sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Registro 336: Balanço 2010

2011 é de Oxum

Fui aprovado no concurso para professor da Escola de Teatro da UFBA em 3 de fevereiro e tomei posse no dia 21 de julho.

Em junho, encerramos as atividade do Curso de Artes Cênicas da Faculdade Social. Aproveito para agradecer aos colegas que estiveram desde o começo e os que permaneceram até o final. Nós acreditamos que seria possível e não desistimos. Desistiram por nós. Uma pena... Fizemos coisas legais e formamos alguns atores e professores de teatro. Todos os professores que passaram pelo curso prestaram concurso nas Universidades Federais e foram aprovados.

Recebi a notícia que meu primeiro livro para criança, Um muro no meio do caminho?? será reeditado pela Saraiva/Atual. Escrevi dois trabalhos que aguardam editores

Fiquei dez dias internado com dengue hemorrágica. Como é bom ter amigo e amigos. Todos solidários, prestativos, interessados. Não desejo para ninguém o tal mosquito e sua picada.

Não deu para ver a programação do FIAC, mas eu vi A Cela, Partiste, SiricoticoBenção, Torre de Babel, A Gente Canta Padilha, Dias de Folia, Monstro, Théâtre des Vampires (surpreendente, instigante, corajoso, principalmente para os atores e lógico para nós). Pouca coisa, mas dá pra perceber como anda a cena baiana. Faltou Sebastião, uma falha,  As Velhas e Pólvora e Poesia.

Os filmes que eu vi: Vincere de Marco Bellocchio (deslumbrante exercício cinematográfico), Diz Croquettes, Uma Noite em 67, As Melhores Coisas do Mundo, O Pequeno Nicolau, O Segredo dos Seus Olhos, Cabo do MedoMoscou, A Fita Branca, InvictusA Bela Junie . Vi muitos filmes, muitos que agora não dou conta de lembrar. Foram tantos. Sou viciado em cinema. Detestei A Origem.

Assis Valente (Coleção Folha - Raízes da MPB) tocou bastante no meu aparelho de som. Ainda não aderi ao MP3, mas fui obrigado a aderir ao celular. Ando agora com meu "Celulari" no bolso. Que praga! Ouvi bastante Michael Bublé (Crazy love e Call me irresponsible), Peter Gabriel (Stratch my back), Bryan Ferry (Olympia) e muitos dos meu velhos e estimados cd's, companheiros de todas as horas. Nelson Freire tocando Chopin (The nocturnes) foi uma constante, assim como Bach. Meus ouvidos não cansam de ouvir a Ária na Corda Sol da Suíte Número 3.

Os livros, Ah, os livros. Dei-me de presente tantos e não dei conta de ler todos. Já disse que compro livro como compro comida. Mas não posso deixar de lembrar de todos os Philip Roth, os novos e os antigos que eu não conhecia. Vão-se os dias e eu fico, as memórias de Edson Nery da Fonseca procurado desde que soube de seu lançamento e só conseguido depois que a Livraria Cultura se instalou naquela lonjura. Uma pena. O teatro e eu, de Sérgio Brito foi lido de um só fôlego. Depoimento corajoso do ator. Ganhei de Celso Nunes, que reencontrei na morando em Salvador, o seu livro escrito por Eliana Rocha, Celso Nunes sem amarras, coleção Aplauso. Da mesma coleção, Emílio di Biasi,  o tempo e a vida de um aprendiz. Foi, é, gratificante saber das histórias dos encenadores. Fui dirigido pelos dois e convivi mais próximo a Di Biasi, agora na Bahia, vou convivendo com Celso, a quem convidei para uma conversa na Escola de Teatro. O encontro foi realizado e agradou a quem esteve presente.

Lei O outono da idade média de Johan Huizinga, O poder da arte de Simon Schama e A Tragédia shakespeariana de A.C. Bradley. Intercalo a leitura pra ver se dou conta da pilha que se levanta na mesa de cabeceira. De Antonio Tabucchi, li O tempo envelhece depressa. Ganhei muitos livros presenteados por Fanny Abramovich, o último e ainda não lido é de Virgínia Woolf, O quarto de Jacob. A poesia de Cleise Mendes em O cruel aprendiz foi motivo de um texto no blog Cenadiária.

