terça-feira, 5 de maio de 2009

Registro 262: Luiz Fernando ramos escreve sobre Boal

MAIS DO QUE PEÇAS, REFLEXÕES E IDEIAS IMORTALIZAM BOAL
Luiz Fernando Ramos
Crítico da Folha
(Folha de S. Paulo, 05.05.2009)

Há um consenso em torno de Augusto Boal. É a personalidade do teatro brasileiro mais conhecida internacionalmente, com livros traduzidos para vários idiomas e seu nome inserido nas principais enciclopédias teatrais. Se esse reconhecimento abrange a sua condição de dramaturgo e encenador, foi principalmente pelas suas ideias e reflexões teóricas que Boal se fez famoso.Sua primeira contribuição teórica relevante foi o "sistema coringa", surgido nos anos 60 no Teatro de Arena. Boal partiu das ideias de Bertolt Brecht, particularmente do efeito de estranhamento, em que se propõe ao ator uma distância de seu personagem, para que possa ver criticamente suas ações e permita ao público partilhar esse olhar crítico.Boal distanciou atores dos personagens por meio do uso coletivo dos papéis, com os atuantes compartilhando a mesma "máscara", ou característica social e psicológica.Essa técnica foi utilizada pela primeira vez em 1965, na encenação de "Arena Conta Zumbi", e aprimorou-se no espetáculo seguinte, "Arena Conta Tiradentes".
A "Poética" de Augusto Boal, como a chamou Anatol Rosenfeld, foi publicada sob o título "Elogio Fúnebre do Teatro Brasileiro Visto da Perspectiva do Arena". Rosenfeld apontou, no ensaio crítico "Heróis e Coringas", a incompreensão por Boal das teses de Brecht ao conceder aos protagonistas a empatia diante do público que recusava ao coro. Segundo Rosenfeld, mesmo reconhecendo a importância "singular" do ensaio de Boal "no pensamento estético brasileiro", essa opção favorecia uma identificação festiva do público com o herói, no caso Tiradentes, e traía as ideias de Brecht.
Com o livro "O Teatro do Oprimido e Outras Políticas Poéticas", de 1975, escrito no exílio na Argentina, Boal produziu sua obra teórica mais influente. Ali, combinou técnicas teatrais por ele criadas, como o teatro invisível, o teatro jornal e o teatro fórum, para mesclar a ação teatral e a ação política contra todas as formas de opressão -econômica, familiar, racial ou religiosa.Boal continuaria produzindo livros que aprofundavam aquela ideia fundamental, de que qualquer ser humano pode atuar em favor da transformação de si e do mundo. Em um de seus últimos ensaios, de 2006, discutiu o teatro do oprimido na perspectiva da sensibilidade dos bebês.O legado de Boal como pensador pode ser avaliado pelos inúmeros grupos, no mundo todo, que partem de seus exercícios e estratégias teatrais na militância política e nas práticas de ensino e de ação cultural. Muito menos que por suas peças e encenações, imortalizou-se pelos seus escritos.

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