sexta-feira, 15 de maio de 2009

Registro 265: Pra Fanny Abramovich

A PROPÓSITO DA COMEMORAÇÃO
Escrever é uma extensão do hábito prazeroso de ler e é, sobretudo, uma maneira de dividir com o leitor uma parte desse prazer.

Tomei gosto pelos livros descobrindo-os na estante de tia Edna, professora em Baixa-Grande, Bahia. Pinóquio foi o primeiro livro a me fascinar. Depois, veio a descoberta de Lobato e seu universo, seus personagens inesquecíveis. Tanto me impressionaram que, aos dezoitos anos, fiz meu pai comprar toda a coleção de um vendedor que bateu a nossa porta. Anos mais tarde, já em São Paulo conheci apaixonados por Monteiro Lobato, entre eles Tatiana Belinki e Fanny Abramovich. Quando Fanny entrou na minha vida eu tinha escrito o meu primeiro texto de teatro para crianças, Brincadeiras. Por essa época, eu não imaginava que pudesse escrever outras peças e contos e romances curtos, mas ao mexer comigo, Fanny provocou. E dessa provocação descobri em mim possibilidades insuspeitadas.

Voltando a Lobato e aos meus dezoito anos: com outros olhos, reli cada livro do escritor, constatando a permanência do encanto original dos tempos de criança, quando eu ouvia histórias contadas por minha avó Rosinha, que de quebra, sempre narrava uma história de santo. Mais tarde fique sabendo chamar-se hagiografia.

À descoberta da leitura, juntou-se a gostosura de ouvir histórias; depois, vieram os livretos de cordel e, por fim, os livros ditos para adultos. Aí foi paixão desmesurada, sem critério, lendo tudo que caía nas mãos. Levei muito tempo para separar o joio do trigo. Isso não quer dizer que hoje em dia eu mantenha um rigor nas escolhas.

Entre a descoberta da leitura e a descoberta das possibilidades de me tornar um escrevinhador, decorreu muito tempo. E afirmo: quem me levou para a literatura foi o teatro. Como disse acima, escrevi Brincadeiras, com ela ganhei um prêmio que, depois vim saber, foi defendido com unhas e dentes por um dos membros da comissão julgadora: Fanny Abramovich. Ela me disse um dia que viu no texto inventividade.

No livro de Fanny, O estranho mundo que se mostra às crianças (Summus), há um capítulo destinado ao teatro infantil. No texto, publicado anteriormente no Jornal da Tarde, em 2 de setembro de 1978, Fanny discorre sobre o teatro para a infância e a juventude e completa seu texto com depoimento dos autores premiados no IV Concurso de Dramaturgia Infantil do Serviço Nacional de Teatro (1977). A partir desta matéria/entrevista, Fanny Abramovich entrou na minha vida de uma maneira provocadoramente lúdico-lúcida

Em 1987, quando dirigia a Coleção Estrela para a Editora Salesianas, Fanny me pediu que retrabalhasse uma história perdida no fundo de uma gaveta. Essa história se tornou o meu primeiro conto publicado: Um muro no meio do caminho. Foi um processo vivenciado com raro prazer. A história de um garoto que deseja um muro no meio do caminho para a escola parecia um despropósito, mas se tornou um exercício de imaginação e rebeldia, tanto para o personagem quanto para mim. Pena que a Editora interrompeu a coleção! Gosto de estar na coleção tendo como companheiros Vivina de Assis Viana (O rei dos cacos), Sylvia Ortoff (A mesa do botequim e seu amigo Joaquim e Dita-cuja, a coruja), João das Neves (A árvore cheia de estrelas) Flávio de Souza (Uma menina e um menino, Papel de carta, papel de embrulho e Filho de artista), Roseana Murray (Um avô e seu neto) e Fanny Abramovich (Deixa isso prá lá, vamos brincar).

Uma coisa puxa a outra e fui parar no Bambalalão, reprisado hoje na TV Rá-Tim-Bum. Escrever para o Bambalalão, programa para crianças produzido pela TV Cultura de São Paulo, me familiarizou com a linguagem do texto para a televisão. Semanalmente, escrevia histórias dramatizadas e pequenos contos para o elenco do programa. Divertia-me depois, vendo os atores improvisando e brincando em cima dos textos.

