quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Registro 241: Impressões carnavalescas

  • Não quero ser pessimista, mas alguma coisa estranha acontece com o Carnaval de Salvador. Seu gigantismo vai levando a festa pro brejo e não vejo muita saída para ela. O esgotamento do modelo que aí está é visível. Sabemos que não é o seu fim, a coisa ainda vai longe, mas a autofagia vai contribuir para o fim do modelo vigente. Lamenta-se o esvaziamento do circuito Osmar - Campo Grande. Mas se não me engano, lamentou-se o esvaziamento do Carnaval na Praça Castro Alves. O que o poder público não quer ver é que o tal esvaziamento é produto da comercialização do Carnaval. E não me venham com essa conversa de emprego e renda, quando os cordeiros ganham R$, 27,00, uns quebrados e parco lanche.
  • Já não se tira dinheiro do circuito Osmar, portando não há investimento, já que tudo é transferido para o circuito Dodô - Barra-Ondina, o mega-chic-carnaval dos camarotes, das grandes estrelas e das regras do mercado. É aí que todo mundo quer star, sobretudo a mídia, os globais, os políticos, as personalidades, os emergentes e também aqueles que querem um lugar ao sol. E a força da grana, não tem que segure. Ao mesmo tempo possibilitadora de coisas novas e interessantes, ela traz em si o próprio vírus da destruição, pondo por terra o que ela mesmo concebeu. O cantor popular já falou sobre isso referindo-se à cidade de São Paulo. O Carnaval de Salvador vai na mesma direção.
  • Não sou fã de Ivete Sangalo, como não sou fã das estrelas baianas criadas e desenvolvidas no laboratório da música Axé, termo impróprio, mas já institucionalizado. Mas não posso desconhecer a habilidade, inteligência e carisma de Ivete Sangalo no Carnaval. Ela, talvez seja a única estrela que vai para a avenida sabendo em que lugar está. Durval Lélis também sabe o que é fazer a festa. Nada de conceito pra gerar discurso, nada de show pra intelectual, nada de proposta vanguardista que se torna risível visto que é pobre e mal realizada. O que Ivete Sangalo faz é encarar o Carnaval como uma grande brincadeira. E ela sustenta essa brincadeira com profissionalismo de mega-empresária que sabe fazer tilintar moedinhas no cofre, o que todos fazem na avenida, mas a cantora não perde de vista a brincadeira, o jogo de se saber participante da folia. Veste sua fantasia, nada conceitual, nada extravagante, canta sucessos que fazem o folião pular, diverte-se divertindo os que estão na rua e em casa vendo-a pela televisão. Brilhante essa menina. Muito esperta, cativa o mais sizudo dos mortais. Por vezes sua irreverência descamba para a grosseria deselegante, destoando. Mas se pensarmos que a mola propulsora do Carnaval é a desrepressão e a elevação das partes baixas (os instintos) em detrimento da racionalidade e da metafísica, fazemos vista grossa, mas não deixa de ser grosseiro alguns dos seus comentários. Talvez se falasse menos e cantasse mais, sanaria o problema.
  • Ridículo os shows apresentados por Daniela Mercury. Eles atrasam o desfile e enchem a paciência do folião. Canta-se pouco e fala-se muito. Um discurso de frases feitas que não termina nunca. Além disso, escolheu roupas horríveis para si, e pior para os bailarinos. Aquela roupa dourada sem brilho vestida por ela, mais os figurinos dos dançarinos, era de dar dó. Quem concebeu aquilo não saca nada de folia momesca, não tem humor, não tem sagacidade criativa. Aquelas tocas e saias como se fossem crinolinas nas dançarinas já eram um horror, nos dançarinos, um desastre. E ninguém fala nada e todo mudo engole aquilo como se fosse uma novidade, uma invenção. Ridículo. Uma coisa velha travestida de nova. As coreografias, nem dá pra falar. Qualquer grupo de dança amador faz melhor. Cadê a assessoria? Triste quem acha que mega-estrela ouve assessoria, embora tenha uma monte delas, gente que diz amém, amém, amém.
  • Gerônimo foi um escolha pertinente para Rei Momo, embora continue achando que a escolha deveria passar por outro processo. Ele disse coisas sérias irreverentemente, como cabe a um Rei Momo que se preze. Além disso, por ter feito a bela canção que diz que a cidade é de Oxum, ele merece o aplauso dos soteropolitanos. Só por isso não deve ser esquecido nem ignorado.
  • A campanha do alleitamento materno foi às ruas e rendeu $$$$ matéria televisiva, quase todas na Rede Globo. Que a tal promoção surta efeito positivo para as mamães récem paridas e para o seus filhos.
  • Ação consciente e responsável a distribuição de camisinhas aqui e na Marquês de Sapucaí. Espera-se que a Camisa de Vênus tenha sido usada e de forma correta.
  • No domingo de Carnaval aconteceu mais uma cerimônia de entrega do Oscar. Mudou alguma coisa, mas ainda é demorada demais. Haja paciência pra aguentar. Mas esse ano melhorou. O deslize foi o Oscar para o comediante Jerry Lewis, outorgado por benemerência, como se ele não tivesse dado uma contribuição significativa para a sétima arte. Mas o velho ator, oitenta e tantos anos, foi elegante. Ao agradecer, expressou o seu espanto sobre premiar-se atos de benemêrencia. Saiu por cima O Professor Aloprado, diversão garantida nas matinês das décadas de 50 e 60.
  • Não se justifica a ausência de Leonardo Di Caprio na lista dos indicados para melhor ator. Seu trabalho em Foi Apenas um Sonho é superior ao de Brad Pitt, que tem uma boa atuação em Benjamin Button, mas sem a densidade para entrar na lista dos indicados. Não entendi. A família Ledger, elegante e discreta em sua dor, emocionou a platéia ao agradecer o Oscar póstumo para Heath Ledger. Ainda não vi as interpretações de Sean Penn e de Mickey Rourke, mas os membros da Academia puxaram a orelha de Rourke. A fala de Penn foi direta, sem meias palavras. As câmeras não precisavam apontar o roteirista de Milk durante a fala de ator, afinal de contas ele, o roteirista, já tinha saído do armário. Merecida a premiação de Kate Winslet por sua atuação em O Leitor. Somando-se ao superlativo trabalho em Foi Apenas um Sonho, gosto muito mais, a atriz de qualidades inegáveis demosntra que tem muito a realizar no cinema. Um achado trazer atrizes e atores premiados anteriormente para homenagear os indicados nas categorias em que eles foram premiados. Hugh Jackman mostrou-se competente, dança, canta e encanta com seu charme de homem bonito e sexy, escolha das revistas a qual me rendo. Penélope Cruz, demais! Não vi o filme, mas ela merece. Seu agradecimento simpaticíssimo e tocante
  • A feiúra dos camarotes no circuito Osmar era perceptível para os que tem um pouco de sensibilidade estética. Além de feios, não tinham bom acabamento. O Camarote Salvador, com aquelas colunas e lustres, era risível. Os emergentes deve ter adorado. O Harém era de um mau gosto atroz, principalmente no interior, mas deixa pra lá, não devemos perder tempo com esse assunto. Nada vai mudar mesmo.
  • Ouvir a família Macedo é sempre bom. Mas ouvir falação de cantor em cima de Trio Elétrico é dose! E a babação em frente ao camarote da TV Bandeirante? É de arrepiar. Baba o artista no Trio, baba os apresentadores, com aquela conversa mole, cheia de chavões repetidos a cada ano, como se tudo fosse igual, igual. Talvez seja mesmo, eu é que fico implicando. Mas a secreção escorrega e ninguém reclama. Para-se a animação para a rasgação de seda. Urg!
  • Li contos de Tennesseee Williams, edição da Companhia das Letras. Ainda não terminei. São 49 contos