Escrevi artigos, alguns publicados. Um recusado. A recusa é parte da vida acadêmica. O problema é assumi-la.

O meu primeiro semestre na Escola de Teatro, eu vou esquecendo depois de retirar dele muitas lições. Não foi fácil. Um projeto, no qual investi energia e vi possibilidades para os atores, foi abortado. Se não consegui levar Carícia de Sergi Belbel para a cena, escrevi um artigo sobre a peça em fase de revisão. Por outro lado, dei aulas de História do Teatro para uma pequena turma do Bacharelado Interdisciplinar e avalio como superpositiva a convivência e o aprendizado dos estudantes.

Ah, dei conta de gratificante tarefa: escrevi Harildo Déda, nas dobras do tempo. O livro aguarda publicação. Os nossos encontros  foram momentos partilhados com emoção e alegria. Viagem no tempo, dele e minha.

Cultivei os poucos amigos, me aproximei de muitos companheiros, conheci pessoas, convivi com familiares. Mas continuo um solitário. Entreguei aos deuses os desafetos.

Fui visitado por Cid Pimentel, Fanny Abramovich, Tony Chou e Valéria, Luís e filhos, só faltou o meu afilhado Arthur. Gente que veio de longe

Acompanhei com assiduidade o ciclo de rituais no Terreiro do Gantois. Um descoberta, da mesma forma como foi tomar o chá no Centro Espiritual Estrela de Salomão, que é uma outra história, já que conhecia a bebida noutro lugar (São Paulo) e de um outro jeito.

Andei muito pela Cidade do Salvador e constatei o seu abandono. Abandono mesmo! Em agosto, fez 11 anos que retornei e fixei residência por aqui. Eu nunca vi a cidade tão suja, descuidada, entregue a incompetência dos atuais administradores e à nossa secular maleducação

Pra encerrar o balanço meio desbalançado - pois como dar conta dos trabalhos e dos dias, se a memória é seletiva - embora eu ache que não, faço duas citações: a primeira é de Simon Schama (O poder da arte, 2010, p. 10) e a segunda é de Mário Quintana, sem referência.

A grande arte tem péssimos modos. A silenciosa reverência da galeria [do teatro] pode levar você a acreditar, enganosamente, que as obras-primas são delicadas, acalmam, encantam, distraem - mas na verdade elas são truculentas. Impiedosas e astutas, as maiores pinturas [peças/encenações] lhe aplicam uma chave de cabeça, acabam com sua compostura e, ato contínuo, põem-se a reorganizar seu senso da realidade.

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Que o ano novo venha novinho em folha, para que possamos viver a beleza da vida no que ela tem de esplendor e graça...

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Registro 335: Edward Albee, velho dramaturga continua com a mente afiada


Edward Albee
Vale a pena ler a entrevista do dramaturgo Edward Albee, publicada na Folha de S. Paulo (30.12.2010). Coube ao jornalista Lucas Neves entrevistar o autor de memoráveis textos, ainda inquietantes e de grande força no palco. Os grifos são de minha autoria.

Folha - A morte é uma presença marcante e até assume forma humana em peças de sua autoria, como "Três Mulheres Altas" e "A Senhora de Dubuque". Por que o senhor acredita que ela seja um mote tão forte para o teatro?

Edward Albee - Só há duas coisas que realmente importam. Os dois grandes eventos na vida de qualquer pessoa são seu nascimento e sua morte. E então você escreve sobre esse parêntese, sobre tudo o que acontece nesse intervalo. Você não pode escrever sobre seu nascimento porque não se lembra dele. Mas pode escrever sobre a morte, porque obviamente não tem memórias dela, mas espera por isso. Há vários tipos de morte. Muitas das minhas peças são sobre pessoas que estão vivas, mas morreram emocional e intelectualmente muito tempo atrás. Você pode estar morto no íntimo e ainda vivo.

As notícias que nos chegam sobre a cena americana incluem a estreia de uma adaptação musical de "Homem-Aranha" orçada em US$ 65 milhões (R$ 109,8 mi) e um número crescente de estrelas hollywoodianas buscando na Broadway legitimação. Que margem esse quadro deixa para provocação e tomada de riscos?

