sábado, 3 de janeiro de 2009

Registro 228: Estamos em 2009


T E M P O

Carlos Drummond de Andrade

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...
...Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.
Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.
Para você neste novo ano,
Desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
Que sua família esteja mais unida,
Que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente...
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto,
ao rumo da sua FELICIDADE!!!


Finalmente, 2009. Ainda estou ao sabor da marola dos dias festivos, que para mim foram mais de recolhimento que de embalo. Na passagem do ano, eu convivi com pessoas queridas e não saí de casa. O jantar frugal, seguido de conversas sobre o tempo, a vida, as acontecências, foi digerido com tranquilidade, já que não houve banquete pantagruélico. Embora saboroso, o jantar compunha-se de três pratos. Depois da meia-noite, cama e sono reparador, já que passar o dia providenciando comida, mesmo que simples, cansa. E com esse calor deselegante, só o banho de mar pra me deixar confortável. E foi o que fiz ao cair da tarde do dia 31. Praia vazia, ainda limpa, e lá estava eu apreciando o sol despencando dentro das águas de Ondina, praia gostosa, que não é melhor por conta das barracas, todas ao mesmo tempo com som no mais alto volume, cruzando pagodes, cada um pior que o outro. Haja sociologia da compreensão para dar conta do gosto popular. Mas fazer o quê? Cada um sente e se expressa como quer . No entanto, não vejo qualidade nesse tipo de música, pessimamente tocada, com arranjos repetitivos e simplórios, o infalível cavaquinho sem nenhum invenção. Os cantores, um tenta imitar o outro. Não sabemos qual o pior. Na terra de grandes sambista como Cartola, Batatinha, Ismael Silva, a Velha Guarda da Mangueira e da Portela, Paulinho da Viola, o que se ouve é lixo em vez de boa música.

Dia primeiro do ano. Fui, como sempre faço, caminhar na orla. Não fosse a sujeira deixada pela horda festeira, tudo estaria em conformidade com a manhã de céu azul. Era tamanha a quantidade de garrafas de vidro e de plástico espalhadas por todos os cantos que o lugar parecia um lixão. Não consigo entender os motivos de não conseguirmos manter os espaço públicos limpos. Deixamos nossos rastros como prova de nossa insensibilidade, de falta de educação, de desatenção. E não me venha com a justificativa de que era festa. Além do lixo, fezes e urina. Fossemos como os gatos, não deixaríamos os dejetos expostos.

Hoje, ao caminhar novamente pela orla, vi que a empresa encarregada de montar e desmontar a festa no Clube Espanhol (Réveillon Enchanté) pregou nos coqueiros grossos pinos de metal para sustentar as placas que protegia a entrada do público. Um ação fora do lugar. Enfiar metal no caule do coqueiro já é um absurdo, deixá-lo ali enferrujando é condenar a palmeira. Reclamar pra quem? Um amigo vem me dizendo que ando muito reclamão, um chato, mas como ele é jovem não acrescentou ao vocábulo, a expressão "de galocha". Chato de galocha. Tentei revidar, mas aceitei a reclamação dele, já que as minhas não encontram eco. E como não sou de sair por aí fazendo comício e passeata, recolho-me. Em 2009 tentarei não me queixar.

Fui ao cinema ver Gomorra. Um chute no estômago. Saí da sala completamente estressado. O Unibanco Glauber Rocha é um espaço deslumbrante. Depois do filme percorri seu interior até o terraço, mirante sobre a Praça Castro Alves. Um privilégio ver a praça com o poeta estendendo a mão tendo ao fundo a deslumbrante Baía de Todos os Santos pontilhada de luzes dos inúmeros navios ancorados. O espaço do cinema é de arquitetura moderna, limpa, elegante. Uma livraria atrai quem gosta de livros, mas seu acervo é muito restrito. O café muito gostoso, mas de preço proibitivo. Um café expresso com leite custar três reais me parece um despropósito. Ah, vende-se pipoca, outra ideia fora de lugar. Pensei que estaria numa sala diferenciada, longe do modelo Multiplex. Apreciar um filme com alguém ao seu lado mastigando pipoca é um horror, ainda mais com aquele cheiro de manteiga de segunda, que mais parece de sebo que de outra coisa. Falei com um rapaz muito atencioso, presumo ser o administrador do espaço, que escreveria uma carta para o jornal. Desisti, não vale a pena. Talvez o jornal nem publicasse. Mas penso que o Unibanco Glauber Rocha não combina com pipoca!

