Quando criança, eu sempre gostei de ver presépios. Gostava por dois motivos: pelo significado do tema ali retratado e pela forma como cada família se encarregava de organizar a cena. A cada Natal, era sempre uma surpresa. Eu apreciava o jeito como os materiais eram utilizados na construção cenográfica e como as figuras eram dispostas.
Geralmente armados em um dos cantos da sala de visitas, os presépios refletiam a compreensão que cada um tinha da cena, misturando-se as figuras da tradição com objetos do cotidiano, como brinquedos, recortes de revistas, bibelôs e tudo mais que a imaginação do autor desejasse. Os mais tradicionais mantinham-se fiéis aos elementos básicos e terminavam por remeter seus presépios às inúmeras pinturas legadas pelos artistas ao longo do tempo. Confeccionados com papéis pintados imitando pedras tinham sempre na base uma faixa de areia que chamávamos de praia onde se dispunha um espelho como se fosse um lago onde patos nadavam tranquilamente.
Em casa, ainda que se comemorasse a festa com muito ânimo e rigor, não lembro de presépio armado com frequência, pelo menos durante a minha infância. Mas não posso me esquecer da surpresa proporcionada por meu pai. Eu já beirava os 18 anos, quando nas proximidades do Natal grandes caixa de madeira foram deixadas em casa sem que ele revelasse o seu conteúdo. Logo em seguida me pediu que eu recortasse em papelão algumas montes indicando-me como modelo os morros que víamos do quintal. O morro chamado de Monte Alto, cujo o cimo abrigava uma capela visitada pelos fiéis na Sexta da Paixão, serviria como fonte para a minha empreitada. Intrigado e descontente por não saber o destino de tais recortes pus-me a pintar os recortes, mesmo sem dominar as técnicas do claro-escuro para dar volume ao intento. Em seguida, fui intimado a ajudá-lo a montar em um pequeno palco armado no salão da Grupo Escola Góes Calmon a cenografia para o presépio que ele queria, não para a família e convidados, mas para toda a cidade. Fazendo suspense, só abriu as caixas no dia 23 de dezembro, retirando dela as figuras para dispô-las na cena.
Misturando montes artificiais, pintados toscamente, com plantas e musgos retirados da caatinga, tendo ao fundo um céu azul estrelado o presépio materializou-se no salão sem carteiras e tornou-se uma atração.
Guardo ainda na memória o presépio de dona Elisa, ele tinha como atração uma bela imagem do Deus Menino no Monte, peça antiga, hoje encontrada somente em museus e antiquários. Na casa de um tio armava-se a lapinha no meio da sala, proporcionando ao visitante uma movimentação para apreciar as cenas distribuídas nos diversos planos. Vi outros presépios e cada um deles aguçou a minha percepção para a religiosidade popular, para a arte e, principalmente para o teatro. Aquelas variadas cenas revelavam teatralidade, algo que só compreendi muito mais tarde. Mas não tenho dúvida, as lapinhas educaram a minha sensibilidade e o meu olhar.
3 comentários:
Raimundo,. meu querido amigo,
comovente a beleza de seu texto.
Beijos
Me lembro do clima natalino que se iniciava com o preparo do presépio a partir das excursões pela caatinga (Dalvinha sempre no comando)e posterior construção propriamente dita com todas características relatadas por voce.Lembro do clima gostoso que se instalava na casa durante o preparo do presépio e da árvore de natal cujo vento, teimava em derrubar destruindo as bolas e a ponteira.
Sinto falta do clima natalino que reinava e sinto também pelas novas gerações!!!
Fernando, gosto dos seus comentários. Sobre o presépio, lembro que suas irmãs faziam uma muito bonito. Tenho na memória os que via na casa da Praça São José.
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