A maioria das pessoas quer um entretenimento seguro e amigável. Não desejam que seja um ato de agressão. E quase toda arte, em seu melhor, é um ato de agressão contra o status quo. Ou seja: está ali para levantar questões, não para fornecer respostas fáceis, simples.Mas se você faz perguntas difíceis, irrita muita gente. Essa é a função da arte, entretanto. Se ela não lhe saca do conforto, não é arte. O problema é que boa parte das pessoas tem preguiça intelectual.

De que maneira a arte pode ser a um só tempo agressiva e divertida?

Atraente é uma palavra perigosa, significa que as pessoas vão gostar. O que a arte precisa é ser mobilizadora de nossa mente e de nossas emoções. Ela não tem de nos deixar felizes, mas sim mais conscientes de nossos valores. E deve nos levar a interrogar se estamos dando conta ou não de nossas responsabilidades. Não entendo como alguém pode querer ir ao teatro só para ver atores voando suspensos por fios [referência a "Homem-Aranha"]. Vá ao circo, então! O teatro deve mobilizar o intelecto e o olhar.

Como o sr. vê o jogo de forças entre o teatro que chama de comercial e o de vocação mais experimental, hoje, nos Estados Unidos?

Grande parte das obras que são produzidas com um olhar no lucro que voltará para o investidor tende a ser uma perda de tempo. Por outro lado, grande parte dos trabalhos feitos só de amor ao teatro, ainda que não seja rentável, costuma ter mais valor. Esses são feitos em teatros pequenos, não comerciais, geralmente com temporadas mais curtas do que a porcaria comercial.

E por que isso acontece?

Porque as pessoas não querem ser incomodadas quando vão ao teatro. Anseiam por ter seus valores reafirmados -se é que se chega a discutir valores em cena. Não esperam vê-los questionados. Não estão ali para ser perturbadas. Querem perder tempo e estão dispostas a gastar muito dinheiro para isso.

O sr. é, então, pessimista em relação ao futuro do teatro?

O único problema da democracia é que você tem o que quer, em vez daquilo que você deveria querer. Numa democracia, se você é bem educado, pode tentar alcançar aquilo que deveria querer. Mas tem de ser instruído para fazer a democracia funcionar e para querer um teatro que faça algo útil. Quando eu ia à escola, tinha uma classe de formação cívica, em que aprendia como o governo trabalhava e o que significava um ato político. Não se ensina mais isso na América. Também tive aulas de música, literatura e artes visuais. Hoje, elas não são consideradas importantes. As preferências das plateias são ditadas pelo pouco que aprendem. Se o cardápio ensinado fosse mais amplo, a gama de interesses seria mais diversificada.

Diante desse quadro, por que insiste em abordar temas tabu, como bestialismo (em "A Cabra"), mastectomia voluntária e circuncisão reversa (ambas em "Homelife")?

Porque isso representa o que sou, o que me interessa. É sobre isso que acredito que as pessoas deveriam refletir. Mas esses temas ainda são capazes de ruborizar a plateia, tirá-la da zona de conforto? As pessoas prestam atenção de um jeito diferente quando estão diante de algo que é vendido como arte.

Já foi sugerido que o sr. se vale fartamente de sua biografia para criar peças. As mães de seu teatro seriam variações da figura de sua mãe adotiva, com quem o sr. mantinha uma relação difícil. Como equilibra realidade e ficção?

Estou limitado pelas fronteiras da minha imaginação. Escrevo o que consigo imaginar. Mas não limito a minha escrita a fatos que tenham acontecido comigo, porque não penso ser um objeto teatral tão interessante assim. Me considero uma pessoa interessante, mas não um tema próprio para uma peça.

Qual a diferença entre ser uma coisa e a outra?

Para que a história de alguém se preste ao teatro, suas ações têm de fazer sentido em termos dramáticos, não apenas intelectuais. Senão você transforma uma vida chata numa peça idem. Não consigo imaginar uma peça muito boa sobre [o filósofo alemão] Immanuel Kant, por exemplo.

