sexta-feira, 16 de março de 2007

Registro 3: Fragmentos tchecovianos

Tchecov e atores do Teatro de Arte de Moscou
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TREPLIOV Precisamos de novas formas. Novas formas, e se elas não existirem, é preferível que não haja nada... (Consulta o relógio.) Eu amo minha mãe, amo muito; mas ela leva uma vida tola, anda com esse escritor, é mimada pela imprensa - isso me cansa muito. Às vezes, é o egoísmo dos simples mortais que fala em mim; lamento que minha mãe seja uma atriz famosa, e me parece que eu seria muito mais feliz se ela fosse uma mulher comum! Pois, titio, pode haver situação mais estúpida e desesperadora que esta: muitas vezes ela recebe a visita de toda classe de celebridades, artistas, escritores, e entre eles o único que não é nada sou eu, e só me toleram por ser filho dela. E então, quem sou eu? O que sou? Larguei a faculdade no terceiro ano - como se diz, "por problemas alheios à minha vontade" -, não tenho talento e tampouco tostão furado, e a cédula de identidade descreve-me apenas como um burguesinho de Kiev. Meu pai também era só um burguês de Kiev, embora tenha sido um ator famoso. De modo que, toda vez que esses artistas e escritores, lá no salão, se dignavam me dar atenção, a mim me parecia que os seus olhares mediam minha insignificância. E eu advinhava seus pensamentos, e a humilhação me fazia sofre...

A Gaivota
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ASTROV Não. Na terceira semana da quaresma viajei a Malitskoiê, por causa da epidemia... Tifo exantemático... As casas entulhadas de gente... Sujeira, fendentina, fumaça, os bezerros nos quartos, junto com os doentes... Os leitões também... Passei lá o dia todo, não deu tempo nem de sentar, não pus nada na boca, nem mesmo em casa me deram descanso: trouxeram um manobrista da estrada de ferro; deitei-o sobre a mesa para operar, e não é que ele resolve morrer lá mesmo por causa do clorofórmio? E agora, quando menos estava precisando, às vezes me desperta um remorso, a consciência me pesa, como se eu o tivesse matado de propósito... Vou, sento, fecho os olhos - assim - e fico pensando se os que virão depois de nós, daqui a cem anos ou duzentos anos, e para quem nós estamos agora abrindo o caminho, irão se lembrar de nós com uma única palavra de gratidão. Não babá, não vão lembrar!
MARINA - Os homens não, mas Deus vai lembrar.
ASTROV - Obrigado. Agora você falou bem.
Tio Vânia
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IRINA - (inclina a cabeça sobre o peito de Olga) Chegará o dia em que todos saberemos o porquê de tudo isso, por que todo esse sofrimento, e então não haverá mais mistério... Porém, até então temos de viver e trabalhar. Trabalhar sempre! Amanhã viajarei sozinha... irei à escola, ensinarei e dedicarei a vida àqueles que talvez precisem de dela. Estamos no outono; logo chegará o inverno, a neve cobrirá tudo, e eu seguirei trabalhando, trabalhando sempre.
As Três Irmãs
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TCHEKHOV, Anton. Teatro: A gaivota, O tio Vânia, As três irmãs, O jardim das cerejeiras. Mairiporã - SP: Veredas, 1994.

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