quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Registro 379: Final de ano

No tempo em que as casas comerciais faziam e distribuíam Folhinhas - para os mais novos, calendário -, havia uma com a seguinte estampa: um velho alquebrado despedia-se, enquanto uma criança com sorriso maroto entrava em uma sala preparada para recebê-la. Uma mensagem desejando votos de Feliz Ano Novo completava a cena. Foi-se o tempo... Mas um quadrinho da Mafalda pode abrir o registro 379.



O ano de 2011 vai chegando ao final do seu ciclo, apontando para 2012, o ano que vai acabar segundo uma porção de gente equivocada, gente crédula, sem postura crítica. O calendário Maia é a referência para mais um absurdo dentre muitos a nos atropelar diuturnamente. Durante o ano, inúmeras mensagens alertando para o fim infestaram a caixa do correio eletrônico. Foram todas apagadas, tendo em visto a dimensão da insensatez. Só me resta fazer coro com Assis Valente e com a Pequena Notável: “Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar / Por causa disso minha gente lá em casa começou a rezar... E o mundo não se acabou.” 

Apesar dos pesares, não tenho do que me queixar. Se o mundo anda fora dos eixos, como diz o bardo pela boca de Hamlet, tentei de todas as maneiras equilibra-me diante dos desequilíbrios. Um exercício diário. Viver é perigoso, já dizia o Rosa. Algumas notícias embrulharam meu estômago, outras fizeram meu coração se fechar um pouco. Uma grande parte me fez duvidar da capacidade do humano seguir a razão sábia. Aqui, no nosso quintal, só sendo muito Poliana para aguentar a mediocridade, a estupidez, a falta de civilidade. Tudo junto é a regra, não é exceção. Entre a miséria do quotidiano e a desmedida dos pequenos gestos, acreditar que a beleza poderá nos salvar pode ser um antídoto. 

Ao manifestar pesar pela morte do ditador da Coréia do Norte, o P C do B ficou com o mico do ano. Se essa gente chega ao poder, estamos fritos. Para um partido que defendia o regime que se instalou por muito e muitos anos na Albânia, só não causa espanto em quem acredita nos bons propósitos do Partido. A Folha de S. Paulo, edição de hoje (28.12.2011) traz um interessante editorial sobre o tema.

Outro mico: o Poder Judiciário posando de vestal! Só rindo.

A reforma da Praça de Ondina, aquela que beira o mar, durou mais de noves meses. Ao ser inaugurada demonstrou-se um “belo” desastre. Obra mal feita, logo apresentou seus problemas. Ainda assim, melhor que o monumental camarote que lá estão montando desde meados de dezembro. Assim, passaremos boa parte do verão com o mastodonte impedindo a visão do mar e dificultando o acesso de quem gosta de ir à praia. Sobrou para os banhistas um corredor estreito entre tapumes e um trecho todo arrebentado, já que não foi incluído no pacote. Nunca vi um leilão da via pública feito tão desrespeitosamente. E tudo continua como dantes no castelo de Abrantes. Uns “gatos pingados” ocuparam por um tempo a praça, num arremedo das ocupações norte-americanas. Penso que não deu em nada.   

O fato é uma gota no oceano de descalabros em Salvador. A cada dia a cidade se transforma no pior monstrengo. Suja, descaracterizada, confusa e barulhenta. Enquanto isso, o alcaide e sua ex-consorte mostram cenas de suas vidas íntimas para o público soteropolitano. O BBB vai se espalhando sem nenhuma decência. Falta-nos um  Gregório de Mattos, o Boca do Inferno.

Neste ano, deixei de ver televisão. O aparelho continua em casa para que eu possa ver filmes escolhidos a dedo, no conforto do sofá, sem as conversas e os celulares inoportunos A tv aberta é um lixo, reino da hipocrisia. Seus apresentadores primam pela “canastronice”. Cortei os canais por assinatura, já que a sua programação é repetitiva e cara. Além do mais, enquanto se assiste a um filme são inseridos anúncios na tela, um absurdo. 

Por falar em filmes, registro aqueles que apreciei: Melancolia, Em Nome de Deus, O Palhaço, A Árvore Da Vida, Bravura Indômita, Um Conto Chinês e muitos outros que não me lembro. Mas como não faço lista dos melhores do ano, não preciso completar o registro. Ah, faltou ver Meia Noite em Paris. Medianeiras, fui cheio de expectativas. A Pele Que Habito, passei uma semana pensando no filme. Ainda hoje ele me inquieta. Bem melhor que Má Educação (que não gosto) e Volver. Falta ver As Canções. No teatro, a agenda foi bem falha. Do Festival Latino Americano, vi meia hora de Gatomaquia do Grupo La Cuarta do Uruguai. Do Festival Internacional de Artes Cênicas, mas nacional que inter, nada vi. Mas confiando nos registro feitos no blog Cadernos Grampeados por Celso Júnior alguma coisa devo ter perdido de uma programação que não despertou meu interesse. Assisti Fim de Jogo. Escrevi sobre a encenação aqui no blog. Gostei de ver Remendo Remendó que a moçada de A Outra Companhia de Teatro mostrou no Teatro Vila Velha.

