quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Registro 193 A: Impressões sobre um espetáculo-sarau

FRATERNAL COMPANHIA

Angela Reis e Daniel Marques

Ontem, 6 de agosto, fui assistir Uma por Outra: histórias de Arthur Azevedo, espetáculo da Fraternal Companhia. Participam do elenco Angela Reis, Daniel Marques, Gláucio Machado, Jacyan Castilho e os músicos Maurício Azevedo (violão) e Vanessa Melo (flauta). O espetáculo consiste da teatralização de contos do popularíssimo dramaturgo que marcou a vida teatral brasileira entre 1873 e 1908 com sua ação.

Os textos escolhidos tratam das relações amorosas. Azevedo tece as tramas saborosamente nos contos escolhidos – Confidências, Uma Aposta, Uma por Outra, A Melhor Amiga e A Filha do Patrão, os mal-entendidos e encontros que envolvem homens e mulheres. Os contos chegam para a platéia do século XXI sem o ranço do tempo. No entanto, preservam-se as suas qualidades literárias fortalecedoras das situações que muitos poderão considerar datadas, visto as mudanças nos hábitos e costumes atuais, em que casos parecidos não são tratados com as sutilezas que permeiam as relações descritas pelo autor maranhense. Arthur Azevedo não falseia nem esconde os conteúdos; o conto A Filha do Patrão é um bom exemplo de certa crueza pragmática com que o pai (patrão) resolve a situação da filha. Revelando com traços bem definidos os personagens que transitam pelas situações dos cinco contos escolhidos, vemos como o autor cuida carinhosamente de cada um dos tipos, delineando-os muito bem. Sem julgá-los, deixa a cada um dos espectadores as conclusões sobre atitudes que cada personagem toma com relação a si e ao outro.

Conforme o texto do programa, a proposta de “usar a cena para contar o conto” visa “preservar o humor e a inteligência do texto, utilizando-os para provocar no público o encantamento que todos nós sentimos ao ouvir uma boa história”. É isso que o pocket espetáculo oferece. Aliada a essa qualidade – contar uma boa história – juntam-se a mestria do elenco, o despojamento da encenação, sua coloquialidade aproximando a cena do espectador, o jogo inventivo entre os intérpretes e uma dose das propostas brechtianas; tudo isso torna a cena encantadora. O clima de sarau se estabelece desde o momento em que elenco recebe o público fazendo-o ingressar na sala, em cujo palco encontram-se os músicos. É visível a reação da platéia; ela se rende aos poucos à magia do teatro e à sua capacidade de fazer com que o “clima de alegre nostalgia” dos saraus de antigamente prevaleça. Assim, instaura-se a comunicação maravilhosa entre os atores, músicos e espectadores.

A cena, em seu despojamento cenográfico, uma cortina branca adornada com fitas e flores vermelhas, completa-se com quatro cadeiras brancas de assentos forrados na mesma tonalidade, servindo de moldura para os atores. Neles está a graça da encenação. Dominando o seu ofício, os intérpretes se encarregam dos personagens e das canções; e fazem isso bem. Passam dos gestos sutis para os largos, habilidosamente. Da mesma maneira, mostram, pelo jogo facial, as expressões que completam e enriquecem as palavras.


Vestidos pela figurinista Renata Cardoso, que escolheu trabalhar com tecidos pretos e brancos habilmente combinados, os intérpretes, quando não estão no centro da cena, esperam sentados o momento de assumirem a ação que lhes cabe no roteiro bem construído. A opção da figurinista pelo preto e branco, combinando tecidos lisos e estampados, quebra a possível monotonia que essa escolha poderia acarretar. Os figurinos obedecem ao traço de época e são complementados por adereços vermelhos: lenços, leque, envelopes, cartões com fotografias e um revólver, pequenos pontos quentes que surgem para dinamizar a mescla do preto e do branco em cada roupa.

Registre-se a escolha do repertório, belas músicas do cancioneiro popular brasileiro. A ação é pontuada pelas seguintes canções: Isto é Bom (Xisto Bahia), Ai, Ioiô (Henrique Vogeler, Luiz Peixoto, Marques Porto), A Mulher Quando Não Qué (Sátiro de Melo), Flor Amorosa (Joaquim Callado e Catulo da Paixão Cearense) e Jura (Sinhô), músicas cantadas sem o auxílio de meios mecânicos e inseridas no contexto do espetáculo.

O espetáculo-sarau Uma por Outra: histórias de Arthur Azevedo está em cartaz às quartas-feiras durante o mês de agosto, às 20:00 horas. Vale à pena ir ao Teatro Gamboa para apreciar o trabalho dos intérpretes, também professores da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, e o que eles fizeram com material escolhido para trabalhar sob a direção de Daniel Marques. O diretor soube imprimir leveza e agilidade, equilibrando os momentos de exacerbada comicidade com a delicadeza de certos momentos provocadores de sorrisos e não de gargalhadas.

A iniciativa da Fraternal Companhia de trazer para a cena os contos de Artur Azevedo é louvável, não só pelas qualidades da realização, mas pelo significado: mostrar para os espectadores a força de comunicação de Arthur Azevedo. Se os contos, que não foram feitos para o teatro, na forma como foram tratados, funcionam na ribalta, pode-se imaginar suas comédias, suas revistas, peças curtas e grandes textos, como O Mambembe e A Capital Federal, necessários de serem revisitados. Se as pesquisas atuais reavaliam a produção teatral do final do século 19 e início do século 20, o teatro popular, considerado por muitos como responsável pela decadência do teatro nacional, urge que se coloque em cena a produção de qualidade legada por essa gente, como Arthur Azevedo, que animou a cena brasileira no momento em que ela busca fortalecer a sua identidade.

Os aplausos no final mostram a satisfação de quem se deslocou até o pequeno Teatro Gamboa, espaço adequado para se ver Uma por Outra: histórias de Arthur Azevedo. No final da récita, o elenco dedicou o espetáculo a Derci Gonçalves, uma justa homenagem.

Elenco: Angela Reis, Daniel Marques, Gláucio Machado, Jacyan Castilho. Músicos: Maurício Azevedo e Vanessa Melo. Equipe Técnica: Daniel Marques (direção), Maurício Azevedo (direção musical), Renata Cardoso e Daniel Marques (cenário), Renata Cardoso (figurinos e maquiagem), Samanta Olm (assistência de figurinos e maquiagem), Irá Moutinho e Carlos Nunes (costura), Pedro Rodrigues (programação visual), João Meirelles (fotos), Angela Reis (produção executiva). Teatro Gamboa, agosto de 2008.


Um comentário:

Anônimo disse...

Assisti "Histórias de Arthur Azevedo" no Teatro Vila Lobos (RJ) em 2000 ou 2001. O diretor era o mesmo: Daniel Marques mas, naquela montagem,ele não estava no elenco.Uma remontagem na Bahia, oito anos depois, me parece uma grande paixão pelo mestre escritor. Bacana!