Em suas peças, surge com frequência um elemento "intruso", alguém que vem de fora do cenário principal para (às vezes à própria revelia) derrubar máscaras sociais, revelar hipocrisias. Como o jovem casal convidado pelos protagonistas de "Virginia Woolf", ou o par e a filha visitantes de "Um Equilíbrio Delicado". O inferno são os outros?

Dramaturgia se apoia em conflitos emocionais, físicos, psicológicos ou políticos. E se você tem um grupo de pessoas que se conhece bem, está muito feliz e não tem sobre o que falar, não há conflito. O que você tem em mãos nesse caso é televisão.

Mas não dizem que a televisão americana vive uma nova era de ouro, com enredos provocativos, personagens bem construídos?

Por "era de ouro", querem dizer um período muito rentável. Só vejo programas informativos, que possam me ensinar algo. Gosto daqueles que tratam de animais, ciência, o cérebro. A minha leitura também segue essa mesma inclinação.
E peças, o sr. lê?

Leio porque quero saber o que está acontecendo naquela história. Se vejo uma montagem sem antes ter lido o texto, não tenho a certeza de estar assistindo à peça que o dramaturgo imaginou.Há uma hierarquia que deve ser respeitada, que determina que o texto venha antes, e a sua interpretação, depois. Essa deve apenas reforçar o que o autor concebeu. Em duas ocasiões, senti que isso não estava acontecendo, e o resultado foi horrível. Mas não quero falar sobre isso. Você tem de ser forte para garantir que a sua visão é o que a plateia vai receber, porque às vezes tentam abrandá-la, facilitá-la, torná-la menos perturbadora, mais digestiva. Diretores às vezes fazem isso, seguindo comandos de quem está colocando dinheiro na produção.

O sr. dá aulas na Universidade de Houston. Como é o contato com grupos de jovens dramaturgos?

Ensino porque aprendo ao fazê-lo. Sou muito egoísta. Se não existisse essa via de mão dupla, não funcionaria para mim. Sempre digo aos alunos: "Escrevam a primeira peça de todos os tempos. Inventem a forma, a estrutura, a ideia". Toda arte é reinvenção, não repetição. Arte ruim é repetição. É simples assim.

Um grito de liberdade contra a bárbarie.Grito por Jafar Panahi, o cineasta condenado pelo governo do Irã.
Seu crime: discordar.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Registro 334; Veja que deslumbramento

ACESSE!
VEJA QUANTO É DESLUMBRANTE O BARROCO
DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO
SALVADOR - BAHIA

Viva a tecnologia quando a serviço da beleza!

http://www.onzeonze.com.br/blog360/toursaofrancisco/index.html

Um grito de liberdade contra a bárbarie.
Grito por Jafar Panahi, o cineasta condenado pelo governo do Irã. Seu crime: discordar.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Registro 333: Tempo de Natal e de outros eventos


Vivemos o Natal no Ocidente cristão.
Mas o Natal mercadoria é comemorado por todos no Ocidente capitalista.

O espírito natalino se espraia...

Eu me lembro dos Natais da minha infância quando meu pai preparava uma performance com Corró, um negro baixinho, vestido de Papai Noel e umas meninas amigas de minhas irmãs fantasiadas com trajes carnavalescos. Ao som daquela tristíssima canção de Assis Valente, Boas Festas, as meninas dançavam em torno de Papai Noel. O número era apresentado no palco do Cine Teatro Cliper, de propriedade de meu pai, antes da matinê.

Corró era festeiro. No carnaval, ele comandava uma batucada,  e desfilava montado numa burrinha feita de papelão e chitão toda enfeita de fitas coloridas, um objeto muito usado nos festejos populares do Nordeste. Mas no Natal, empenhava-se em representar Noel. Se Al Johnson pintado de preto fez o Cantor de Jazz, por que Corró não podia representar o bom velhinho sem precisar disfarçar sua pele negra?

Pensando bem era um anti-Natal. Mas nós, crianças de Ipirá, não víamos nada de anormal na performance, com seus elementos críticos. Talvez meu pai não imaginasse efeito tão insólito quando imaginou a cena. Havia ali naquele palco, cuja ribalta era iluminada com luzes verdes, vermelhas, azuis e amarelas, a junção de elementos tão díspares, mas integrados numa comunhão bem típica da nossa formação enquanto nação...

