sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Registro 287: Parabéns, Fernanda Montenegro

O texto que transcrevo (Folha de S. Paulo, 16.10.2009), de autoria de Sábato Magaldi é exemplar. Expoente entre os melhores crítico do teatro brasileiro, Magaldi sabe expor com sensibilidade os passos de Fernanda Montenegro sobre o palco. Junto-me ao crítico para homenagear a grande atriz, que tem brindado o público com sensíveis interpretações. Infelizmente, não vi todas as criações de Fernanda Montenegro, mas tive o prazer de vê-la em Seria cômico se não fosse trágico, sob a direção de Celso Nunes; ri muito ao apreciar seu trabalho em É... de Millôr Fernandes. Em Da Gaivota, uma leitura de Daniela Thomas para o clássico de Tchecov, na sessão que vi, a atriz não estava nos seus melhores dias, mesmo assim deixava uma forte impressão ao fazer Arkádina. Nos filmes, A Falecida, Tudo Bem e Central do Brasil, a atriz mostra o que sabe e explora as personagens de forma densa, compreendendo-as por dentro. Na televisão, fez personagens maravilhosos porque soube emprestar o seu talento sem deixar se abater pela mediocridade que às vezes acompanha a produção televisiva.

Vida longa à atriz!

Montenegro é valor absoluto do teatro

Atriz, que completa 80 anos hoje, une talento espontâneo à capacidade de vivenciar plenamente a personagem

SÁBATO MAGALDI

O moderno teatro brasileiro é pródigo em grandes atrizes. Mencioná-las corre o risco de levar a um esquecimento, por certo imperdoável. Razão suficiente para citar apenas Fernanda Montenegro, cujo aniversário se está comemorando. Já há muitas temporadas ela é considerada grande atriz.
Sustenta esse conceito a soma de numerosos atributos: a capacidade de vivenciar plenamente a personagem, o domínio dos meios para alcançar os desejados efeitos, a inteligência a fim de manter a adesão do público, o talento espontâneo para transmitir drama e comédia. Mérito especial vem de que ela não precisou cursar uma escola, a não ser a de aproveitar a companhia da grande atriz Henriette Morineau, outro monstro sagrado que tanto enobreceu o teatro brasileiro.
Certamente, Fernanda soube inspirar-se na talentosa atriz francesa, de técnica admirável, que valorizava o uso da palavra. Cabe lembrar que Fernanda, vinda a São Paulo do Rio de Janeiro, participou do elenco do Teatro Popular de Arte (Companhia Maria Della Costa), de proposta semelhante à do Teatro Brasileiro de Comédia. No palco da rua Paim, ela foi, em 1955, protagonista de "A Moratória", que lançou Jorge Andrade como um dos importantes dramaturgos brasileiros. E, no TBC, ela viveu a personagem principal de "Vestir os Nus", texto de Pirandello.
Fase brilhante da carreira de Fernanda Montenegro foi também quando atuou no Teatro dos Sete. O conjunto encenou em 1959, no Municipal do Rio de Janeiro, "O Mambembe", obra-prima do nosso clássico Artur Azevedo. E, no Ginástico daquela cidade, Fernanda viveu Selminha, da peça "Beijo no Asfalto", escrita por Nelson Rodrigues a pedido dela. Os espectadores se impressionavam, entre outros momentos, com o vigor da cena em que a atriz defendia a virilidade do marido.
Fernanda Montenegro, depois de extinto o Teatro dos Sete, se fez empresária dos próprios espetáculos, realizados por Fernando Torres. Como era natural num sistema de produção do gênero, alternaram-se peças exigentes e textos comerciais. O que acontecia na tradição dos palcos britânico, francês e norte-americano. A qualidade literária pouco importa: o teatro é criação definida pela presença física do ator, e grande ator pode realizar melhor um espetáculo com uma obra medíocre do que um grande texto desempenhado por um ator fraco. Sem o sopro de Fernanda Montenegro, várias peças pouco significariam.
Atriz exemplar de teatro, monstro sagrado, no pleno sentido que tem a expressão, Fernanda Montenegro faz o efêmero do desempenho se igualar à perenidade de qualquer outra arte. Fernanda Montenegro é um dos valores absolutos do nosso palco.


SÁBATO MAGALDI é teórico, crítico e professor de teatro; escreveu "Panorama do Teatro Brasileiro" (1962) e "Moderna Dramaturgia Brasileira" (1998), entre outros

Nenhum comentário: