay Amigo Para Amigo e Enganos y Celos, comédias nunca representadas em palcos brasileiros. Fortemente influenciado pelo teatro espanhol, sua comédia Hay Amigo Para Amigo é nada menos que uma réplica do texto de Francisco de Roja Zorilla No Hay Amigo Para Amigo. Ao abraçar tema, língua e técnica espanholas, o autor afasta-se da sua nacionalidade. Sua não obra não aborda os temas sobre a realidade do Brasil.
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LEÃO, Raimundo Matos de. Antônio José da Silva: entre dois mundos. In: Diálogos Possíveis, ano 5 n. 01, jan. jun. Salvador: Faculdade Social da Bahia, 2006