Acho que a promessa de não reclamar foi por terra!

Para aqueles que não aguentam a realidade, não recomendo Gomorra, tal a secura com que o cineasta Matteo Garrone expõe o submundo da Camorra. Quem está acostumado com a glamour dos filmes sobre a Máfia produzidos pelo cinema americano, caia fora. Em Gamorra, não há estetização da violência, nem justificativas para os crimes, há somente selvageria, bestialidade, beco sem saída e tudo isso atraindo crianças e jovens. E tudo pelo vil metal. Um círculo vicioso do mais alto grau de banditismo, crime organizado infiltrando-se em todas as esferas do social. Barra, não muito distante da nossa. O cenário, um cortiço, onde se passa maior parte da ação é de arrepiar. Quem idealiza a Europa e em particular a Itália, sofrerá um choque. Mas o choque serve para nos tirar da passividade, mesma a reflexiva.

Em 2008, mais precisamente no dia 29 de dezembro, Luiz Felipe Pondé escreveu um belíssimo texto na Folha de S.Paulo; Deus, é o título. Transcrevo o último parágrafo: " A teologia feminista diz que 'a Deusa' existe para punir o patriarcalismo. A teologia bicha (Queer Theology) se pergunta: por que Jesus viveu entre rapazes, hein? Alguns latino-americanos vêem Nele um primeiro Che, hippies viam um primeiro Lennon, outros, um consultor de sucesso financeiro. Ufólogos espíritas dizem ser Ele um extraterrestre carinhoso.Prefiro o cristianismo antigo (prefiro sempre as religiões velhas). Um Deus que sente dor e morre por amor a quem não merece é um maravilhoso escândalo ético. O Cristo antigo é um clássico. Melhor do que essas invenções da indústria teológica de vanguarda, feitas para o consumo moderno".

No artigo que escreveu para A Tarde (03.01.2009, p. A3), Fernando Conceição afirma que tivemos um Barack Obama na figura expressiva do professor Milton Santos. Tivemos, mas o enxotamos quando de seu exílio pelo governo civil-militar. Penso como Conceição que o geógrafo seria um bom político, mas o professor Milton Santos, em sua sabedoria extraordinário, sabia que essa função não lhe cabia. Para ser político perde-se a medida e navega-se ao sabor das imposições e interesses do partido. Por mais que seja um homem de fibra, intelectual e moral, ao ingressar na política o cidadão termina contaminado por esses jogos que vemos a cada dia serem jogados pela classe política brasileira. As exeções desaparecem no mar de lama. Depois, não nos interessa as exceções. Gostaríamos que a regra fosse a da transparência, da firmeza diante dos problemas que afligem a nação, da hombridade... Et Cetera. O professor Milton Santos sabia e muito de Política, mas a falta de entusiasmo para a política advinha do conhecimento que tinha dessa função e desse lugar. O seu ceticismo e desconfiança, como indica Fernando Conceição, são provas de alto saber, são provas de alguém que sabia ver mais longe e por isso permaneceu atuando onde atuou. Lucramos nós. Um professor, não um "ator político", esse era Milton Santos. Aproveito para questionar esse modismo de qualificar qualquer personalidade como ator. Esclareça-se: ator é o profissional que no palco ou na tela do cinema e da televisão encarrega-se de interpretar personagens. Os sociólogos de plantão resolveram qualificar os sujeitos, os indivíduos, os homens e as mulheres como atores sociais, retirando com isso a especificidade do vocábulo. Não me parece que Milton Santos interpretava personagens. Ele era um professor, bacharel em direito, geógrafo, um homem que não quis ser político. Um sábio.

Por enquanto é só!