Fiquei feliz com o resultado apresentado pelos estudantes do Módulo II – Interpretação da Escola de Teatro. Fiquei com eles durante dois semestres e a moçada cresceu sensivelmente. O avanço foi visível em Cenas de Família e Um Incômodo. A turma de concluintes mostrou garra e empenho em Tudo é Mentira, longo, mas exuberante. Vi também Grito do Coração, texto em um ato,  homenagem que Harildo Déda, Gideon Rosa, Patrícia Oliveira e Vinícius Martins prestaram ao autor Tennessee Williams (1911-1983), em comemoração aos 100 anos do dramaturgo. Ganhei de presente Mister Paradise edição com peças de um ato de Williams.

 As leituras foram muitas. A quem interessar, recomendo: Nêmesis de Philip Roth, Ilusões Pesadas, de Sacha Sperling,  Borges Oral & Sete Noites, de Jorge Luis Borges. De Jonathan Frazen, Liberdade e As Correções; Avec Grotowski, Peter Brook, A Preparação do Diretor, Anne Bogart. O deslumbrante A Lebre com Olhos de Âmbar de Edmundo de Waal. Agora leio A Beleza Salvará o Mundo, de Tzvetan Todorov, espero concluir antes da virada, aproveitando as férias merecidas. Não consegui terminar a leitura de Odisséia, de Homero, na tradução de Trajano Vieira. A edição bilíngue continua pousada sobre a mesa de cabeceira. A Ausência que Seremos de Héctor Abad, imperdível, tocante. muito outros livros não constam do registro, paciência... Ah, quase esqueço de A Folha Dobrada, de William Maxwell, uma bela história sobre a amizade

O livro Harildo Déda, a Matéria dos Sonhos, escrito por Luiz Marfuz e por mim, foi lançado em novembro. Uma justa homenagem ao ator. Outros merecem. Vejamos: Sônia dos Humildes, João Augusto, Nilda Spencer, os que partiram. Mário Gusmão tem o seu escrito por Jeferson Bacelar

Meu primeiro livro Um Muro no Meio do Caminho? ganhou uma nova e caprichada edição pela Saraiva

Depois de muitos anos, muitos mesmo, reencontro dois amigos, um deles companheiro de infância e que não vejo desde 1974. Trocamos mensagens. O outro conheci em São Paulo por volta de 1975. Diz o poeta, “a vida é a arte do encontro...” ainda que complete: “embora haja tanto desencontro” 

Vi finalmente As Canções, o filme de Coutinho. Tocante como Edifício Master e Jogo de Cena. Árido como Moscou. Todos são belos momentos de cinema. Cinema pra poucos, uma pena. Os filmes não são difíceis, mas não é pra todo mundo. Na sessão das 17:00h do dia 26 seis gatos pingados na sala. Lembrei-me de quando vi Electra de Cacoyannis. Eu devia ter 14 anos quando assisti ao filme no Cine Íris (Feira de Santana). Na sala só havia o professor Divaldo Pitombo e eu. O filme acabou de ser lançado em DVD, revi. Continua poderoso. Adquiri vários dos filmes da Coleção Folha. Alguns são favoritos.

Desde que adquiri Recanto, o novo trabalho de Gal Costa, a minha cantora favorita entre muitas que admiro, faço um esforço para absorver, não a voz nem as letras, mas os arranjos. Eles não me entram confortavelmente pelo ouvido. Não acho que sejam inovadores, pelo contrário, ao pretender novidade revelam certa mesmice. Mas como gosto da intérprete, continuarei ouvindo o CD. Espero mudar de opinião. De qualquer maneira, é louvável a atitude de Gal Costa, prova que ainda há inquietação, os anos de carreira e a fama não mataram certa ebulição que leva o artista a correr riscos. Aplausos! É um disco triste, muito triste. Eu queria um disco menos Caetano e mais Gal. Será que você me entende?

Caso eu me lembre de mais alguma coisa, compartilho com os leitores do blog. Agora é me preparar para fugir da muvuca.

Acrescento mais um mico: o ditador da Venezuela, num momento paranoico, atribuiu à CIA, leia-se governo norteamericano, a onda de câncer que se abateu sobre os governantes da América Latina. Tenho profundo pesar pelos doentes, mas o delírio venezuelano é risível.  É estranho que tantos governantes, ou ex, sejam acometidos da mesma doença, quase ao mesmo tempo, mas daí fazer tal acusação é querer desviar a atenção dos problemas que acometem os países Latinos com com sua "veias aberta.s" A postura anti-imperialista é velha e não leva a nada. Já vimos este filme.

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