A entrada no universo da literatura juvenil se deu com o livro Primavera pop! publicado pela Editora Saraiva. Mais uma vez, o dedo de Fanny! Por sua indicação, encaminhei o trabalho para Cláudia Abeling-Szabo, responsável na época pela Coleção Jabuti. Primavera pop conta a história de Ana Maria e da sua amizade com tio Miguel, de quem ela descobre um caderno onde ele narra fatos da sua infância e adolescência. Conta também a relação da garota com a família, os colegas e sobretudo com seu primeiro namorado. As histórias de tio Miguel permeiam a história de Ana Maria com emoção e fantasia. O livro está nas livrarias.

Um segundo livro para jovens, Braçoabraço, é mais um título que tenho na Coleção Jabuti. O personagem central, Tuim, vive aventuras e desventuras quando é abandonado na cidade grande. Ao ser flagrado por um fotógrafo dormindo nos braços de uma estátua, vira primeira página de jornal. A partir daí, sua vida toma novos caminhos.

Outros trabalhos foram sendo produzidos e publicados: Da Costa do Ouro e Quem conta um conto aumenta um ponto (Saraiva), De cara para o futuro (SM), Bacanas e famosos no caderno de autógrafos, Um grilo no pedaço (Paulinas), Sob o signo das Luzes (FTD) Outros estão prontos a espera de editores. Novos projetos tomam corpo, outros são deixados de lado. Continuo o meu exercício diário, criando, recriando, destruindo e construindo, através de uma prática que implica em leitura, observação e exercícios imaginativos para dar vida aos personagens e suas ações num mundo do qual sou criador.

Procuro falar ao imaginário do leitor, acreditando na sua capacidade de desejar uma integração com o texto de tal forma que, ao acabar a leitura, ele possa se sentir motivado a dar continuidade ao exercício de ler e ter prazer, de ler e ser crítico, de ler e estabelecer um diálogo com as idéias... Aposto sempre na possibilidade de que este jogo se torne uma necessidade para sua vida, um contraponto para a mesmice que empobrece nosso cotidiano.

A obra literária torna-se um objeto social, que proporciona ao leitor uma vivência que de outra forma não poderia experienciar no cotidiano. Isso nos torna abertos para compreender a vivência de outras pessoas e de outras culturas. Acreditando nisso, vou tecendo as minhas histórias, como o galo de João Cabral de Melo Neto tece a manhã.

Ao escrever esse texto, aproveito a oportunidade para homenagear a minha amiga e incentivadora, Fanny Abramovich. Ela já vendeu mais de um milhão de livros, e escreve lindamente. No dia 16 de maio a escritora lança três livros, De surpresa em surpresa, Espelho, espelho meu e Três desejos tão desejados, todos pela Saraiva – Atual. Na ocasião Fanny comemora 20 anos de carreira. E que bela carreira: escritora, pedagoga, jornalista, consultora e descobridora de pessoas que iniciam seus caminhos pelas vias da escrevinhação, conduzidos pelos seus risos vibrantes e por sua torcida. Os ilustradores dos livros, Marcio Levman, Vivian Altman e Marcelo Cipis foram alunos de Fanny no Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleicham, espaço educativo onde aprendi de fato a ser professor. Coincidentemente, os ilustres e talentosos ilustradores, já crescidos foram também meus alunos. A vida tece esses encontros, borda a afetividade, nos recheia de lembranças.

Existem pessoas que passam pelo mundo espalhando belezura e Fanny é uma delas. Ela espalha tudo isso nos seus livros, nos postais que me envia e nas conversas por telefone, sempre tarde da noite. Notívaga, a escritora está sempre pronta a prosear enquanto grilos cantam, estrelas piscam e alguns dormem.

Caso você encontre um dos livros – são muitos – de Fanny Abramovich, não deixe de abrir e se deliciar com uma prosa criativa, crítica, brincalhona, cheia de sentimentos, permeada de humanidade. Tenho todos eles autografados carinhosamente. Não posso estar na festa dos 20 anos como estive na festa comemorativa de um milhão de títulos vendidos. Mas estou na torcida, catando parabéns e esperando novos livros, porque Fanny não dorme no ponto. Ela escreve...
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Esse texto, anteriormente publicado em http://www.geocities.com.rmleao/ , endereço desativado, foi reescrito em função da comemoração dos 20 anos de carreira de Fanny Abarmovich.

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