Lembro-me também do Natal em que meu pai armou um enorme presépio no salão do Grupo Escola Góis Calmon. Na época, já adolescente bem taludo e com veleidades artísticas, fui convocado para pintar montanhas cenográficas para compor um horizonte, cujo azul celeste indicava mais dia que noite.

Semanas antes de abrir o presépio aos visitantes, eu acompanhei meu pai pelas ruas da periferia distribuindo uma senha para as crianças e outra para os idosos. Tais senhas davam direito a um brinquedo, naturalmente para as crianças, e um cobertor Dorme-bem para os idosos. Dia marcado, ele recebia no salão do Grupo Escolar todos aqueles que tinham a senha. Lá estava eu servindo de ajudante.

Anos depois, o presépio era armado em casa. Depois de sua morte em janeiro de 1975, o presépio ficou como herança de minha irmã, que ao se tornar evangélica passou as imagens para outra pessoa. Não sei qual o fim do presépio.

Certa feita, meu pai cobriu uma árvore seca com algodão enfeitando-a com bolas enormes e luzes coloridas, mas não dessas luzes made in China. Eu, já rapaz, ingressando na universidade, achei um despropósito a tal árvore nevada. Essa árvore, penso agora, simbolizava para meu pai um sertão aguado, irrigado, próspero.

Tendo como suporte um tonel pintado de vermelho, a imensa árvore foi colocada na avenida principal da cidade. Mas na noite de 31 de dezembro, por conta de uma briga, botaram abaixo a Árvore de Natal. Os fofoqueiros se encarregaram de espalhar que o vandalismo era decorrente das inimizades político-partidária que meu pai amealhou durante parte de sua vida.

Embora crítico, eu gostava de ver a natalina árvore iluminada.

Para rememorar os festejos de meu pai, este ano armei um pequeno presépio. Fosse vivo, ele estaria comemorando 92 anos. Morreu meu pai aos 57, mas deixou um legado imaterial que sedimentou a minha vida e orientou as minhas escolhas.
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Teatro - Indicações para o Prêmio Braskem

Aproveito para parabenizar a atriz Margarida Laporte por ter sido indicada como Revelação por sua interpretação em Partiste, texto e encenação de Paulo Henrique Alcântara. A peça encerrou as atividades do curso de Artes Cênicas da Faculdade Social em junho passado. A delicada e tocante criação de Margarida infundia ternura e graça na cena. Inesquecível no personagem da Mãe. Além de atriz, Margarida é dona, com seu companheiro, da melhor sorveteria de Salvador, a Glacie Laporte.

Meus parabéns para Jacyan Castilho indicada para Melhor Atriz. Caso leve o prêmio é merecedora. Seu trabalho em A Cela é uma criação poderosa. Yumara Rodrigues também foi indicada, merece um prêmio especial por sua carreira. Não posso falar das outras atrizes indicadas (Andrea Elia, Claudia di Moura, Evelyn Buchegger), pois não vi suas atuações. São talentosas, tanto quanto Jacyan e Yumara.

Jarbas Olivier merece o prêmio de Melhor Ator.

Lamento não ter visto as encenações de As Velhas (direção de Luiz Marfuz) e de Pólvora e Poesia (direção de Fernando Guerreiro).

Livro

Soube pelo editor (Saraiva) que meu primeiro livro para criança Um Muro no Meio do Caminho?? será reeditado em 2011. O livro sai pela Atual, um selo da Saraiva. Na primeira edição, década de 80, o livro fazia parte de uma coleção organizada por Fanny Abramovich. Por conta do Plano Collor, a primeira edição, por outra editora, não mereceu a devida atenção. Mas quem podia prestar atenção em alguma coisa naquele momento, quando sofríamos o confisco do nosso dinheiro, ou melhor o roubo. Tristes tempos aqueles


Um grito de liberdade contra a bárbarie

Grito por Jafar Panahi, o cineasta condenado pelo governo do Irã. Seu crime: discordar.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Registro 333: Meninos, eu vi situação parecida por aqui.

Um grito de liberdade para Jafar Panahi, cineasta iraniano, autor de O Globo Azul e O Círculo.