Um comentário:

Anônimo disse...

Mesmo morando no Rio há algum tempo, sempre aproveitei o recesso proporcionado pela folia de Momo para ir visitar os meus em Salvador e só para isso, pois já não sou tão carnavalesco quanto outrora, quando então já nem era tanto assim. Meu último carnaval talvez tenha sido em 1991, quando sai fantasiado de palhaço e volta e meia ouvia algo do tipo "vai tirar isso" ou "cê parou no tempo, foi?" ou ainda "que ridículo, vai comprar um abadá, rapaz". Mas quando vou a Salvador fico na Barra, circuito do carnaval, aliás praticamente circuito oficial, então não há como não ter contato com a folia e sempre acabo descendo para ver o movimento.
Esse ano, porém, passei, pela primeira vez, o carnaval no Rio de Janeiro. Não sei porque, mas para mim este resumia-se ao desfile das Escolas de Samba. Mas além da Marquês de Sapucaí tem muito carnaval e da melhor qualidade. Eis que me peguei, nostálgico no meio da multidão a olhar para o piso da praça Nsa Sra da Paz, em Ipanema, forrado de confete e bolos de serpentina. Não via tal imagem há muitos anos, desde a infância, nos carnavais do Garcia, onde minha avó morava, em Salvador. Eram mesmo outros carnavais aqueles em Salvador. Pois estava eu ali em Ipanema, vendo um verdadeiro carnaval popular. Muita gente: jovens, idosos, crianças, bandinha, muita fantasia. Vi o carnaval na Av Rio Branco, o Bola-preta na Cinelândia, o povo ocupando todos os espaços. O mesmo povo que tocava e cantava era também o que pulava, sem cordões, sem estrelas e sem maiores distinções. Também as tantas bandas em Ipanema e Copacabana que vêm arrastando uma multidão atras das quais só não vai quem já morreu ou quem não quer, pois não precisa pagar nada. Pois é, vivi aqui no Rio um carnaval que já não via há muito e foi tão bom rever.
Quanto a Ivete, também tenho grande admiração por ela. Muito carismática. Adoro principalmente o espírito de família que ela tem e que tem sido o mote condutor da carreira e dos negócios. Ela é de fato uma pessoa admirável.
Quanto ao Oscar, não vi. Soube do prêmio dado ao Jerry Lewis, responsável por momentos agradáveis que passei como O Otário, O Bagunceiro Arrumadinho, O Terror das Mulheres, A Família Fuleira, Bancando a Ama Seca e tantos outros. Quanto às circunstâncias em que se deu o prêmio, não me causa estranhamento. Fico feliz que tenha vindo. Foi também assim com Chaplin em 1972, quando recebeu um Oscar pelo conjunto da obra. Esses prêmios parecem que sempre vêm acompanhados de um pedido de desculpas, né? No caso de Chaplin até foi mesmo. Em todo o caso não é o prêmio que abrilhanta a história destes artistas, muito antes o contrário. Então viva.