O cineasta foi condenado a seis anos de prisão e proibido de filmar, escrever roteiros, dar entrevistas a meios de comunicação sejam eles locais ou estrangeiros por 20 anos.

É a morte de um artista!

E tudo isto porque discordou.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Registro 332: Dzi Croquettes - Libertários


Acabo de retornar da Sala de Arte Cinema da UFBA onde vi o documentária de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, Diz Croquettes. Imperdível, principalmente para quem acha que faz vanguarda no tempo de agora e muda comportamentos e quebra paradigmas na cena.

Ao ver o filme, as emoções voltaram com a mesma força de outrora, quando eu vi pela primeira vez o grupo de rapazes, seu show, suas vidas. Lembro-me bem. Em 1974, recém chegado a São Paulo, estive na plateia do Teatro Maria Della Costa para ver duas, três, quatro vezes os Dzi Croquettes. Eu era um jovem ator, fazendo o meu primeiro espetáculo sob a direção de Márcio Aurélio também estreante. Nas folgas, íamos ver os Dzi, uma ilha libertária em meio à caretice reinante naquele momento, fim do terrível governo Médici. Seguíamos em bando aquele grupo alegre e sempre purpurinado nas festa, nos restaurantes, nos bares e boates. A purpurina era uma marca registrada do grupo, e os  tietes e  desbundados aderiram ao enfeite e a descompostura, botando os velhos hábitos e o bom comportamento de pernas para o ar, tanto na vida quanto na arte. Arte e vida misturavam-se sem nenhum pudor, artaudianamente. Grotesco e lirismo sem pudor, deboche desregrado, vitalidade cênica exercida com talento, com técnica. A qualidade dos atores era visível e a técnica rigorosa e disciplinada de Lennei Dale aparecia na performance de cada um. A cena sob o som de Assim Falou Zaratustra era impactante. Nada era improvisado, embora houvesse improviso. O ritmo da cena contagiava e não havia buraco nas duas horas do espetáculo. Valorosos rapazes. Os sobreviventes, são hoje senhores, alguns com visual menos Croquette, mas ainda brilha em cada um o fulgor de quem se sabe dono da história, a individual e a coletiva. A rapaziada era da pesada, mas de alma bailarina.

Era tanta purpurina que se a polícia quisesse encontrar alguém, bastava seguir o brilho colorido que se espalhava do palco para a plateia e impregnava roupa e corpo.

Em cena, Wagner, Cláudio, Ciro, Reginaldo, Leni, Carlinhos, Elói, Bayard, Benedito e outros que não me lembro agora, depertavam as mentes e os corpos adormecidos e passavam aquela energia desreprimida. Apontavam caminhos, negando o discurso da direita e desconfiando das palavras de ordem da esquerda. Riam de tudo e, sobretudo deles mesmos.

Atitude contracultural, marcadamente libertária, o posicionamente dos rapazes, nem macho nem fêmea, mas andrôgino, fazia balançar as certezas de muita gente. Para os artistas que se deixaram contaminar pela coragem, deboche e técnica (os Croquettes dançavam à bessa, cantavam bem e eram ótimos intérpretes), a energia que rolava no palco serviu como um indicador para romper com o fechamento da cena. Cena que tinha medo de ser alegre, pois comprometida em denunciar as mazelas decorrentes da ditadura militar. Encontrando uma forma desviante do discurso engajado, os Diz Croquettes estampavam a necessária liberdade e noutro tom figuravam o poético e o político noutra vertente.

Quem aspirou o ar soprado do palco Dzi, não foi mais o mesmo. E se alguém duvida, basta ver o documentário. Lá estão os depoimentos de muita gente, há também emoção verdadeira, sem pieguice, mesmo quando Tatiana  Issa lembra dos que morreram como seu pai, iluminador do espetáculo.

A maioria não sabe da existência do grupo. Ele ficou restrito ao eixo Rio-São Paulo e fez muito sucesso na França. Sucesso de verdade. Estiveram na Bahia, mas aqui o grupo se desfez. A separação, ainda que temporária, deixou marcas na família Croquette, Lennie Dale se afastou. Mas em seguida, eles conseguiram fazer dois espetáculos, Romance, de pouca repercussão e outro visto somente em Paris.

Vi Romance no Teatro Ruth Escobar, no elenco o meu amigo Vicente Di Franco, paulista que morou em Salvador e esteve no elenco de Marylin Miranda, espetáculo de José Possi Neto, que tinham muito da estética dos Croquettes.

Se você está pensando em show de travesti. Esqueça! Nada contra, mas os Croquettes passavam ao largo de tal manifestação. Artisticamente a coisa era bem diversa. Muita coisa do que se vê na cena de hoje, ainda que seus realizadores não saibam, é fruto da criatividade transgressora de um grupo que se lança e se firma num cenário hostil.

É certo que o ideário contracultural em curso dava margem e sustentava tal acontecimento e o grupo, intuitivamente, percebeu a hora e a partir daí organizou-se. Pelas brechas, como dizia o poeta Torquato Neto, encontraram uma maneira de furar o estabelecido na cena teatral, criando um espaço vital para sua expressão. Reiventaram a família sem a caretice da instituição, num momento em que viver comunitariamente era um desejo realizado por muitos. E muitos saíram de casa para viver em comunidade, um jeito diferente de encarar o mundo. Alternativas foram criadas e o mundo tornava-se outro, ainda que as condições fossem de amargar.

O texto abaixo foi retirado da página da Enciclopéia Itáu Cultural - Teatro e completa as falhas da minha memória.

Grupo carioca irreverente, alinhado à contracultura, à criação coletiva e ao teatro vivencial, que faz do homossexualismo uma bandeira de afirmação de direitos.


O conjunto cria, em 1972, o espetáculo Gente Computada Igual a Você, que se origina de um show de boate, posteriormente levado para São Paulo, na casa noturna TonTon. A realização transferida para o Teatro 13 de maio, faz enorme sucesso. Na equipe criadora do espetáculo constam os nomes do coreógrafo Lennie Dale, do autor Wagner Ribeiro de Souza, e dos bailarinos Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado e Eloy Simões.

Gente Computada apresenta números cantados, dublados e dançados, entremeados por monólogos que equacionam as experiências de vida dos integrantes. Tais textos de interligação, de autoria de Wagner Ribeiro, primam pela ironia, duplo sentido e tom farsesco. A montagem recicla práticas da antiga revista musical, do show de cabaré e da tradição norte-americana do entertainment. As coreografias de Tinindo Trincando, com música dos Novos Baianos, e Assim Falou Zaratustra, em versão dance e technopop, constituem momentos altos do espetáculo. Figurinos ousados, maquiagem pesada e o contraste dos corpos masculinos em trajes femininos imprimem ao espetáculo tons de grotesco, de deboche e espírito ferino. Um árduo trabalho de interpretação e de dança é empreendido pelo bailarino Lennie Dale, para transformar o grupo numa trupe artística, elogiada pela crítica.

Em Paris, os Dzi Croquettes conhecem a consagração internacional. Em 1973 e 1974, fazem longas temporadas no Le Palace e, entre outras atividades, participam do filme Le Chat et la Souris, de Claude Lelouch. Uma parte da equipe cria um novo espetáculo, Romance, de Cláudio Tovar e Wagner Mello, 1976, que não alcança a mesma projeção do anterior. Posteriormente um elenco feminino vem agregar-se ao núcleo fundador, mas essa alternativa não amplia as propostas iniciais e, pouco tempo depois, o grupo se dissolve.

Inspirado no conjunto norte-americano The Coquettes e no movimento gay atuante na off-Broadway, a equipe utiliza equacionar conteúdos brasileiros para falar de nossa realidade, desde a repressão sexual até a censura e a ditadura. O grupo está na origem de uma corrente que veio a se desenvolver algum tempo depois, vinculada ao travestismo, ao deboche, à exploração do virtuosismo dos membros do elenco, à caricatura, à farsa e à comédia de costumes. [...].

sábado, 4 de dezembro de 2010

Registro 331: Argumentos contra a estupidez

Violência contra homossexuais

Drauzio Varella

A HOMOSSEXUALIDADE é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.

Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).

Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.

Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.

A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.

Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.

Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.

A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.

Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.

Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?

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Folha de S. Paulo, 4 de dezembro de 2010